O Senado Federal instalou a Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid na mesma semana em que a tragédia humanitária ultrapassou as 400 mil vidas ceifadas pela Covid-19 no Brasil. O objetivo é investigar as ações e omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia.

O governo de Bolsonaro usou todo seu arsenal político para tentar impedir a criação e instalação da CPI, auto-denunciando sua responsabilidade nessa tragédia. Mesmo depois de instalada, seguiu tramando, por meio de senadores a ele submissos, para evitar que a CPI cumpra seu papel de investigar.

As cifras não mentem: por que o Brasil, que tem apenas 2,7% da população do mundo, chegou, no mês de abril, a superar várias vezes os 20% do número mundial diário de mortes, tendo, inclusive, batido na marca dos 33%?

Isso se deve, claramente, à ação consciente do presidente Bolsonaro. Com a lorota de que se deveria esperar alcançar a “imunidade de rebanho”, sabotou todas as medidas, inclusive as promovidas por seus próprios ministros da Saúde, para bloquear a transmissão do vírus assassino.

Sob essa máscara da “imunidade de rebanho”, o que, na verdade, Bolsonaro pretende é esconder seu real objetivo: promover o caos para criar o “caldo de cultura” para seus intentos golpistas. Mas suas reiteradas declarações no período recente deixam clara essa sua intenção. Basta atentar para a declaração que deu em Manaus: “Se precisar, vamos agir para evitar caos por causa da revolta e fome do povo por causa da irresponsabilidade dos outros”.

Ele se refere a uma suposta “irresponsabilidade dos outros”, sugerindo que a tragédia é de responsabilidade dos governadores e prefeitos. Na verdade, como é sabido por todos os brasileiros e brasileiras, o número de mortos seria muito maior se não fosse o esforço de governadores e prefeitos para evitar a transmissão do vírus e pressionar para a obtenção e aplicação da vacina.

Essas ações, no entanto, vêm sendo sistematicamente sabotadas por Bolsonaro e seu grupo, desde o início da pandemia. Primeiro, movidos pelo obscurantismo, negaram a existência da doença e as recomendações da OMS e da ciência para seu enfrentamento. Enquanto o presidente propalava que a pandemia não passava de uma gripezinha, seu ministro da Economia bravateava que com 3 a 5 bilhões de reais resolveria o problema.

Para agravar a situação, sabotaram abertamente todo o esforço de testagem massiva e distanciamento físico praticado por todos os governos responsáveis. Chegaram a debochar dos que procuraram se precaver da pandemia. Esses, que são a ampla maioria do povo brasileiro, foram chamados de “maricas” pelo Presidente. E nem de longe o governo cogitou adotar a vigilância epidemiológica e o rastreamento ativo para o enfrentamento mais adequado à pandemia.

Pelo contrário, enveredou de forma recorrente pelo caminho do charlatanismo. Afirmamos em nosso manifesto de janeiro: “a subestimação da pandemia pelo governo Bolsonaro foi acompanhada pela recomendação de tratamentos sem nenhuma confirmação científica. Ao contrário, a cloroquina propagandeada pelo charlatanismo de Bolsonaro e produzida em larga escala pelos laboratórios militares do Brasil, por pressão dele, foi descartada por todas as pesquisas realizadas, inclusive pela própria OMS”. Deixou também de fornecer tempestivamente os insumos necessários para o enfrentamento da doença, a começar pelo oxigênio, como ficou evidente na tragédia de Manaus.

Bolsonaro adotou a mesma atitude irresponsável em relação à vacina. Como denunciamos no manifesto de janeiro: “Bolsonaro, que sabotou o tempo todo as medidas sanitárias destinadas a barrar a transmissão do vírus, mantém a mesma atitude irresponsável em relação à vacina. Além de fazer uma verdadeira campanha contra o uso da vacina, criou mil dificuldades para a vacina da Sinovac/Butantan”.

O governo, conscientemente, deixou de tomar as providências essenciais para o estabelecimento de parcerias com os laboratórios e deixou de contratar, na hora certa, as vacinas oferecidas por eles.

Agora, quando a tragédia se aprofunda, tem dificuldade de encontrar disponível a quantidade necessária de vacinas. Para agravar a situação, na mesma semana em que, numa cena farsesca, o Presidente simulou aderir à vacina, vetou o dispositivo aprovado pelo Congresso que permitia a governadores e prefeitos adquirir o imunizante.

Não bastasse isso, membros importantes do governo, ou achegados, como o ex-ministro da Relações Exteriores e o próprio filho do presidente, têm sistematicamente agredido nossa principal fornecedora de vacinas e insumos contra a Covid, a China. Mas, agora, como a demonstrar a intenção de boicotar a obtenção de vacina, foi o próprio presidente que, em mais uma de suas fake news, agrediu a China, ao atribuir a origem do Coronavirus, sem qualquer fundamento científico, a uma suposta guerra biológica por parte da China. Disse Bolsonaro: “É um vírus novo, ninguém sabe se nasceu em laboratório […]. Mas está aí. Os militares sabem que é guerra química, bacteriológica e radiológica. Será que não estamos enfrentando uma nova guerra?”. “Qual o país que mais cresceu seu PIB? Não vou dizer para vocês”.

Sobre essa aleivosia, esclareceu o presidente do Instituto Butantã, Dimas Covas, fornecedor, em parceria com a China, da principal vacina até agora utilizada no Brasil contra a Covid-19:”A Organização Mundial de Saúde fez uma auditoria, podemos dizer assim, e deixou muito claro quais as condições de surgimento desse vírus, esse relatório foi disponibilizado para o mundo, não resta nenhuma dúvida. E outro ponto, a China fez o que o Brasil não fez, a China controlou o vírus”.

Por outro lado, enquanto o presidente dos EUA, Joe Biden, decidiu apoiar na OMC a proposta da Índia e da África do Sul que quebra patentes de vacinas contra a Covid-19 com o objetivo de facilitar a transferência de tecnologia e possibilitar a produção das vacinas principalmente em nações em desenvolvimento, como a nossa, o governo Bolsonaro mantém naquele organismo multilateral a posição contra a quebra de patentes dessas vacinas, criando mais dificuldade para o Brasil e outros países em desenvolvimento produzir a tão ansiada vacina para combater esse vírus assassino que está causando um verdadeiro genocídio em nosso País.

Esses fatos devem ser esclarecidos pela investigação da CPI. É por isso que Bolsonaro, que sabotou o enfrentamento eficaz da pandemia, agora usa seu poder de pressão e sua tropa de choque no Senado para tentar sabotar a CPI. Mas o Senado, depois de decisão do STF, instalou e deflagrou seu funcionamento na última semana de abril. Já aprovou as primeiras convocações, que recaíram sobre os quatro ministros da Saúde do governo Bolsonaro, e os primeiros pedidos de informação.

O Observatório da Democracia, integrado por 10 Fundações partidárias, manifesta seu decidido apoio à investigação das causas desse verdadeiro genocídio que se pratica contra o povo brasileiro a fim de estabelecer as responsabilidades para instruir as punições cabíveis e assim se possa deter essa escalada da morte.

São Paulo, maio de 2021

Fundação Lauro Campos/Marielle Franco, PSoL
Fundação João Mangabeira, PSB
Fundação LeonelBrizola/Alberto Pasqualini, PDT
Fundação Maurício Grabois, PCdoB
Fundação Perseu Abramo, PT
Fundação Ordem Social, PROS
Fundação Astrojildo Pereira, Cidadania
Fundação Verde Herbert Daniel, PV
Fundação Rede Brasil Sustentável, Rede
Instituto Claudio Campos (em trâmite)