Pane do Facebook revelou a esmagadora exclusão digital dos brasileiros
O incidente com a “família Facebook” de aplicativos e provedores mostrou de forma explícita os diversos perigos de haver um monopólio privado, – proprietário de três dos maiores serviços de trocas comunicacionais e simbólicas na internet -, deixando bilhões de pessoas no mundo sem o principal mecanismo de comunicação que têm. Esta é a constatação da jornalista e pesquisadora de Comunicação, Renata Mielli.
Renata, que também foi coordenadora-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação e secretária-geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, faz uma análise da dimensão que o colapso das três maiores plataformas de comunicação pela internet causou no mundo, e em particular aos brasileiros. Para isso, ela denunciou e questionou o monopólio desregulado que esses aplicativos de propriedade do mesmo grupo usufruem.
Para ela, a gravidade do que aconteceu não está apenas no fato do Facebook ser um monopólio de prestação de um serviço de internet. “Além do Facebook, Instagram e Whatsapp, eles têm o monopólio de sua própria infraestrutura de comunicação”, diz ela.
A pesquisadora explica que, enquanto outras plataformas utilizam infraestruturas privadas, reguladas por governos, o Facebook tem suas próprias fibras e cabos submarinos (backbones), para garantir a comunicação entre seus grandes datacenters e o funcionamento do sistema. “É uma infraestrutura que o Facebook não compartilha com ninguém mais, apenas na hora da conexão com a internet geral, onde ocorreu o erro”.
Assim, o monopólio do Facebook extrapola os aplicativos proprietários, para se transformar num monopólio de infraestrutura de conexão. “Se ele usasse outras infraestruturas talvez o problema fosse diferente”. Mesmo com o ganho de usuários em outras plataformas, Renata considera que isso só torna mais evidente a fragilidade desse monopólio.
Como combater esse domínio
Enquanto países como a China reagem ao monopólio norte-americano criando seus próprios aplicativos, e outros aplicativos similares não têm força econômica para pulverizar os usuários da família Facebook, na opinião da jornalista, há meios efetivos de reação.
Para ela, deveria haver “uma regulação por parte dos estados nacionais, que definisse claramente o que é um monopólio e quais os limites de concentração e de propriedade que um determinado grupo econômico pode ter com relação aos processos de comunicação e troca simbólica em determinada sociedade”.
Ela lembra que esses três únicos aplicativos concentram, hoje, cerca de 4 bilhões de usuários no mundo. No Brasil, ela critica o fato de somar-se a isso o fato dessas plataformas serem acessadas pela esmagadora maioria da sociedade brasileira através de um modelo de acesso a internet móvel conhecida como zero rating, do app gratuito.
“Nesse modelo, há um acordo comercial entre essas empresas e as de telecomunicações que comercializam pacotes de acesso móvel, para que, no pacote de dados, o acesso ao Facebook, ao Instagram e ao WhatsApp seja gratuito”, descreve. É nessa modalidade que a esmagadora maioria dos brasileiros acessa o que entende como “internet”. “Como o custo da conexão móvel no Brasil é uma das mais caras do mundo, as pessoas acessam a internet com pacotes pré-pagos que restringem o serviço a esses aplicativos combinados”.
Ela cita que o usuário não pode acessar portais de notícias, como o Vermelho, ou terá descontado do seu pacote pré-pago de dados. A consequência disso é que a pessoa navega onde é “gratuito” para ela. “Se você tentar acessar o link do portal Vermelho que apareceu no WhatsApp, vai aparecer aquela mensagem assustadora: você tem certeza que quer fazer isso? A partir de agora vai descontar do seu pacote de dados. A pessoa abandona e não acessa aquela informação”, resume.
Todo esse mecanismo corriqueiro para milhões de brasileiros foi revelado de forma dramática, nesta segunda-feira, especialmente para aqueles que dispõem desse modelo de acesso digital, que Renata considera que “radicaliza esse monopólio”. “Essas pessoas ficaram órfãs. Nem todo pacote de dados oferece Signal ou Telegram ou Twitter gratuito. Elas ficaram sem acesso à internet possível para elas, que é navegar dentro desses aplicativos”, lamentou.
Renata ainda aponta a necessidade de políticas públicas de garantia de acesso à internet banda larga, “para não haver cidadãos com acesso residencial com plano pós-pago de acesso integral, e a grande maioria dos brasileiros que ficam só nesses aplicativos”.
O silêncio sobre o escândalo das offshores
Para Renata, o incidente do Facebook revela a gravidade da concentração da comunicação, falta de regulação e transparência. Ela citou o fato do Facebook só dar um posicionamento oficial sobre o assunto, hoje, deixando bilhões de usuários no escuro. “Pelo gigantismo que possuem, essas empresas devem obrigação de prestar informação célere e transparente para a sociedade como um todo, e não só para seus usuários”.
Mas o incidente também mostrou de forma emblemática a necessidade da sociedade brasileira discutir a democratização da comunicação. “A mídia hegemônica, ontem, silenciou completamente em relação às denúncias envolvendo o Paulo Guedes e as offshores que outros bolsonaristas e grupos econômicos tinham em paraísos fiscais”, denunciou.
São duas dimensões que mostrou como é deletério o monopólio digital e dos meios de comunicação que ignoraram solenemente uma das denúncias mais bombásticas relacionadas a integrantes do governo brasileiro. “A agenda da democratização da comunicação e dos direitos digitais é urgente e transversal para toda a sociedade brasileira. Espero que os dois casos de ontem, muito emblemáticos, façam com que entidades e figuras públicas não se neguem ou considerem indesejável ou proibido discutir a democratização da comunicação. Tudo que aconteceu diz respeito a como construir uma sociedade com mais diversidade e pluralidade nas comunicações”, declara.
Conforme Renata pontua, esse debate significa garantir serviços alternativos a esses grandes aplicativos privados, o estado investir em desenvolvimento e tecnologia da informação, haver provedores comunitários, ter comunicação pública forte, entre tantas outras políticas públicas.