Bolsonaro colocou em aposta as nossas vidas
O estudioso de políticas públicas Ergon Cugler considera a falta de articulação nacional de políticas de governo a principal razão para o número “trágico” de mortes no Brasil, durante a pandemia.
Chegamos à trágica marca de 600 mil vidas perdidas diante da pandemia da covid-19. Para o pesquisador Ergon Cugler, da EACH/USP, o presidente Jair Bolsonaro (ex-PSL) tem responsabilidade sobre este resultado, na medida que opôs vida e economia e apostou na plena continuidade das atividades econômicas, em detrimento da circulação de um vírus mortal. Cugler estuda a gestão pública e analisou a situação de desmonte federativo que levou ao caos sanitário que vivemos. Ele é associado ao Observatório Interdisciplinar de Políticas Públicas (OIPP) e ao Grupo de Estudos em Tecnologia e Inovações na Gestão Pública (GETIP), além de representante da Sociedade Civil na Comissão da Agenda 2030 da ONU para São Paulo. Para ele, desde o início, o governo Bolsonaro apostou nas teses da imunidade de rebanho, de tratamento precoce e, apesar de nenhuma evidência científica, elas foram utilizadas para polarizar a população entre salvar a economia e salvar as vidas. “Nada foi feito. Nem a economia foi salva, nem as vidas foram salvas”, resume ele. Em casos de epidemias, há uma série de procedimentos de vigilância sanitária já previstos. Com a expansão para todo o mundo, de um vírus desconhecido e letal, a agilidade e seriedade na aplicação desses protocolos sanitários são ainda mais necessários a partir de uma articulação central coordenando todos os entes federados num só objetivo de impedir a circulação do vírus. “O governo não fez a lição de casa. Os estados e os municípios estão desarticulados hoje”, diz o especialista, que participou de um projeto para ajudar prefeitos a reagir à pandemia diante da ausência do governo central. “Cada um ruma para um caminho diferente. Os únicos que conseguem se sustentar são aqueles que estão dependendo de consórcios e de articulações entre eles mesmos”, relata Cugler. Com isso, se observam as sequelas, que, na opinião dele, não são “apenas” na saúde da população, com esse trágico numero de mortes, mas também na gestão pública, uma vez que o federalismo segue em desmonte. Ele menciona uma série de mecanismos de coordenação federativa que foram desarticulados com a oposição de Bolsonaro e seu governo a tudo que governadores e prefeitos estavam dispostos a fazer. “A disputa por vacinas e por políticas públicas, por gestão da saude como um todo, segue acontecendo com a omissão do governo federal”, analisa. “Agora, cabe, com a omissão desse governo, a população conseguir organizar por meio de participação popular, por meio de planos de recuperação socioeconômica, quais são os rumos que a gente vai construir”, recomenda ele, confiante na capacidade da sociedade civil se organizar, algo que se demonstrou mais eficaz que o próprio governo com seus inúmeros recursos. “De qualquer forma, segue um governo omisso que não tem capacidade de gestão, e que colocou em aposta as nossas vidas”, conclui o pesquisador.
Não podemos cair no conto de deixar de usar máscara
Para a infectologista Ceuci Nunes, o Ministério da Saúde abdicou de sua prerrogativa de orientar a população sobre os riscos da pandemia.
A Dra Ceuci Nunes, infectologista e diretora do Hospital Couto Maia, em Salvador, reagiu a notícia de que o Brasil está com mais de 600 mil mortes por covid-19, se solidarizando com as famílias que perderam seus entes queridos. “Muitas delas, perderam mais de uma pessoa”, lamentou a médica que testemunhou o avanço da pandemia de perto. Para além do lamento e solidariedade, no entanto, Ceuci considera importante parar para pensar o que está acontecendo no país, em que, neste ano, tivemos mais mortes por covid do que qualquer outro país no mundo. “Isso poderia ter sido evitado, se tivéssemos vacinas”, avaliou ela, mencionando a negligência do Governo Federal e do Ministério da Saúde em garantir a negociação de vacinas, desde o primeiro momento. “O Ministério da Saúde abdicou da sua função de orientar a população, orientar as medidas de restrição e uso de máscaras. O Ministério da Saúde demorou muito para comprar vacinas”, criticou. Após tantos erros de gestão, a infectologista resigna-se diante da necessidade de torcer pelo avanço consolidado da campanha de imunização e da manutenção dos protocolos sanitários básicos. “Precisamos seguir adiante e o que nos resta é vacinar. Não podemos cair no conto de deixar de usar máscara, pois ainda não é tempo”, alertou. Ela argumento que os numeros de covid estão caindo, mas o vírus ainda circula. “Vamos nos solidarizar, mais uma vez, com estas famílias enlutadas”, concluiu.