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Falhas deliberadas na gestão da pandemia

14 de fevereiro de 2022
Máscara com a bandeira do Brasil

Apesar da CPI, continua havendo sabotagem na vacinação, falta de comunicação oficial, apagão estatístico, entre outros ataques à saúde pública.

Boletim do Observatório Covid-19 Fiocruz, divulgado nesta quarta-feira (9), apresentou um balanço de dois anos da pandemia de Covid-19, declarada Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 30 de janeiro de 2020 e de importância nacional pelo Ministério da Saúde em 3 de fevereiro daquele ano. A análise apresentou uma perspectiva da evolução da pandemia, dividida em fases, desde a descoberta do vírus até os dias atuais, em que revela os erros (e crimes contra a saúde pública) contínuos que o Ministério da Saúde e o Governo Bolsonaro mantém apesar de todo o aprendizado da pandemia e do fim da CPI da Covid que apontou os crimes cometidos pelo governo.

Os problemas de gestão da pandemia continuam a envolver sabotagem do governo Bolsonaro à vacinação infantil, total falta de comunicação governamental sobre a continuidade das medidas sanitárias, apagão de dados estatísticas e desigualdade regional da campanha de imunização. A falta de busca ativa de pessoas não vacinadas também prejudica a campanha, assim como a menor disponibilidade de leitos de covid, em relação ao início da pandemia, quando havia hospitais de campanha. O colapso da força de trabalho na saúde é outro problema pouco enfrentado pelo governo.

Com base nos estudos realizados pelos pesquisadores da Fiocruz, o balanço sintetiza a dimensão das perdas, totalizando 388 milhões de casos no mundo e 26 milhões no Brasil (6,7% do total), com 5,71 milhões de óbitos no planeta e mais de 630 mil no país. Estes 11% do total demonstram o impacto dramática da pandemia no Brasil, se comparada com a maioria dos países. Apenas os EUA tiveram mais mortes que o Brasil. A Índia, com cenário econômico similar e população sete vezes maior que a do Brasil, conseguiu controlar melhor o agravamento dos casos.

O estudo aponta para um cenário ainda preocupante, com rápida transmissão da variante Ômicron e especulação sobre o fim da pandemia. A vacinação é a maior prioridade na fase atual, segundo a Fundação, mas continua sofrendo sabotagem do governo federal, que tentou impedir o avanço da vacinação infantil.

Para os pesquisadores do Observatório Covid-19 Fiocruz, a cada fase da pandemia se apresentam novos desafios. “Se o diagnóstico e tratamento correto, adequação dos hospitais e estabelecimentos de saúde foram cruciais para a redução do impacto da doença inicialmente, a vacinação hoje é considerada prioridade para o controle da pandemia”, avaliam.

No entanto, os pesquisadores ressaltam que as medidas não-farmacológicas continuam sendo importantes, uma vez que o distanciamento físico e uso de máscaras são os principais meios de redução da exposição e infecção pelo vírus. 

O monitoramento da nova variante, associado ao estudo genético de suas mutações, sugere rápido crescimento de casos, por conta da sua capacidade de propagação, até 70 vezes maior que a Delta, em alguns estudos.

Alguns países e agências de saúde já discutem ou vêm adotando a transição de pandemia para endemia. Para os pesquisadores, a mudança não representa a eliminação do vírus e da doença, nem mesmo a desobrigação de medidas de proteção individuais e coletivas. “A classificação da doença como endêmica só poderia ser pensada após drástica redução da transmissão pelas novas variantes e por meio de campanha mundial de vacinação”, aponta o documento.

O documento sugere que para que isso seja possível é essencial colocar em prática quatro estratégias de saúde pública, como realizar busca ativa por pessoas que ainda não iniciaram seus esquemas vacinais e massificar a campanha de incentivo à vacinação de crianças. Em vez disso, recentemente, o governo abriu um Disque Denúncia para pessoas que não queiram ser vacinadas denunciem estabelecimentos e serviços que exijam o comprovante de vacinação.

Finalmente, o Boletim aponta que o avanço da vacinação no Brasil, depois de um ano, tem ocorrido, mas não de forma homogênea e evidencia as diferentes realidades do país. Enquanto as regiões Sul e Sudeste apresentam elevado percentual da população imunizada, áreas das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste ainda têm bolsões com baixa imunização para Covid-19. “Estes bolsões se constituem em locais de menor Índice de Desenvolvimento Humano, populações mais jovens, menos escolarizadas, baixa renda e residentes de cidades de pequeno porte. Para estes locais, o fim da pandemia parece mais distante que para grandes centros como Rio de Janeiro e São Paulo, que já apresentam elevada cobertura vacinal com duas doses”, avaliam os cientistas.

Leitos de UTI, logística de vacinação e comunicação

O quadro atual, embora preocupante, constitui um cenário muito diferente do observado entre março e junho de 2021, no momento mais crítico da pandemia no Brasil. Os pesquisadores afirmam que as diferenças dizem a respeito à parte da população brasileira estar vacinada contra a Covid-19, as características da doença produzida pela variante Ômicron e à disponibilidade de leitos de UTI, hoje significativamente menor.

O documento evidencia a preocupação com o crescimento consistente das taxas de ocupação de leitos de UTI observado nas últimas semanas, bem como os indícios da interiorização dos casos frente à desigual cobertura vacinal no país.

A desigualdade da vacinação no Brasil expõe problemas de base, como acesso geográfico, logística de distribuição, armazenamento, gestão de estoques e velocidade na informação. A Fiocruz observa que, até agora, mais de um ano depois do início da vacinação, o governo não resolveu estes problemas logísticos. “Em meio a pandemia, problemas que deveriam ter sido enfrentados antes, para trazer mais equidade e eficiência no processo de imunização, podem tornar populações com baixa taxa de cobertura mais vulneráveis e permitir o surgimento de novas variantes, como observado em áreas mais pobres do continente africano”, explicam no documento.

Para os pesquisadores, a falta de ampla campanha de comunicação para sustentar os benefícios das vacinas e das medidas não farmacológicas se mostrou muito prejudicial. Mesmo com a trajetória de sucesso do PNI, manter a qualidade e o desempenho de um programa dessa natureza, em um país com as características do Brasil, não é tarefa fácil. Sendo assim, é preciso planejar e investir permanentemente de modo a promover o acesso, a equidade e a universalização dos cuidados de saúde necessários.

Evolução dos erros

O balanço da FioCruz apontou as fases mais evidentes da pandemia e os erros cometidos em cada uma delas. Nas primeiras semanas de março ocorreu a expansão da transmissão das grandes cidades em direção ao interior.

Nessa fase observavam-se grandes filas de espera para internação em UTI e elevada ocorrência de óbitos por falta de acesso, ou acesso tardio aos cuidados de alta complexidade. O principal gargalo da gestão federal da pandemia ocorreu entre os meses de abril e maio, em Manaus, único município do Amazonas com capacidade para oferta de cuidados hospitalares de alta complexidade, ocorreu o primeiro grave colapso do sistema de saúde no país.

De junho a agosto de 2020, o principal problema foi o desestímulo ao lockdown e às medidas sanitárias pelo governo federal. A queda contínua das medidas de distanciamento físico foi seguida do crescimento gradual de casos, positividade de testes, internações e óbitos que estabilizaram em um patamar elevado. Este foi um período caracterizado especialmente por um alto patamar na mortalidade, com cerca de mil óbitos diários.

No período também começou a ser observado o aumento do número de casos e de óbitos em gestantes, um forte indicativo que a Covid-19 não era apenas a causa direta da morte, mas também causa indireta, devido `às dificuldades das gestantes em fazer um acompanhamento qualificado do período pré-natal. Os hospitais estavam lotados prioritariamente por doentes de covid, algo que afetou a mortalidade por outras causas.

De setembro a novembro de 2020, No período houve relativa redução do número de casos e de óbitos, com governos estaduais e municipais adotando medidas isoladas de distanciamento físico e social e uso de máscaras, sem que se dessem de modo articulado nacionalmente e regionalmente. Em novembro, os casos voltaram a crescer e o maior impacto nas taxas de ocupação de leitos de UTI se concentraram nas regiões Sul e Centro-Oeste e novamente no Amazonas.  

De dezembro de 2020 a junho de 2021, ocorre a segunda onda de transmissão, que coincidiu com o período de festas de fim de ano e férias, acompanhada da flexibilização das medidas de restrição à mobilidade, principalmente em dezembro de 2020. A variante Gama atinge seu ápice em abril de 2021, com valores muito altos de casos e óbitos de março a junho, alcançando picos de até 3 mil óbitos por dia. Esta fase foi marcada pelo colapso do sistema de saúde e pela ocorrência de crises sanitárias localizadas, combinando deficiência de equipamentos, de insumos para UTI e esgotamento da força de trabalho da saúde.

Em 17 de janeiro de 2021 se iniciou a campanha de vacinação contra a Covid-19 no Brasil, porém com um pequeno número de doses (6,2 milhões), devido à resistência do Governo Bolsonaro em negociar as vacinas com os laboratórios internacionais. As primeiras doses se devem ao investimento do Governo de São Paulo, que sofreu contínuos ataques de Bolsonaro por desenvolver sua vacina. Entre março e junho de 2020, ocorrem novo colapso do sistema de saúde.

De julho a novembro de 2021, foi um período de redução do número de casos graves e mortalidade devido ao forte avanço da vacinação, apesar do desestímulo do governo federal, que passou a ser investigado por uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Em setembro, com 40% da população elegível vacinada, o Brasil alcançou uma média diária de 500 óbitos. E em novembro, já com 60% da população vacinada, a média de óbitos diários estava em torno de 250.

De dezembro de 2021 a janeiro de 2022, ocorre a terceira onda de transmissões, coincidindo com o período de festas, férias, relaxamento de medidas de restrição à mobilidade e a introdução no país da variante Ômicron. Essa fase marcada por uma epidemia de vírus influenza A em vários municípios, também sofreu com mais uma omissão calculada do governo federal, com o “apagão de dados”, quando houve várias semanas de interrupção na recepção de dados da vigilância, comprometendo o monitoramento e análise da evolução da pandemia. 

Segundo os pesquisadores do Observatório Covid-19 Fiocruz o Brasil ainda se encontra nesta fase e há forte especulação sobre que momento da pandemia o país vive e se está caminhando para o fim. “Em que pese o fato de a vacinação ter impedido que as internações e óbitos subam em igual velocidade aos casos, o aumento súbito de doentes faz crescer, inevitavelmente, a demanda por serviços de saúde, com impactos nas taxas de ocupação de leitos de UTI”, apontam.  

O cenário indica ocorrência de internações maior entre idosos, quando comparadas aos adultos. No entanto, as internações entre crianças crescem em níveis preocupantes. Por se tratar do último grupo em que a vacinação foi iniciada, já em 2022, as crianças representam hoje o grupo com maior vulnerabilidade. Apesar disso, o governo continuou sugerindo medidas para impedir a vacinação de crianças, como a autorização para os pais que não queiram imunizar filhos ou a exigência de recomendação médica.