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A luta contra o racismo é parte fundamental da luta de classes

7 de junho de 2022

O Seminário Luta Antirracista, Democracia e Desenvolvimento Nacional está debatendo os diversos aspectos da luta antirracista. Palestrantes destacam que há no Brasil um verdadeiro genocídio contra o povo negro.

O Seminário Luta Antirracista, Democracia e Desenvolvimento Nacional está debatendo os diversos aspectos da luta antirracista. Palestrantes destacam que há no Brasil um verdadeiro genocídio contra o povo negro.

por Priscila Lobregatte, Mariana Mainenti e Cezar Xavier

A história do racismo é a história da construção da desigualdade. Ele foi acalentado, recebido de bom grado na formação da República e fundamental para a estruturação do Estado. A sociedade se moldou a partir da desigualdade racial. Por isso, “quando falamos da luta antirracista, estamos falando de estruturação de projetos nacionais, de um futuro”. A explanação de Wlamyra Albuquerque dá bem a medida da importância que o tema tem ganhado nas diversas esferas, da academia ao debate dos partidos políticos. Ela foi uma das convidadas do Seminário Luta Antirracista, Democracia e Desenvolvimento Nacional promovido pelo PCdoB, Fundação Maurício Grabois e Instituto Castro Alves, realizado de forma online nos dias 3 e 4 de junho.

Wlamira Albuquerque , Júlio Vellozo e Francisco Teixeira

O debate do qual participou Wlamira Albuquerque tratou da formação da nação, do povo e das classes sociais no Brasil, desde a escravidão ao trabalho assalariado. Além dela, que é doutora em História Social da Cultura pela Unicamp, Julio Vellozo, pós doutor pela Faculdade na Direito da Universidade de Salamanca e Francisco Teixeira, professor da UFRJ também falaram aos mais de 300 inscritos no seminário.

Velozzo destacou que o racismo é uma tecnologia fundamental no capitalismo, “não é um resto, um pedaço do passado; é cada vez mais importante para esse sistema, e oferece um critério objetivo para o descarte de populações inteiras”. Por isso, completou, “o racismo tende a ser cada vez mais importante e cada vez mais necessário, infelizmente, para a gestão da crise do capitalismo”.

Ele afirma que no Brasil houve um espalhamento da escravidão por todo tecido social e todo território. “Isso trouxe uma situação especial no caso brasileiro de termos um amplo pacto em torno da defesa da manutenção da escravidão”. E acrescentou que, ao contrário do que se pensa, o trabalho escravo está presente em vários setores da economia e envolve pequenos e grandes proprietários. “Esse pacto é responsável pela formação de uma ideologia em torno da escravidão”, acredita.

O professor Francisco Teixeira salientou que, diferentemente do Haiti, por exemplo, país em que aconteceu uma revolução, no Brasil não houve de fato uma solução para a escravidão. “Isso é uma questão básica do ponto de vista mental e ideológico”, disse. O racismo, apontou, tornou-se um elemento hierarquizante a partir do fim da escravidão, uma ferramenta útil na reorganização do mundo e para o apagamento da escravidão. 

Francisco Teixeira salientou que, na ausência de uma revolução, “a repressão surge como resposta possível para colocar essas pessoas ´libertadas´ dentro desse novo mundo do trabalho que emerge”. E há, desde então, uma guerra aos negros que “sobram” nesses espaços. “Isso vai culminar na exigência de apresentação da Carteira de Trabalho para não ser considerado vadio, ainda no Estado Novo”, lembrou.

Segundo ele, esse processo contribuiu para a incorporação da ideia do trabalhador como homem de bem versus “a vadiagem”, “o marginal”, divisão que passa a permear a estrutura mental do brasileiro e que determina quem pode ser preso, espancado, torturado e morto, como há poucos dias ocorreu com Genivaldo Santos. 

O professor avalia que há uma “guerra subterrânea que se trava constantemente nas comunidades contra os setores subalternos, alvos constantes das forças de segurança que podem agir livremente nessas comunidades desvinculadas do mundo branco, ‘de bem’, criando-se, assim, um processo fascistizante das estruturas de segurança. “O fascismo brasileiro escolheu os negros marginalizados, desde sempre”, pontuou.

Seminário foi realizado no formato online

Há um genocídio negro no Brasil

Ao abrir os debates do seminário, a deputada estadual da Bahia e secretária nacional de Combate ao Racismo do PCdoB, Olívia Santana, afirmou a importância de os partidos pautaram o debate sobre o racismo estrutural. Para ela, é crucial que o tema seja não apenas da militância negra, mas de todos. Além de Olívia, abriram os trabalhos Edson França, membro do Comitê Central do PCdoB, e Nádia Campeão, secretária de Organização. 

A presidenta nacional do PCdoB e vice-governadora de Pernambuco, Luciana Santos, em vídeo, lembrou a chacina da Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, e o assassinato de Genivaldo Santos, em Sergipe, como reflexos da dramática situação do genocídio negro no país. “Estes não são fatos isolados”, afirmou. 

Luciana Santos, presidenta do PCdoB

Luciana fez um retrospecto das contribuições do PCdoB na luta contra o racismo, lembrando desde a candidatura do operário comunista Minervino de Oliveira, em 1930, primeiro candidato negro à presidência da República, até a obra de Clóvis Moura, a participação na organização da Unegro e na formulação de políticas públicas.

A dirigente lembrou que é fundamental derrotar Bolsonaro nas eleições de outubro e colocar aluta antirracista em outro patamar. 

Para além dos impactos da pandemia, Luciana lembrou que o desgoverno Bolsonaro impôs à população a fome, a miséria, a inflação, o desemprego, sentidos especialmente pelos mais pobres e os negros. “O risco da fome atinge patamar recorde e ameaça 36% das famílias”, destacou. Ela lembrou que o bolsonarismo tornou-se a expressão política do reacionarismo e do autoritarismo, da cultura da violência e da impunidade. 

Renato Rabelo, presidente da Fundação Maurício Grabois, fez um rico resgate histórico sobre como se estabeleceu e se desenvolveu a estrutura escravocrata no Brasil e apontou a luta contra o racismo como aspecto fundamental da luta de classes. Ele lembrou que a tese liberal de que a luta de classes é estranha ao Brasil e de que os escravos eram passivos sempre teve espaço na sociedade; a avaliação da história pelos marxistas deu outro sentido para a luta de classes. Ele citou a obra de Clovis Moura, em especial Rebeliões na Senzala, lembrando que luta de classes ocupa papel central nessa obra, com a resistência dos quilombos, a participação dos negros em diversas revoltas e as insurreições urbanas. 

Renato Rabelo, presidente Fundação Maurício Grabois

Rabelo explicou que a denúncia do racismo feita por Clovis Moura está baseada no domínio de classes e no papel do proletariado e dos negros na luta contra esse domínio. Neste sentido, apontou que Moura foi um dos que colocaram a história do escravo em seu justo lugar na história de luta do povo contra a opressão e não como luta de um segmento. 

Trazendo o debate para a atualidade, salientou que o antirracismo tem papel estrutural na construção de um novo projeto nacional de desenvolvimento e da via socialista. Apontou as mortes de Genivaldo, de tantos negros e negras nas periferias e as várias chacinas como reflexo desse racismo estrutural e da degradação do país hoje. 

A vice-presidenta do PCdoB, Manuela d’Ávila destacou que o país carrega, em seu âmago, um dos mais violentos processos de escravização do mundo. “Nosso desafio é muito grande porque é impossível pensar um projeto de desenvolvimento que não tenha, em seu centro, a luta contra o racismo”. Manuela também reforçou a grave situação de genocídio da juventude negra. “Como pensar numa nação que desenvolve suas potencialidades em diversas áreas sem imaginar que jovens podem dar sua contribuição”, questionou. 

Foto: Guilherme Santos/Sul21

Considerando estas questões e outras que atingem sobretudo a população negra — a violência policial, a atuação de milícias, o desemprego e a miséria, entre outros — Manuela enfatizou ser imprescindível colocar o racismo no centro do debate para a reconstrução do país.

Luta antirracista em todas as esferas

A luta antirracista deve estar vinculada a um projeto nacional de desenvolvimento, perpassando todo o projeto, como componente de todas as iniciativas, na opinião do deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), que participou do painel “A perspectiva antirracista em um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento”, durante o seminário “Luta antirracista, democracia e desenvolvimento nacional”. “O Brasil retomando a sua reconstrução, como imagino, com o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva à frente em 2023, vai nos exigir termos o olhar negro em todas as esferas”, observou.

O parlamentar destacou que um tema caro para o PCdoB é que o debate sobre a democracia seja vinculado à superação do racismo, ao lado de acesso a direitos e representação política. “Temos de nos orgulhar de uma mulher negra na presidência do partido porque não temos a justa expressão do que correspondem os negros na sociedade nos planos da economia e da política. Não há presença negra nas chapas de governador e de senador”, apontou.

Orlando Silva

Para o deputado federal, o tema deve ser tratado com objetividade, a exemplo das mulheres cuja experiência da luta levou à paridade de gênero. “O nosso desafio é refletirmos sobre o que fazer para a maior presença negra na política. E pode ser defender cota de 30% de negros, porque tem que haver uma proposta objetiva. Somos 21 negros no Parlamento. Neste ritmo, vamos levar mais 100 anos. Sinto que carecemos de mais expressão na política”, pontuou. “Um projeto nacional de desenvolvimento do Brasil exige a superação dessa nossa sub-representação na política, que ganha contorno mais importante na Era Bolsonaro, com o governante racista que faz declarações racistas. Temos de ser protagonistas”, ressaltou.

Orlando Silva lembrou as desigualdades econômicas verificadas nos recortes de raça e gênero. “Não é possível que há anos os estudos do IPEA mostrem a diferença da renda do trabalho entre homem branco e homem negro, e entre mulher branca e mulher negra. Entre homem branco e mulher negra é abissal, é de algumas vezes o salário. Isso exige uma intervenção”, defendeu. “A proposta do PCdoB em um projeto nacional de desenvolvimento é apresentar esta linha que atravessa todos os temas com a ótica de classe, gênero e raça”, acrescentou o deputado federal, recordando que o partido iniciou um processo de construção nesta questão nas discussões que marcaram os 500 anos do Brasil.

A presidenta nacional da UNEGRO, Ângela Guimarães, também destacou a importância do entrelaçamento de classe, gênero e raça em fóruns de discussões do partido, como o último congresso nacional. “É importante continuar fazendo o debate político de forma a disputar novas consciências, nos amalgamar ao povo, às massas, especialmente, àquelas que estão mais marginalizadas”, afirmou.

Angela Guimarães, presidenta da Unegro – reprodução internet

Ângela recordou que, historicamente, para parte da esquerda no Brasil, o racismo não tinha centralidade nas relações sociais e econômicas, com a crença de que ele apresentava no país forma mais branda do que nos EUA e na África do Sul. “Nós nomeamos como mito da democracia racial o que serviu de legitimação do projeto dos anos 1930 aos 1980, do salto desenvolvimentista no Brasil, que fez o país sair de nação agrícola para industrializada. Mas a nossa leitura é que esse processo se deu às custas da exclusão da maioria negra da população. Essa massa negra continua sendo excluída pelo estado e é hoje o principal alvo de uma agenda ultraliberal neofacista. É só pegar os dados da Covid, da fome e da exclusão no mundo do trabalho”, enumerou.

A presidenta nacional da UNEGRO destacou conquistas importantes nos anos dos governos Lula e Dilma para propiciar acesso a direitos a que a população negra não tinha tido oportunidades, como acesso à habitação com o programa Minha Casa, Minha Vida; à universidade e à emprego com carteira assinada. “Nós, da luta antirracista, defendemos uma agenda massiva de educação, trabalho, acesso a ciência e tecnologia, cultura e espaços de representação; ao tempo que defendemos essas políticas universais redistributivas, com políticas de reparação para população negra”, explicou. “Quando há um golpe midiático jurídico militar que afasta uma presidenta sem crime de responsabilidade e há desmonte dessas políticas, quando há precarização do mundo do trabalho, é a população negra que é a mais atingida”, apontou.

Ao mencionar os dados que mostram que 78% dos brasileiros assassinados no Brasil são jovens negros, Ângela frisou que o Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento precisa avançar em relação ao genocídio negro. “Nós temos obrigação enquanto comunistas, vanguarda da classe trabalhadora, de não termos uma visão pueril do capitalismo do Brasil. A nossa agenda deve avançar, com um antirracismo ativo, um antipatriarcado ativo. É inadmissível darmos curso, batalharmos, derrotarmos Bolsonaro para voltarmos ao antigo estágio de genocídio”, considerou.

Edilson Silva

Na opinião do ex-deputado estadual e presidente da UNEGRO em Recife, Edilson Silva, a pauta da construção de um governo popular não pode ser capturada por estratégias de curto prazo que não levem em conta a forma estrutural do racismo. “O governo Bolsonaro estabelece para nós, a população negra, a necessidade de termos um recorte particular sobre a opressão, discriminação, que nossa população vive. Existe a necessidade de conjugar esse recorte para o que consideramos ser um projeto político para esse país. E o PCdoB tem colocado um papel importante nesse recorte”, afirmou.

Bruna Brelaz durante audiência na Câmara (Foto: Billy Boss/Câmara dos Deputados)

Para a presidenta da UNE, Bruna Brelaz, as ações afirmativas devem desempenhar papel relevante nesta nova agenda. “Queria parabenizar a inciativa do PCdoB para aprumar a luta antirracista, por um projeto nacional de desenvolvimento. Acredito que haja bandeiras muito importantes nesse processo. Sou presidenta da UNE e não há como não falar sobre educação: as cotas foram vitoriosas para que uma geração da família fosse a primeira a entrar para a universidade. Na luta para pensar no país, as cotas, além de serem políticas públicas de reparação histórica, são política estratégica para repensarmos o Brasil que queremos, uma vez que a universidade é instrumento importante para, por meio do ensino, da pesquisa e da extensão, repensarmos o país”, defendeu. “O povo brasileiro não tem o que comer, não tem emprego, não tem acesso à educação. Essa retomada de projeto será feita pela mobilização do nosso povo e o ex-presidente Lula tem colocado que nós, negros e negras, precisamos estar juntos na mesa para alcançarmos esse projeto”, continuou.

Gerson Pinheiro

Ao fazer um relato sobre a política de reparação que vem sendo realizada no estado, o secretário de Promoção da Igualdade Racial do Maranhão, Gerson Pinheiro, ressaltou a importância na construção desta agenda de haver a clareza de que o modelo cívico e cultural brasileiro se subordina à economia: “Há a necessidade de nós, comunistas, deixarmos claro que tudo isso é a serviço de uma elite que explora. Nos acusam de identitarismo quando tentamos trabalhar essa luta, que tem que estar ligada à luta econômica, porque o negro é quem é perseguido, quem está morando nos piores locais e é quem passa fome”.

Eleger bancadas negras

Edson França e Olívia Santana durante o seminário

A mesa de debates que abriu o Seminário Luta Antirracista, Democracia e Desenvolvimento Nacional, no sábado (4), trouxe contribuições conceituais, tarefas concretas e trajetória de vida que se encontraram na necessidade de organização política da população negra para o combate ao racismo estrutural que dirige a sociedade brasileira O Painel “A luta antirracista frente ao desafio de derrotar Bolsonaro e eleger um governo democrático nucleado pelas forças populares”

A deputada estadual Olívia Santana (PCdoB-BA) e secretária de Combate ao Racismo do Partido, conduziu os debates entre a professora de Comunicação na UFRJ, Dani Balbi, a vereadora de Porto Alegre, Bruna Rodrigues, o historiador e dirigente da Unegro, Edson França, e demais participantes do encontro.

Olívia Santana aponta a necessidade do movimento de negros e negras dialogar com os setores evangélicos, assim como com as religiões de matriz africana. A violência que se volta contra os terreiros, é reflexo de um segmento que se conformou como uma grande força política conservadora, com a qual Bolsonaro dialoga e se alimenta.

Para ela, é preciso confrontar o bolsonarismo com o cristianismo e suas ideias mais elevadas de solidariedade e verdade. ”Como um governo que sustenta oligarquias, garante a concentração de renda, espalha miséria e fome, pode representar a concepção cristã de religião?”

Olívia observou durante o seminário, que as histórias de vida das populações negras são muito parecidas e precisam se encontrar nessas semelhanças de sofrimento e luta contra o racismo. Da mesma forma, ela diz que a tarefa de reeleição de parlamentares como Orlando Silva, deputado federal do PCdoB, não é apenas uma tarefa de São Paulo, mas nacional, pelo que traduz de presença negra no Parlamento.

Dani refletiu sobre as bases marxista da compreensão de como o racismo se expressa historicamente na estrutura do capitalismo. Edson apontou os desafios de compreender e combater a estratégia racista bolsonarista. Bruna, por sua vez, mostrou como uma mudança de sensibilidade na juventude negra tem contribuído para o avanço político de suas lutas.

Marxismo e racismo

A partir de uma leitura marxiana, Dani Balbi mostra que a análise da relação entre capitalismo e racismo está presente nos escritos e Marx, assim como a luta antirracista nunca foi negligenciada pelo movimento comunista, embora tenha havido dificuldades de protagonismo.

Marx mostra como a divisão do trabalho entre intelectual e braçal define as classes sociais e privilégios nas sociedades pré-capitalistas. Depois tem a disputa por territórios que justifica a ocupação por indivíduos etnicamente determinados, o que leva à escravização de indivíduos derrotados nessas disputas territoriais. 

Com o mercantilismo e o moderno imperialismo capitalista após as grandes navegações, surge a escravização de povos africanos para acumulação de valor para as potências imperialistas internacionais, forjando o surgimento do sistema bancário. Assim, Marx e Engels analisam que a escravidão e o racismo estão na base do surgimento do capitalismo como o conhecemos, hoje. 

Dani explica como a forma de escravização de seres humanos se torna parte estrutural da matriz econômica brasileira, até hoje, com suas peculiaridades e violências próprias. A casa grande e a senzala, assim como o latifúndio e a monocultura permanecem como elementos estruturantes da participação econômica do Brasil na cadeia produtiva internacional, assim como da formação do estado.

É assim que essa formação econômica racializada da sociedade brasileira é definidora dos privilégios, das classes políticas dominantes, da hiperexploração do trabalho com baixa remuneração e mecanismos de controle e violência sobre as classes dominadas. Dinâmica social que se perpetua após a abolição formal da escravidão, com o reagrupamento das elites em torno da proclamação da República e a inserção do Brasil no mercado internacional contemporâneo, de forma competitiva, com o racismo definindo o baixo custo da mão de obra.

Tarefas imediatas

Edson França citou Clovis Moura que desenvolve o raciocínio marxista sobre o racismo, como um engenhoso mecanismo para justificar o colonialismo e imperialismo, assim como a superexploração do trabalho de grupos racialmente discriminados. Com isso, Moura associa diretamente a luta antirracista ao enfrentamento ao capitalismo. “Não é possível pensar a luta contra o racismo na quadra atual, sem ter o presidente Bolsonaro e o bolsonarismo como um fenômeno político a ser enfrentado”.

Só é possível manter 388 anos de escravidão e a violência racial atual numa sociedade profundamente hierarquizada e desigual. Este é um legado das classes dominantes para o Brasil, que se reflete no bolsonarismo com seu louvor constante à morte de pobres e pretos. As declarações explícitas de Bolsonaro aplaudindo o assassínio de pobres nas favelas pela polícia demonstram que “a violência não é algo fortuito, uma exceção ou erro policial, mas um instrumento político de dominação pelo terror”.

“A aliança de Bolsonaro com a covid não foi negacionismo, mas convicção de que aquele era o melhor caminho que coadunava com sua política”, afirmou. Edson ainda apontou como nesses anos de pandemia, o governo armou seus apoiadores em milícias, ao liberar o porte de armas e defender o excludente de ilicitude. “Hoje vemos o ineditismo da Polícia Rodoviária Federal transformada em milícia para chacinas pelo Brasil”, mencionou citando o assassinato de Genivaldo de Jesus Santos, em Sergipe.

Este é o legado de Bolsonaro, na opinião de Edson, destampar o fascismo e o caos institucional. Ele lembrou quando da eleição de Bolsonaro, o presidente foi aos EUA e disse que se conseguisse destruir tudo, já estaria satisfeito. No entanto, a destruição visa as conquistas sociais do povo excluído, e não aquilo que o sistema tem de falho em democratizar direitos. “Nós fomos determinantes na definição de políticas públicas antirracistas, quando do Governo Lula e Dilma, e é isso que Bolsonaro tenta destruir sistematicamente”, afirmou ele, lembrando o trabalho pioneiro de Olívia Santana como Secretária de Educação, em Salvador. Benedito Cintra é outro comunista que ajudou a escrever cada letra do Estatuto da Igualdade Racial.

Ele considera importante ter claro que o bolsonarismo é essenciamente racista, diferente de muitos que não compreendem ou confundem conceitos. O dirigente defende as políticas afirmativas como mecanismo de universalização de direitos. “O pacto federativo não pode ser apenas de regramento, mas de distribuição de desenvolvimento por todo o país”, disse ele, sobre a necessidade de reduzir assimetrias regionais.

Ele citou um dado do IBGE de 2019, sobre a pirâmide de renda, em que, para cada R$ 1000 pagos para homens brancos, R$ 758 vão para mulheres brancas, R$ 561 para homens negros e R$ 444 para mulheres negras. Uma pirâmide que estrutura todas as relações raciais no Brasil. 

Ele também defendeu a importância de ocupar espaços políticos para combater o racismo, elegendo negros e negras. Para isso, é preciso convencer as pessoas de que a política não é ruim, mas o caminho para a solução onde se resolve o bem comum. 

Ele pontuou ações de Bolsonaro no boicote a políticas voltadas para populações quilombolas, assim como o escárnio que fez com a Fundação Palmares, ao colocar Sérgio Camargo, o filho do ícone da luta do movimento negro, Osvaldo de Camargo, para falar todos os impropério contra a população negra e de forma racista. 

Ele ainda denunciou a formação de milícias evangélicas no Rio de Janeiro para destruir e expulsar os terreiros de religiões de matriz africana, além de matar adeptos. Para ele, isso é um crime de lesa humanidade que precisa ser combatido. Ter a luta antirracista no orçamento da União, portanto, é uma medida fundamental de uma plataforma que pense condições materiais que hoje não estão disponíveis.

Explosão de consciência política

Bruna Rodrigues, vereadora de Porto Alegre, contou que um tema que norteou sua trajetória de vida sempre foi a análise das contradições entre raça, gênero e classe. Para ela, o Partido Comunista continua na frente no debate sobre o tema racial. O mandato coletivo que levou a maior quantidade de pessoas negras a uma Câmara Municipal do Brasil é um exemplo dessa vanguarda comunista.

Os marcos fundamentais de sua trajetória começam na sua formação na juventude comunista. Para ela, essa “explosão de beleza negra” que contagia a juventude, orgulhosa de sua condição, é parte desta luta. Essa “explosão” se expressa na presença negra na universidade, que começou tímida e recebida com estranheza quando Bruna foi contemplada pelas políticas afirmativas. Ela observa como isso tem se refletido em coletivização do sentimento negro na juventude.

O mesmo, segundo a vereadora, precisa se confirmar na disputa por espaços políticos e fazer a população negra e pobre sentir-se acolhida pela política. Ela apontou os desafios no Rio Grande do Sul, onde Manuela D’Ávila contribuiu para a construção da luta antirracista, mas não poderá disputar uma eleição dominada por violências de todo tipo. “Se está difícil para a Manuela, imagina para nós!”

Ela observou como a decisão de deixar de se confrontar como militantes negros, para se unir e confrontar a branquitude, foi importante para ocupar a Câmara Municipal “de galera”. “ O meu adversário político não é a pessoa de fé evangélica, mas aquele projeto, daquele pastor que disputa a eleição e também trabalha para esse cenário de caos do bolsonarismo”, diz ela, salientando que é preciso distinguir que a busca da fé das pessoas não pode ser vista como adversária.