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Liz Truss e o neoliberalismo progressista no Reino Unido

7 de setembro de 2022
Liz Truss

Nova primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss, anunciou que a diversidade será a marca de seu gabinete ministerial e que sua agenda econômica será baseada no corte de impostos e de gastos. Em teoria política, o nome desse projeto é neoliberalismo progressista.

Nova primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss, anunciou que a diversidade será a marca de seu gabinete ministerial e que sua agenda econômica será baseada no corte de impostos e de gastos. Em teoria política, o nome desse projeto é neoliberalismo progressista.

Na última terça-feira (06/09), a deputada do Partido Conservador Liz Truss foi empossada como a mais nova primeira-ministra do Reino Unido. Truss substituiu Boris Johnson, também do Partido Conservador, após uma série de denúncias sobre a atuação do então primeiro-ministro durante a pandemia de Covid-19.

Em seu discurso de posse, a nova líder britânica anunciou que a diversidade será a marca de seu gabinete ministerial, com mulheres e negros nos principais cargos do governo, e que sua agenda econômica será baseada no corte de impostos e de gastos.

A vice-primeira-ministra será Therese Coffey, que também acumulará a pasta da saúde. É a primeira vez na história que o país tem uma vice-primeira-ministra mulher. Outro marco simbólico é a indicação de Kwasi Kwarteng como secretário das Relações Exteriores. Trata-se do primeiro chanceler negro do Reino Unido. No Ministério das Finanças, posto de altíssima importância em qualquer lugar do mundo, assume James Cleverley, também negro. Já o Ministério do Interior será comandado por Suella Braverman, uma mulher de minoria étnica.

Já na economia, a agenda de Truss é radicalmente neoliberal. “Reduzir a carga tributária, e não distribuir esmolas”, é o que diz a nova primeira-ministra quando perguntada sobre qual será o programa de seu governo.

Na teoria política contemporânea surgiu nos últimos anos um termo bem preciso para definir governos que aliam, por um lado, a economia política do neoliberalismo e, de outro, políticas culturais identitárias, ou seja, políticas de valorização de determinadas identidades sem conexão com as questões classistas ou distributivas: trata-se do “neoliberalismo progressista”. De certo modo, o termo neoliberalismo progressista formulado pela cientista política americana Nancy Fraser é um sinônimo para aquilo que, na década de 1990, o sociólogo britânico Anthony Giddens conceituou como a “terceira via”. A diferença é que Fraser descreve pela chave negativa aquilo que Giddens anunciava em uma chave positiva.

Para entender esse movimento é preciso olharmos para a história. Entre o fim da Segunda Guerra Mundial e a crise do petróleo de 1973, a social-democracia foi vitoriosa com sua economia política do Estado de bem-estar social, hegemônica no mundo capitalista ocidental. Eric Hobsbawm, maior historiador marxista de nosso tempo, definiu esse período como as três décadas de ouro do capitalismo.

A crise do petróleo, contudo, reduziu a capacidade de financiamento do Estado de bem-estar social. Assim, a partir da década de 1970 o neoliberalismo emerge com força esmagadora. Primeiro, com a ditadura militar de Pinochet no Chile. Em seguida, na década de 1980, com os governos de Ronald Reagan nos Estados Unidos e de Margareth Thatcher no Reino Unido.

Num processo dialético, se o Estado de bem-estar social foi a tese e o neoliberalismo foi a sua antítese, a terceira via ou neoliberalismo progressista da década de 1990 foi a síntese. Na prática, a terceira via ou o neoliberalismo progressista são expressões utilizadas para categorizar governos como os de Bill Clinton nos Estados Unidos, Tony Blair na Inglaterra, Schroder na Alemanha e Fernando Henrique Cardoso no Brasil, entre outros. Todos esses governos aplicaram o receituário neoliberal na economia ao mesmo tempo em que buscavam narrativas de valorização de minorias como os negros ou as mulheres. Toni Morrison, insuspeita escritora defensora do movimento negro nos Estados Unidos, considerava Clinton o presidente mais negro da história do país. No Brasil, FHC nomeou Ellen Gracie, a primeira mulher ministra do Supremo Tribunal Federal. Ou seja, a socialdemocracia assumiu o neoliberalismo como seu programa.

O que há de novo no neoliberalismo progressista de Liz Truss é o fato de ser adotado por uma representante do Partido Conservador. Ou seja, se o neoliberalismo se tornou hegemônico ao ser incorporado como programa da socialdemocracia na década de 1990, agora parece ser a vez da luta por reconhecimento também disputar essa hegemonia ao assumir protagonismo até mesmo na agenda do Partido Conservador. Claro, ainda que esse “progressismo” dos conservadores tenha um teor menos agudo que o socialdemocrata.

O que se percebe nessa reorganização programática na política britânica é a falta de espaço para um projeto político emancipador que faça a crítica do neoliberalismo, que articule a política de reconhecimento – identidades – com a política de redistribuição – classe – e que obtenha sucesso eleitoral. Mas esse dia há de chegar.

Theófilo Rodrigues é cientista político e editor do portal da Fundação Mauricio Grabois.