Enfrentar o neofascismo e o desmonte da educação
Coordenador-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino discute o futuro governo Lula
Neste cenário de frente ampla, precisaremos de habilidade e amplitude política, mas também de firmeza e determinação. O diálogo com as forças de mercado que apoiaram a eleição do presidente Lula deve ser construído por princípios e posições claras e inegociáveis
Por Gilson Reis, publicado originalmente em Carta Capital
A vitória política e eleitoral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do povo brasileiro
no dia 30 de outubro de 2022 tem dimensões históricas, tanto em âmbito nacional
quanto internacional. A eleição de Lula repercutiu em todo o mundo de forma profunda,
ao mesmo tempo que a derrota do neofascismo num país da importância estratégica do
Brasil, dentro de um conturbado xadrez geopolítico, foi comemorada como um feito
ímpar e extraordinário.
Uma vitória dessa dimensão foi possível devido à força, à determinação e à amplitude
das correntes políticas e dos movimentos populares constituídos no País ao longo das
últimas décadas. Passadas as eleições, agora é hora de definir o rumo do novo governo
e, de forma criteriosa e ousada, a participação de cada um segmento político e social na
reconstrução do país. O desafio será enorme e o grande objetivo será a consolidação e o
aprimoramento da democracia nacional, bem como a ampliação dos direitos sociais e
trabalhistas. De imediato, urge enfrentar a fome e a miséria de milhões de brasileiros e
brasileiras.
Sabemos que o programa e a ação institucional do governo Bolsonaro têm como intuito
a destruição e a desmoralização de todo o arcabouço jurídico, político e social criado no
País a partir da constituição de 1988. O atual governo, ultraliberal e neofascista,
desmontou e destruiu grande parte das estruturas estatais e públicas construídas pelo
País ao longo do século XX. Centenas de portarias, decretos, leis ordinárias e emendas
constitucionais foram propostas, efetivadas e aprovadas neste curto e trágico período.
Contudo, é na educação que reside o mais intenso ataque promovido pelo governo
Bolsonaro e seus apoiadores. A destruição e o desmonte da educação vieram acoplados
a uma ação política e ideológica sistêmica, profunda e permanente. A extrema direita
nacional e internacional elegeu a educação como centro nevrálgico de seus ataques, a
fim de dominar e controlar estrategicamente o ensino e a escola. Tudo fizeram para
consolidar seus objetivos estratégicos, políticos e ideológicos, e para destruir a educação
em todas as suas dimensões: pedagógica, democrática, cultural, inclusiva, pública e de
qualidade. Essa é a busca frenética da extrema direita global e local.
No Brasil e no mundo, a guerra cultural — ou, como diz a extrema direita, “o marxismo
cultural” — teria sido, para esse grupo, a responsável pela falência da educação, que
supostamente, nos argumentos deles, transformou a escola num “antro de pervertidos
comunistas”. A verdade, porém, é que a meta estratégica da extrema direita, apoiada
pelo mercado, é destruir todos os pilares construídos pela educação desde a Revolução
Francesa até o presente momento: o iluminismo, o racionalismo e o humanismo.
Para consolidar tal projeto, as forças neofascistas e o mercado educacional no Brasil se
aliaram e lançaram um conjunto de ações e programas governamentais: apoio ao/do
movimento Escola Sem Partido; combate a uma suposta (e inexistente) ideologia de
gênero; implantação de escolas cívico-militares; home schooling; reforma do ensino
médio; BNCC (nova Base Nacional Comum Curricular); autorregulamentação da
educação privada; redução drástica do orçamento público; privatização das
universidades públicas federais; aparelhamento da educação infantil por meio de
convênios; gestão financeira e pedagógica privada das escolas públicas etc.
Diante do tsunami que nos atingiu neste último período sob o olhar complacente e apoio
firme de fundações privadas, ONGs educacionais e instituições privadas de ensino,
precisamos debater, com muito mais profundidade, os desafios da educação brasileira. É
preciso mostrar ao governo eleito que não podemos errar no enfrentamento às reais
possibilidades de consolidação dessa tragédia educacional. Em última instância, é
urgente mostrar que a consolidação do projeto educacional posto em curso pelo atual
governo (e por seu antecessor ilegítimo) é a consolidação do neofascismo e da extrema
direita no País.
O caminho do campo democrático e popular está em posição antagônica ao caminho
neofascista e conservador de Bolsonaro e sua trupe. E não nos esqueçamos de que, no
espectro dele, está parte do mercado privado de educação, das fundações privadas, das
ONGs e das empresas de educação privada que, de forma oportunista, se juntaram à
extrema direita para proteger e fazer avançar seus interesses mercadológicos e
financeiros.
Neste cenário de frente ampla, precisaremos de habilidade e amplitude política, sim,
mas também de firmeza e determinação. O diálogo com as forças de mercado que
apoiaram a eleição do presidente Lula deve ser construído por princípios e posições
claras e inegociáveis. Amplitude e radicalidade. Reconstrução e avanços.
Nesse sentido, a reconstrução da educação brasileira passará por um conjunto de ações
estruturantes e estruturadas: consolidação de todas as metas e estratégias do PNE (Plano
Nacional de Educação); aprovação e aplicação do Sistema Nacional de Educação;
ampliação do investimento da educação pública nas três esferas governamentais;
revogação da reforma do ensino médio e da BNCC, reconstruindo-as sobre novas bases;
retomada do papel das universidades federais, dos institutos federais e das áreas de
pesquisa do setor público; fechamento das escolas cívico-militares; investimento maciço
na educação infantil de tempo integral; enfrentamento às questões políticas e
ideológicas da extrema direita e dos conservadores no ambiente escolar (Escola Sem
partido e ideologia de gênero); valorização dos trabalhadores em educação;
investimento na formação plena de milhares de professores e professoras; investimento
maciço nas áreas de tecnologias digitais etc.
Portanto, reconstruir a educação brasileira dependerá de um investimento político e
econômico incomensurável. Reconstruir a educação dependerá de enfrentamentos
políticos e ideológicos contra o fascismo, o mercado e o conservadorismo presente na
escola. Reconstruir a educação passará pela regulamentação da educação privada e das
relações do trabalho docente. Reconstruir a educação é colocar em prática o PNE.
Reconstruir a educação é proporcionar a milhões de estudantes, humilhados durante a
pandemia pelo governo Bolsonaro, o pleno direito a uma educação de qualidade.
Reconstruir a educação é declarar guerra ao neofascismo e à extrema direita que busca
controlar a educação para executar o seu projeto definitivo: a barbárie.
Gilson Reis é coordenador-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino — Contee