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Acesso a medicamentos: tarefa do presente e desafios do Brasil do futuro

19 de janeiro de 2023

Novo governo tem que encarar esse dever como primordial para um país mais justo.

Novo governo tem que encarar esse dever como primordial para um país mais justo. Cooperação regional, investimento na indústria nacional, incorporação de tecnologias e outras ações são o caminho para fazê-lo. Publicado originalmente em Outras Palavras em 18.01.23.

Por Jorge Bermudez, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública, ENSP/Fiocruz.

É sentimento unânime que, com a posse do novo Governo e com as nomeações para a composição dos ministérios, voltemos a conjugar o verbo “esperançar”; a defesa da vida, a inclusão das populações negligenciadas e vulneráveis. Esta esperança se traduz em nítida contraposição com a necropolítica, o desprezo pelas populações marginalizadas e a insensibilidade com o crescimento da pobreza, da miséria, do desemprego e da precarização do trabalho que as propostas conservadoras e ultraliberais do governo que findou foram implementadas sem nenhum pudor.

A Saúde, a Educação, a Cultura, o Emprego e a Nutrição voltam a ser prioridade do governo Lula e dos ministros por ele designados para reconstruir o Brasil. O Brasil está de volta ao mundo; voltará a ser respeitado, apoiado, visto como modelo para outros países em desenvolvimento. Vamos recuperar as propostas de Saúde como direito, de acesso universal, de soberania nacional e de liderança em diferentes blocos econômicos, na nossa região e no mundo. A cooperação Sul/Sul será fortalecida e esperamos a integração de ações de diversos ministérios, entre os quais podemos destacar Saúde; Educação; Cultura; Igualdade Racial; Ciência, Tecnologia & Inovação; Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Voltaremos a ter políticas sociais lado-a-lado com políticas econômicas e parcerias público-privadas que efetivamente alavanquem nosso desenvolvimento nacional e regional. É o Brasil que sonhamos e pelo qual lutamos; é o Brasil do Futuro!

O acesso a medicamentos e tecnologias de saúde é um elemento chave para resultados nas políticas de acesso a serviços e sistemas de saúde. Esse tema vem sendo discutido nos mais diversos fóruns globais, com especial ênfase na Organização Mundial da Saúde, na Organização Mundial do Comércio e nas Nações Unidas. Entretanto, é necessário alertar para o fato de que a inovação em si não é sinônimo de acesso. Sabemos, por diversos trabalhos, passados e recentes, que o conceito de acesso não se restringe à existência de serviços, mas à sua utilização. Lançamentos de produtos a preços abusivos e estratosféricos não implicam na utilização por nossas populações desses produtos ou serviços. Terapia gênica, terapias celulares, a Medicina Individualizada, já se incorporaram no setor privado pelo mundo afora e se aproximam do setor público. Demandas judiciais, sob a cumplicidade de empresas farmacêuticas que detêm monopólios e de firmas de advocacia especializada, longe de beneficiar grupos e populações, podem inviabilizar os serviços públicos. É necessário que tenhamos clara a diferença entre custo, valor e preço e que possamos fazer frente e tentar equilibrar a oferta e demanda de medicamentos e tecnologias, sem quebrar o sistema pelos preços abusivos gerados na volúpia de detentores de patentes e de monopólio. Esse desafio certamente estará presente na recomposição da assistência farmacêutica e a saudosa política do acesso via Farmácia Popular que já foi anunciada nas discussões durante a transição de governo.

Exemplos negativos temos aos milhares e a pandemia de covid-19 aprofundou ainda mais o abismo existente entre as propostas de Solidariedade, que foram formuladas em especial ao interior da OMS, e o verdadeiro “apartheid” que o mundo vivenciou e ainda vivencia no acesso a vacinas entre os países do Norte Global e do Sul Global. A expectativa de vacinas como bem público global, acessível ao mundo inteiro, foi atropelada pelas negociações bilaterais, investimentos e compras dos países centrais, em detrimento do acesso aos mesmos produtos em países periféricos. É inaceitável e incompreensível que os AAD (Antivirais de Ação Direta) contra a Hepatite C tenham sido lançados em 2014 ao preço de 84.000 dólares pelo curso de tratamento (84 dias) e hoje possam estar fornecidos pelo Fundo Estratégico da OPAS/OMS ao preço de 60 dólares pelo curso de tratamento, portanto mais de 1.000 vezes a redução em pouco menos de dez anos anos transcorridos!

Temos a obrigação de encarar o acesso a medicamentos como tarefa do presente preparando o Brasil do futuro. Podemos pensar em inserir na nossa Carta Magna o acesso a medicamentos como necessário para o direito à Saúde, por intermédio de instrumentos legislativos, mas temos que ter a certeza da implementação de políticas públicas e ações intersetoriais que assegurem esse direito. Cooperação regional; potencialização das nossas capacidades produtivas nos setores farmoquímico, farmacêutico e biotecnológico; parcerias público-privadas e o fortalecimento da nossa capacidade de resposta pública; incorporação de tecnologias; pesquisa e desenvolvimento são partes dessa resposta necessária. Ações estruturantes para fortalecer nossa capacidade de resposta na atenção básica e o efetivo fortalecimento do Complexo Econômico e Industrial da Saúde são pilares básicos para a reconstrução de um Sistema Único de Saúde que efetivamente possa responder adequadamente à demanda de um país com as dimensões continentais do Brasil.

Os relatórios do Gabinete de Transição Governamental nos apontam as metas e diretrizes claras para a reconstrução do Brasil do Futuro. Ações coordenadas dos ministérios da Saúde; da Ciência, Tecnologia e Inovação; e do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, apontando e caminhando numa mesma direção, certamente terão a capacidade de resgatar uma sociedade digna e respeitada. Afinal de contas, nosso sistema de propriedade intelectual e a política de propriedade industrial precisam estar alinhadas com as demandas da saúde e não apenas a serviço dos interesses comerciais da indústria. Já o mandato e o relatório do Painel de Alto Nível do Secretário-geral das Nações Unidas em 2016 nos alertava para as incoerências entre a Saúde Pública, os tratados e leis de direitos humanos e as regras do comércio, no contexto das tecnologias de saúde.

O Brasil voltou ao mundo, voltará a ser um exemplo e orgulho para nossa sociedade e nosso povo! Temos a certeza de que o acesso a medicamentos e tecnologias estará no centro da agenda de Saúde, a ser conjugada com o verbo “esperançar”!

CONVITE

Uma atividade autogestionada durante o Fórum Social Mundial, vai discutir o Acesso a medicamentos: tarefas do presente e desafios do Brasil do futuro.

O evento, na próxima terça-feira, (24/01) às 14h, acontece na Câmara Municipal de Porto Alegre – sala 01 – 2º andar e terá transmissão ao vivo pelo Youtube da Fenafar

A atividade é promovida pela Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar) pelo Instituto Escola Nacional dos Farmacêuticos (Enfar) e projeto Integra

Com mediação da presidenta do Sindicato dos Farmacêuticos do Rio Grande do Sul (Sindifars), e vice-presidenta da Fenafar, Debora Melecchi, o debate vai contar com a presença dos seguinte convidados(as):
Deputada Alice Portugal – Coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa da Assistência Farmacêutica;
Fábio Basílio – Presidente da Federação Nacional dos Farmacêuticos – (Fenafar) e do Sindicato dos Farmacêuticos de Goiás (Sinfargo);
Silvana Nair Leite – Coordenadora do Instituto Escola nacional dos Farmacêuticos – Enfar;
Jorge Bermudez – pesquisador Escola Nacional de Saúde Pública, ENSP/Fiocruz;
Marco Aurélio Pereira – Diretor do Departamento de Assistência Farmacêutica do Ministério da Saúde;
Valdeci Oliveira – Deputado Estadual do Rio Grande do Sul.

O Fórum Social Mundial, ocorre em Porto Alegre, entre os dias 23 e 28 de janeiro de 2023, com uma variada programação em diversos espaços públicos da Capital gaúcha. Os eventos do FSM são espaços privilegiados para debates e para a articulação de bandeiras comuns e de lutas conjuntas dos movimentos sociais. Confira no site: Fórum Social Mundial Porto Alegre