Universidade: publicar ou perecer. Artigo de Manuel Castells
“É claro que as universidades também devem ser campos de pesquisa, mas articulada com o ensino. No entanto, tudo impele a publicar, pois a alternativa é perecer, como reza o famoso ditado”, escreve Manuel Castells.
“É claro que as universidades também devem ser campos de pesquisa, mas articulada com o ensino. No entanto, tudo impele a publicar, pois a alternativa é perecer, como reza o famoso ditado”, escreve Manuel Castells, sociólogo espanhol, em artigo publicado por La Vanguardia, 06-05-2023. A tradução é do Cepat. Publicado em IHU Online.
Por Manuel Castells
A revelação da compra de universitários espanhóis para sua afiliação fictícia na Universidade Rei Abdulaziz, da Arábia Saudita, evidencia a deriva perversa do sistema internacional de avaliação de acadêmicos e universidades.
O que prevalece é a pesquisa, atestada pela publicação de artigos em revistas acadêmicas. Ou seja, nós, professores universitários, somos pagos por ensinar e promovidos por publicar. Não surpreende, então, que a prioridade de muitos professores seja dedicar esforços a essa tarefa. Quando é óbvio que as universidades só existem porque há estudantes. Em primeiro lugar, temos que atendê-los.
É claro que as universidades também devem ser campos de pesquisa, mas articulada com o ensino. No entanto, tudo impele a publicar, pois a alternativa é perecer, como reza o famoso ditado. Em teoria, as avaliações também incluem critérios de quantidade de ensino (não tanto de qualidade) e de serviço à comunidade. Contudo, como quase todos nós cumprimos mais ou menos isso, o que diferencia e garante uma boa carreira é a pesquisa publicada em revistas reconhecidas. E o número de artigos conta cada vez mais.
Aí começa a louca corrida pela produtividade, medida pela quantidade de artigos por ano, mês e semana. Como é possível que se possa publicar um artigo científico a cada três dias? Ou mesmo a cada mês, se me pressionam? Talvez porque se repita a mesma coisa. Ou porque são feitos por ajudantes citados obliquamente. Ou porque é publicado em uma revista da qual se é editor. Ou porque são encontradas maneiras de contornar a avaliação cega. Hoje, por você e amanhã por mim. Assim, por mais profissionais que sejam as agências de avaliação (a AQU e a Aneca são), a endogamia corporativa dificulta o seu trabalho.
O pior deste sistema provém dos rankings internacionais de universitários e universidades, com consequências importantes para a atração de alunos e professores e para o seu financiamento público e privado. Por exemplo, o caso do ranking de Xangai, agora o mais influente. É feito pela Shanghai Ranking Consultancy, uma empresa privada com fins lucrativos. O método consiste em construir e analisar grandes bancos de dados, a partir de dados gerados pelas universidades e pelos próprios pesquisadores. Esses dados são agregados e ordenados por meio da inteligência artificial, segundo critérios diversos.
As universidades estudam cada vez com maior frequência esses critérios e adaptam suas estratégias e programas para melhorar seus índices nesses rankings controlados por empresas privadas. Isto enviesa os fins sociais e científicos de cada universidade para aumentar sua competitividade internacional. Por isso, não surpreende que um professor espanhol desmesuradamente produtivo monte uma empresa para capturar outros fenômenos da hiperpublicação, a cargo de uma universidade de pouca monta à qual aderem, à distância, por um punhado de dólares.
O mercenarismo irá substituir o mecenato se nós, os universitários, não reagirmos a tempo.
Manuel Castells, sociólogo marxista, é ministro de Universidades do governo da Espanha desde 2020.