Por Osvaldo Bertolino

Produzir mais mercadorias do que empregos tem sido a regra básica das inovações tecnológicas adotadas num ciclo industrial que abrange três fases fundamentais: a criação das máquinas a vapor, que foram substituídas por outras movidas a eletricidade e a óleo diesel e que agora estão dando lugar à utilização de computadores e softwares. Os ganhos de produtividade e o poder destrutivo de postos de trabalho em cada fase do desenvolvimento tecnológico no capitalismo acirram a contradição entre trabalho e capital e elevam a temperatura das relações de produção.

O historiador Selônio conta que quando o imperador Vespasiano ordenou a reconstrução do Capitólio em Roma, no século I, um artesão propôs a ele a utilização de máquinas que levariam de forma rápida e barata as colunas de pedra até o alto da colina. O imperador teria recusado a oferta, respondendo: “Que me seja permitido dar de comer aos mais pobres.”

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Mais de mil e novecentos anos depois, o mundo parece estar ainda dividido entre os que raciocinam como o artesão romano e os que pensam como Vespasino. Essa constatação ganha conteúdo mais dramático diante da atual revolução tecnológica, vista por alguns especialistas como muito mais complexas do que as anteriores.

Entre 1950 e 1970, diz o historiador Eric Hobsbawm, o mundo viveu seus anos de ouro: o desemprego manteve-se em níveis relativamente baixos, a expectativa de vida aumentou no mundo todo, a produção de alimentos e bens manufaturados quadruplicou. Foi também o período em que os trabalhadores obtiveram suas maiores conquistas no mundo capitalista – em grande parte, embaladas pelos ventos que sopravam de Moscou –, inimagináveis pelo proletariado europeu descrito por Karl Marx e Friedrich Engels no século XIX.

Na década de 1970, a macroeconomia do capitalismo entrou em mais uma fase de decadência, afetando duramente o mundo do trabalho, com rebaixamentos salariais e cortes de conquistas, um cenário agravado pela chamada revolução do silício e o projeto neoliberal. Ao analisar essas transformações, nos anos 1990, a revista norte-americana Forbes lançou a advertência de que “as revoluções nunca são limpas e ordenadas – sempre envolvem derramamento de sangue”.

De fato, não se pode prever os desdobramentos das novas bases sociais criadas pelo desenvolvimento da maquinaria. Mas é possível prognosticar, com base nas transformações tecnológicas e nas contradições do capital, o início de uma nova era de conflitos sociais. Enquanto alguns trabalhadores foram transferidos, pelo fluxo de inovações, para ambientes que há alguns anos lembrariam os laboratórios da Nasa, muitos foram para a fila do desemprego. Surgiu, assim, uma nova realidade para os trabalhadores.

Combinada com as alterações na maquinaria, o capitalismo tem implantado novas técnicas de gerenciamento para aprimorar a produtividade do trabalho e lançado desafios cada vez mais complexos às organizações sindicais. A busca de uma compreensão mais extensa desse novo cenário implica na revista às ideias clássicas do marxismo-leninismo, adaptadas à atualidade, além do pensamento que estruturou as relações de trabalho no mundo capitalismo, sobretudo a produção do engenheiro norte-americano Frederick Taylor, base para as práticas de Henry Ford, o fordismo.

Há uma opinião segundo a qual a velha técnica de administração inventada por Taylor foi superada pelos sistemas que aproveitam as iniciativas coletivas dos trabalhadores – sobretudo o modelo japonês, popularizado mundialmente com o nome de toyotismo. É fato que o Japão do pós-Segunda Guerra Mundial passou a ocupar o primeiro lugar em termos de produtividade do trabalho. Com algumas variações, outros países desenvolveram técnicas parecidas ou simplesmente importaram o modelo japonês.

Lênin e o taylorismo

Ao adotar técnicas científicas de organização, o capitalismo descobriu que o trabalho organizado com regras pré-estabelecidas, segundo as quais cada trabalhador sabe da sua tarefa dia após dia, é muito mais produtivo do que quando ele era desenvolvido por atividades múltiplas num galpão onde imperava a desordem administrativa. Desde a fase manufatureira do capitalismo, ainda nos primórdios da Primeira Revolução Industrial, a divisão do trabalho é utilizada como elemento-chave para a elevação da produtividade do trabalho. Mas o culto à eficiência só chegou mesmo com o lançamento do trabalho de Taylor Princípios da administração científica, publicado em 1895.

Usando um cronômetro, Taylor dividiu a tarefa de cada trabalhador nos menores componentes operacionais e mediu cada um deles para apurar o desempenho dos trabalhadores em frações de segundos. De posse desses dados, ele mostrou como era possível melhorar o desempenho do trabalhador. O estudo organizado do trabalho permitiu a Taylor fazer indicações para que fossem economizados segundos – e até milésimo de segundos – preciosos. O trabalhador e a máquina passaram a ser medidos e valorizados de acordo com suas eficiências relativas.

No começo deste século, a cruzada da eficiência tomou conta dos Estados Unidos, onde o trabalho de Taylor foi inicialmente lançado. Quando um grupo poderoso de estradas de ferro solicitou, em 1910, licença do governo americano para aumentar os preços das passagens, o pedido foi negado com a seguinte resposta: “Vocês podem economizar mais do que vão ganhar com o aumento solicitado se usarem os métodos de um gênio da Filadélfia chamado Frederick Taylor.”

Em termos de melhoria da produtividade do trabalho, as ideias-mestras do taylorismo são consideradas ainda hoje as mais bem sucedidas entre todas as que apareceram. Seus princípios extrapolam o mundo das empresas e penetram em todos os aspectos da vida. O taylorismo tornou-se a referência padrão para a organização do trabalho e logo foi adotado para organizar toda a sociedade.

Num artigo publicado no Lasies Home Journal, a jornalista Cristine Frederick disse que estava na hora de “as donas de casa tornarem os afazeres domésticos mais eficientes e produtivos”. A autora revelava às leitoras que havia inconscientemente desperdiçado tempo precioso com o uso contínuo de abordagens ineficientes às tarefas do lar. “Durantes anos jamais percebi que fazia oitenta movimentos errados só na lavagem, sem contar outros durante a arrumação, a esfregação e guardando coisas”. E perguntou às leitoras: “Não é verdade que desperdiçamos tempo andando em cozinhas mal organizadas?”

Em 1912, o jornal Harpe’s Magazine disse: “Grandes fatos estão acontecendo no desenvolvimento deste país. Com a expansão do movimento em direção a uma maior eficiência, começou a era nova e altamente aperfeiçoada na vida nacional.”

Até na ex-União Soviética as ideias de Taylor foram estudadas e adotadas. Ao abordar a questão da produtividade do trabalho no artigo intitulado As tarefas imediatas do poder soviético, escrito em abril de 1918, Lênin diz: “A última palavra do capitalismo nesse aspecto, o sistema Taylor – tal como todos os progressos do capitalismo –, reúne em si toda a refinada crueldade da exploração burguesa e uma série de riquíssimas conquistas científicas no campo da análise dos movimentos mecânicos do trabalho, a superação dos movimentos supérfluos e inábeis, a elaboração dos métodos de trabalho mais corretos, a introdução dos melhores sistemas de controle etc.”

No mesmo artigo, Lênin reafirma que “tem de se criar na Rússia o estudo e o ensino de Taylor, a sua experiência e adaptação sistemáticas”. Em pelo menos mais dois artigos ele voltou ao assunto.

A terra e o trabalhador

Os japoneses esmiuçaram os escritos de Taylor para iniciar a fase de reconstrução do país depois da Segunda Guerra Mundial. Clemente Nóbrega, autor do livro Em busca do emprego quântico, diz: “Da qualidade total à reengenharia de processo. Da empresa voltada para o cliente aos times multifuncionais. Tudo isso se originou como reação à devastação perpetrada pelos produtos japoneses nos mercados ocidentais a partir da segunda metade da década de 1970. Mas o sucesso japonês tinha muito mais a ver com Taylor do que com ‘cliente em primeiro lugar’. No seu primeiro momento foi algo muitíssimo mais vinculado a sistemas otimizados de produção (alta qualidade com baixo custo) do que qualquer outra coisa. Taylor puro. Pessoas em primeiro lugar? Não. Pessoas comprando o meu produto em primeiro lugar.”

Nóbrega parte para a polêmica sem meias palavras quando afirma que que “gestão participativa funciona por espasmos: às vezes dá certo por períodos”. “Vá à sua estante e pegue o livro Vencendo a crise, de Tom Peters e Robert Watermam (um best-seller dos anos 1980 que vendeu mais de 5 milhões de exemplares). Examine a famosa lista das empresas consideradas excelentes em 1980. Parece que nem todas continuam excelentes assim. Muitas passaram por torturantes infernos astrais mercadológicos, e as que conseguiram sair o fizeram graças a um receituário clássico: a busca da eficiência no sentido mais puramente taylorista. Ou será que alguém imagina que as centenas de milhares de demissões nas ‘excelentes’ aconteceram por decisão de algum mecanismo de gestão participativa?”

O planejamento estratégico, segundo Nóbrega, é essencialmente taylorista e voltou à moda em substituições às “qualidades totais” e às “reengenharias”. “Gostamos de ideias participativas, elas são modernas e democráticas, mas na prática continuamos com Taylor. A inteligência continua separada da execução. Essa inteligência não está no ‘chão da fábrica’, apesar de poder passar por lá. Seu exercício continua sendo basicamente um processo elitista de responsabilidade de poucos, e esses poucos geralmente transitam por ambientes bem mais acarpetados que o chão da fábrica”, diz ele.

A ideia de que a inteligência está sempre separada da execução ocupa lugar central nos princípios de Taylor. O trabalhador não precisa pensar, diz ele. Não precisa ser uma pessoa inteligente, só obedecer. Pensar é para o “gerente científico”. E garantia que a colaboração (antítese do antagonismo de classes) surgiria naturalmente se seus “princípios” fossem aplicados. Com o capital e o trabalho de mãos dadas (um pensando e outro executando) seria possível construir o melhor dos mundos.

A ideia de colaboradores no lugar de trabalhadores é meramente formal. Faz parte da contestação ideológica de que entre o mundo do trabalho e o mundo do capital existe uma fronteira instransponível. Os “princípios” tayloristas caracterizaram-se como uma forma avançada de controle do capital sobre os processos de trabalho para elevar a produtividade.

Esse sistema é naturalmente despótico e contribui para aumentar a exploração assalariada e distanciar, em termos políticos e econômicos, os pensadores dos executores. Em sua clássica análise das relações de produção em O Capital, Karl Marx diz: “A produção capitalista só desenvolve a técnica e a combinação do processo de produção social esgotando ao mesmo tempo as duas fontes de onde brota toda a riqueza: a terra e o trabalhador.     

Adaptado de artigo para a revista Debate Sindical de junho de 1998.