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Trabalho do agricultor familiar sofre transformações impulsionadas pelo agronegócio

17 de dezembro de 2023

Vânia Marques, da Contag, mostra como o favorecimento ao agronegócio de exportação afeta o trabalho na agricultura familiar, desorientando seu sentido de inclusão social e de segurança alimentar.

Na manhã do sábado, 16 de dezembro, Vânia Marques, diretora da Contag, trouxe importantes reflexões e contribuições durante a abertura da reunião ampliada do GT Mundo do Trabalho. Agricultora familiar, oriunda de uma família de assentados na Chapada Diamantina, na Bahia, Vânia destacou a complexidade da realidade agrícola brasileira, abordando temas que vão desde os processos de modernização até os desafios enfrentados pela agricultura familiar no contexto contemporâneo.

Vânia Marques iniciou sua fala destacando uma frase de José de Souza Martins que ressoa na sua compreensão da realidade agrária brasileira: “Quando o trabalho era escravo, a terra era livre. Quando o trabalho passou a ser livre, a terra passou a ser escrava.” Essa reflexão, segundo a diretora da Contag, ilustra a intricada teia de relações no campo, onde a herança histórica se manifesta nas atuais condições de trabalho.

A agricultora destacou dois momentos-chave na modernização do meio agrário: a Revolução Agrícola, impulsionada pela Revolução Industrial, e a posterior Revolução Verde, que teve um impacto significativo a partir da metade do século XX. No entanto, Vânia apontou as consequências negativas da Revolução Verde, como o uso exacerbado de maquinários, transgênicos e agrotóxicos, impactando não apenas na saúde dos consumidores, mas principalmente dos trabalhadores rurais envolvidos na aplicação desses produtos.

“A Revolução Verde, a partir da metade do século XX, ampliou a produção, introduzindo tecnologias duradouras, como os transgênicos, mas também trouxe desafios como o uso excessivo de agrotóxicos. (…) O uso exacerbado de maquinários, monocultivo e agrotóxicos na produção, especialmente de grãos, impacta não apenas na saúde do consumidor, mas principalmente dos trabalhadores rurais. (…) A mudança genética da soja, por exemplo, visa a utilização de glifosato, aumentando a produção de veneno e colocando em risco a saúde dos trabalhadores.”

Leia a cobertura da reunião ampliada do GT Mundo do Trabalho:

As contradições reveladas pelas transformações no trabalho industrial
Capitalismo de plataformas encontra terreno fértil no excedente de mão de obra do Brasil
Trabalho do agricultor familiar sofre transformações impulsionadas pelo agronegócio
GT Mundo do Trabalho debate transformações na organização da classe trabalhadora

Ao abordar a atual dinâmica do campo brasileiro, Vânia ressaltou a disputa entre a agricultura familiar e o agronegócio. “A narrativa do campo brasileiro não é única; há a disputa entre a agricultura familiar, que vê o campo como um espaço de vida, e o agronegócio, que o considera apenas um lugar de negócios.” Nesse contexto, a produção de commodities, como soja e milho, tem afetado a diversificação da produção na agricultura familiar, que, muitas vezes, busca acessar créditos para se dedicar à produção dessas culturas em detrimento dos alimentos básicos.

Vânia destacou a importância da agricultura familiar, responsável por 67% das ocupações e 23% da produção agropecuária no país. Contudo, ela ressaltou a fragmentação sindical, com novos sindicatos surgindo e, em muitos casos, distanciando-se de orientações políticas de esquerda. Isso, alerta a diretora, enfraquece a luta do movimento sindical rural.

A falta de uma efetiva reforma agrária foi apontada como um dos principais obstáculos para a mudança na estrutura fundiária, evidenciando que 77% dos estabelecimentos rurais no Brasil são ocupados por apenas 23% das propriedades. “A concentração de terras no Brasil continua, evidenciando a necessidade urgente de uma verdadeira reforma agrária para discutir desenvolvimento sustentável.”

A apresentação revelou que, embora haja assentamentos no Brasil, o cenário está longe de refletir uma efetiva reforma agrária. Dos 9.375 assentamentos, apenas 618.247 famílias estão registradas no CAD único, enquanto 382.905 dependem do Bolsa Família. Além disso, há 344.374 pessoas vivendo em extrema pobreza dentro dessas áreas de assentamento. A diretora da Contag enfatizou que a reforma agrária é fundamental para discutir qualquer projeto de desenvolvimento sustentável no campo, visando garantir condições de trabalho aos agricultores familiares.

A apresentação de Vânia também abordou as complexas relações de trabalho no meio rural, envolvendo mão de obra familiar, arrendatários, contratos de parceria e a triste realidade da mão de obra escrava ainda presente. Ela destacou a importância de analisar os impactos da mecanização no campo, que, apesar de aumentar a produtividade, contribui para o desemprego estrutural e a substituição gradual dos trabalhadores rurais por maquinários. “A mecanização altera a dinâmica de produção, interfere na mão de obra, modifica as relações campo-cidade e contribui para o desemprego estrutural.”

Ao abordar a tecnologia e o maquinário, Vânia defendeu a necessidade de uma agricultura sustentável, adaptada à realidade local. Ela destacou a importância de políticas públicas estruturantes, incluindo reforma agrária, fortalecimento da agricultura familiar e alternativas à agroindustrialização convencional, como a agroecologia e o cooperativismo.

No que diz respeito ao assalariamento rural, Vânia apresentou dados que indicam a existência de 4 milhões de assalariados rurais no Brasil, sendo 3,6 milhões homens e 400 mil mulheres. Ela enfatizou as dificuldades enfrentadas pelas mulheres para entrar no assalariamento rural, especialmente nas exigências das empresas. A informalidade atinge 60% desse contingente, reforçando a necessidade de políticas que garantam direitos e melhorem as condições de trabalho.

Vânia também destacou as condições de trabalho precárias, como a falta de carteira assinada para 60% dos trabalhadores, e os impactos da reforma trabalhista. Ela sublinhou a complexidade dos perfis de trabalhadores, muitas vezes misturando papéis entre assalariados e pequenos proprietários.

A apresentação ressaltou os desafios enfrentados pela agricultura familiar, destacando a importância de políticas públicas abrangentes, incluindo habitação, educação, cultura, saúde, lazer e condições de trabalho dignas no campo. “A agricultura familiar é vital para o abastecimento alimentar, mas enfrenta desafios como mudanças climáticas, sucessão rural, e a necessidade de políticas públicas abrangentes.” Vânia apontou a agroecologia como uma alternativa viável, destacando a necessidade de investimentos públicos e bioinsumos para uma transição agroecológica.

Diante de uma realidade complexa, a diretora da Contag reforçou a importância do diálogo e da integração entre campo e cidade, enfatizando que a agricultura familiar desempenha um papel crucial no abastecimento alimentar, representando o oitavo lugar na produção mundial de alimentos. Ela destaca as preocupações e perspectivas, evidenciando a necessidade de ações efetivas para enfrentar os desafios e promover uma agricultura familiar sustentável no Brasil.

Com uma análise crítica da estrutura fundiária e das condições de trabalho no campo brasileiro, a líder sindical trouxe à tona questões urgentes que demandam atenção e ação.