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Gramsci e o centenário do l´Unità (1924-2024), o jornal dos comunistas italianos

18 de fevereiro de 2024

Fundado por Antonio Gramsci em 12 de fevereiro de 1924, o L´Unità foi o órgão oficial do Partido Comunista Italiano.

Por Theófilo Rodrigues

Passou desapercebido no cenário internacional, mas no último dia 12 de fevereiro o jornal italiano L´Unità teria completado o seu aniversário de 100 anos. Fundado por Antonio Gramsci em 12 de fevereiro de 1924, o L´Unità foi o órgão oficial do Partido Comunista Italiano (PCI). Em 1991, o PCI foi dissolvido, mas o jornal continuou existindo até 31 de julho de 2014.

Antecedentes: Avanti! e L´Ordine Nuovo

Assim como fizeram Marx, Engels, Lênin e muitos outros comunistas, Antonio Gramsci também teve desde cedo a preocupação em criar um jornal para a agitação e propaganda das ideias dos comunistas em seu país. Dizia Gramsci: “o operário deve negar decididamente qualquer solidariedade com o jornal burguês. Deveria recorda-se sempre, sempre, sempre, que o jornal burguês (qualquer que seja sua cor) é um instrumento de luta movido por ideias e interesses que estão em contraste com os seus” (1).

Assim, Gramsci dedicou-se profundamente com a atividade de jornalista antes de ser preso em fins de 1926. Em uma carta escrita do cárcere para sua cunhada Tatiana, datada de 7 de setembro de 1931, relatou: “Em dez anos de jornalismo escrevi linhas suficientes para encher quinze ou vinte volumes de quatrocentas páginas” (2).

Com 20 e poucos anos, por volta de 1915, começou a contribuir como jornalista com textos para o Avanti!, órgão oficial do Partido Socialista. Foi no Avanti! que publicou, em 1917, seu pequeno, mas genial texto: “A revolução contra o Capital”. Esse texto foi escrito logo após a Revolução Russa de 1917. De forma irônica, Gramsci demonstrava como a Revolução Russa não tinha sido apenas uma revolução contra o capital, com letra minúscula, mas também contra o livro O Capital, na medida em que era uma revolução ocorrendo em um país atrasado economicamente, diferentemente do que havia sido previsto na obra magna de Marx (3).

Com 28 anos, em 1919, fundou um novo jornal em parceria com Palmiro Togliatti, o L´Ordine Nuovo. No L´Ordine Nuovo, algumas críticas ao Partido Socialista já começavam a aparecer. Num texto de 1920 intitulado “Para onde está indo o Partido Socialista?”, Gramsci afirmava: “O que ocorre é que devido a incapacidade política dos componentes da liderança, todo dia que passa o Partido Socialista Italiano perde mais de sua força e poder organizacional junto às massas” (4). Nesse texto aparece a famosa frase de Gramsci: “pessimismo da razão, otimismo da vontade”. Importante registrar: Lenin conhecia o L´Ordine Nuovo e concordava com a sua crítica ao Partido Socialista (5).

Foi justamente do encontro de uma parcela revolucionária do Partido Socialista com os escritores do L´Ordine Nuovo que surgiu, em 1921, o Partido Comunista da Itália (PCI) como seção italiana da Terceira Internacional. Aliás, foi a partir de uma decisão da Terceira Internacional, em Moscou, em 1923, que Gramsci recebeu a orientação de organizar um jornal como órgão oficial do recém-criado PCI. Afinal, era preciso um novo instrumento para disputar com as opiniões do velho Avanti! do moderado Partido Socialista.

A fundação do L´Unità em 1924

Para esse novo jornal, Gramsci sugeriu o nome L´Unità (A Unidade), uma forma de simbolizar a reunião de parcela da esquerda italiana em torno do PCI. Mas não era só isso. O nome representava, principalmente, a unidade entre operários e camponeses, entre o norte e o sul do país.

Em carta redigida em 12 de setembro de 1923, direto de Moscou, para o comitê executivo do PCI, Gramsci explicava a razão de sugerir o nome L´Unità:

“Proponho como título simplesmente L´Unità, que terá um significado para os operários, mas também um significado mais geral, pois creio que – depois da decisão do Executivo ampliado sobre o governo operário e camponês – deveremos dar uma importância particular à questão meridional, ou seja, à questão segundo a qual o problema das relações entre operários e camponeses se põe não apenas como um problema de relação de classe, mas também e em particular como um problema territorial, isto é, como um dos aspectos da questão nacional“ (6).

Como podemos ver, Gramsci já adiantava nessa carta um dos grandes temas de seu pensamento político, a questão meridional, tema que seria mais bem desenvolvido em 1926 no texto conhecido como “Alguns temas da questão meridional”. Gramsci queria compreender as razões das diferentes dinâmicas de desenvolvimento econômico e social no território italiano: o sul atrasado, agrário e camponês; e o norte desenvolvido, industrial e operário.

Não há como não imaginar que a questão meridional também possa ser pensada para o Brasil, embora de forma invertida. Aliás, o primeiro a perceber isso foi Otto Maria Carpeaux em um texto publicado em 1966 na Revista Civilização Brasileira. “Aquilo que na Itália é o Sul, isto é, exatamente, no Brasil o Nordeste”, argumentou Carpeaux (7).

L´Unità após Gramsci

Em fins de 1926, Gramsci foi preso pelo regime fascista de Mussolini e lá permaneceu até a sua morte em 1937. Nesse período, o PCI e o jornal atuaram na clandestinidade. Após o fim do regime fascista e da Segunda Guerra, em 1945, L´Unità retornou para a legalidade, dessa vez como um jornal de massas, como desejado por seu novo líder, Togliatti. Agora, o Partido Comunista da Itália já havia mudado seu nome para Partido Comunista Italiano. Na década de 1960, ainda sob a liderança de Togliatti, vendia 280 mil exemplares por dia e era o terceiro maior jornal, depois do Corriere della Sera e do La Stampa. Em 1974, os exemplares diários ainda giravam em torno de 240.000 (8).

A partir da década de 1980, com o PCI sob a liderança de Enrico Berlinguer, o jornal entrou em declínio. Em verdade, o próprio partido começou a mudar na direção de um revisionismo. Berlinger promoveu a ruptura do PCI com a União Soviética e trouxe a democracia para o centro da agenda partidária em um movimento conhecido como eurocomunismo. Tudo isso aparecia nas páginas do L´Unità.

Em 1991, o PCI chegou ao fim. Em seu lugar, assumiram novos partidos com perfil socialdemocrata: primeiro, o Partido Democrata de Esquerda e, posteriormente, o Partido Democrata (PD). Esses partidos mantiveram a existência do L´Unità, mas com cada vez menos investimentos. Até o seu desaparecimento em 2014, sob a liderança de Matteo Renzi no PD.

Se o PCI foi o maior partido comunista do Ocidente, o L´Unità foi, provavelmente, o principal jornal comunista do Ocidente. Nessa passagem de seu centenário, vale lembrar da grande preocupação que Marx, Engels, Lênin, Gramsci e Togliatti sempre tiveram: sem investimentos em comunicação, não há revolução.

Notas:

1 – GRAMSCI, Antonio. Os Jornais e os Operários. Avanti! 22 de dezembro de 1916. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/gramsci/1916/mes/jornais.htm

2 – GRAMSCI, Antonio. Cartas do Cárcere (1931-1937) Vol. 2. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2005. p. 83.

3 – GRAMSCI, Antonio. Escritos políticos. (1910-1920) Vol. 1. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2004. p. 126.

4 – GRAMSCI, Antonio. Para onde está indo o Partido Socialista? L´Ordine Nuovo. 10 de julho de 1920. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/gramsci/1920/07/10.htm

5 – LENIN, V. I. The Second Congress Of The Communist International July 19-August 7, 1920. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/lenin/works/1920/jul/x03.htm

6 – GRAMSCI, Antonio. Escritos políticos. (1921-1926) Vol. 2. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2004. p. 140.

7 – CARPEAUX, Otto Maria. A vida de Gramsci. Revista Civilização Brasileira, 7 maio 1966. Disponível em: https://www.gramsci.org/?page=visualizar&id=125

8 – BRANDO, Marco. I cent’anni de l’Unità: un patrimonio scomparso? Almeno sul fronte storico c’è una buona notizia. Disponível em: https://www.ilfattoquotidiano.it/2024/02/12/i-centanni-de-lunita-un-patrimonio-scomparso-almeno-sul-fronte-storico-ce-una-buona-notizia/7437103/

Theófilo Rodrigues é cientista político.