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    Clube de Leitura

    Pela primeira vez na história, os leitores brasileiros terão a tradução na íntegra dos Cadernos do Cárcere, a obra clássica do comunista italiano Antonio Gramsci.

    Clube de Leitura: chega no Brasil a íntegra dos Cadernos do Cárcere, de Gramsci

    Os leitores brasileiros não familiarizados com a língua italiana terão pela primeira vez à sua disposição uma tradução da íntegra dos Cadernos do Cárcere, de Antonio Gramsci. O projeto foi idealizado pela International Gramsci Society, então dirigida por Gianni Fresu, professor de Filosofia Política na Università di Cagliari, e posteriormente dirigida por Anita Schlesener e Luciana Aliaga. Coube ao professor Giovanni Semeraro coordenar o grupo de 22 pesquisadores da IGS Brasil para a tradução.

    Quem fala em termos como sociedade civil, hegemonia, Estado ampliado, intelectual orgânico, revolução passiva ou transformismo, por exemplo, provavelmente está tratando de temas gramscianos sem saber. Essa é a importância dos Cadernos do Cárcere, um conjunto de 33 cadernos escolares - 4 de tradução e 29 de formulação própria - com mais de 2.500 páginas que foram redigidas pelo revolucionário italiano no período entre 1929 e 1935, quando esteve na prisão durante o regime fascista de Mussolini. Daquela obra emergiram conceitos que organizaram a gramática política da esquerda ocidental nos séculos XX e XXI.

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    Esses textos não foram escritos como livros, com temas particulares e bem definidos, mas sim como anotações dispersas ao longo de todos os cadernos. Por essa razão, a sua tradução e publicação sempre foi tão difícil.

    A "edição temática" italiana e a primeira tradução dos Cadernos no Brasil

    O primeiro esforço de publicação da obra foi empreendido por Palmiro Togliatti e Felice Platone na Itália entre 1948 e 1951. A Segunda Guerra havia terminado e com ela o regime fascista de Mussolini. Assim, Togliatti, amigo íntimo de Gramsci e principal líder do Partido Comunista Italiano, assumiu a responsabilidade pelo projeto. Naquele momento, Togliatti e Platone fizeram a opção de selecionar e agrupar temas dos Cadernos em torno de seis "livros": Maquiavel, o Estado e a Política ModernaLiteratura e Vida NacionalPassado e PresenteO Materialismo Histórico e a Filosofia de Benedetto CroceO Risorgimento; e as Cartas do Cárcere. Essa primeira publicação ficou conhecida como Edições Temáticas.

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    O trabalho de Togliatti e Platone foi muito importante para a população e divulgação da obra de Gramsci. Mas a opção feita pelos dois organizadores foi muito polêmica, por ao menos duas razões. Em primeiro lugar, por fazer parecer aos leitores desavisados que Gramsci teria escrito 6 livros distintos, sem conexões entre si, o que não foi o caso. Em segundo lugar, pela edição que selecionou alguns textos, mas omitiu outros. Especula-se que tenha sido uma opção deliberada de Togliatti para evitar que as críticas de Gramsci contra a sociologia soviética, em particular contra o Manual de Sociologia Popular de Bukharin, fossem conhecidas. Não obstante essas duas polêmicas, a importância das Edições Temáticas naquele contexto histórico é indubitável.

    Foi a partir dessas Edições Temáticas que foi realizada pela editora Civilização Brasileira, de Ênio Silveira, entre 1966 e 1968, a primeira tradução dos Cadernos no Brasil. Naquele momento, Carlos Nelson Coutinho foi um dos principais responsáveis pela tradução para o português, ao lado de Luiz Mário Gazzaneo. Assim, o leitor brasileiro passou a conhecer 5 "livros" de Gramsci: Concepção dialética da história; Os intelectuais e a organização da cultura; Maquiavel, a política e o Estado moderno; Literatura e vida nacional; e as Cartas do Cárcere. O empreendimento termina no mesmo momento em que o regime autoritário se acirra no Brasil com o AI-5.

    O sucesso dessa Edição Temática no Brasil foi enorme. Na década de 1970, toda a sociologia política brasileira estava lendo Gramsci e buscando interpretar nossa formação social por lentes gramscianas, em particular com o conceito de revolução passiva. Esse é o sentido da obra de nomes da dimensão de Florestan Fernandes, Luiz Werneck Vianna, Otávio Velho e tantos outros.

    Para ilustrar esse cenário gramsciano no Brasil nas décadas de 1970 e 1980, vale uma anedota. Em 1984, o craque da seleção brasileira de futebol, Sócrates, chegou na Itália para jogar na Fiorentina. Sócrates era conhecido por suas posições de esquerda. Um jornalista teria lhe questionado:

    - Quem é o jogador italiano que mais admira, Mazzola ou Rivera?

    Sócrates respondeu:

    - Não os conheço. Estou aqui para ler Gramsci na língua original e estudar a história do movimento operário.

    A "edição crítica" e a segunda tradução dos Cadernos no Brasil

    Como vimos, a primeira edição temática dos Cadernos foi importante, mas trazia consigo alguns problemas, algumas ausências. Foi para reverter essa dificuldade que o pesquisador italiano Valentino Gerratana mergulhou nos textos carcerários para trazer à luz na Itália, em 1975, a obra completa dos 29 Cadernos. Publicado na íntegra e na suposta ordem em que Gramsci os teria escrito, essa edição de Gerratana ficou conhecida como a Edição Crítica.

    Nesse processo, Gerratana organizou os Cadernos em textos A, B e C. Os textos A são aqueles que Gramsci redigiu inicialmente, mas que depois os reorganizou ou reelaborou como textos C - são os chamados cadernos especiais. Já os textos B são os que possuem uma única redação - são os cadernos miscelâneos.

    Leia mais: Gramsci e o centenário do l´Unità (1924-2024), o jornal dos comunistas italianos

    Foi a partir dessa Edição Crítica que Carlos Nelson Coutinho, com o apoio de Marco Aurélio Nogueira e Luiz Sérgio Henriques, lançou mais uma vez pela editora Civilização Brasileira, em 1999, uma nova tradução brasileira dos Cadernos. O trabalho resultou em 10 volumes: 6 dos Cadernos do Cárcere, 2 dos Escritos Políticos - textos de juventude escritos antes da prisão - e 2 volumes de Cartas do Cárcere.

    Essa edição de 1999 é certamente mais completa que a de 1966-1968, na medida em que parte da Edição Crítica de Gerratana. No entanto, ela ainda era incompleta, pois continha apenas os textos B e C, tendo deixado de fora os textos A.

    A tradução integral dos Cadernos do Cárcere

    Foi para superar esse problema da edição da Civilização Brasileira que a International Gramsci Society - Brasil lançou em novembro deste ano a íntegra da tradução dos Cadernos com todos os textos A, B e C. Agora, pela primeira vez em 90 anos, chega ao leitor brasileiro a íntegra dos Cadernos do Cárcere redigidos na década de 1930, ou melhor, a íntegra da Edição Crítica de Gerratana de 1975.

    Sob a coordenação de Giovanni Semeraro, o trabalho de tradução teve início em 2019 e foi realizado de forma voluntária por 22 pesquisadores sócios da IGS Brasil: Alex Calheiros, Ana Maria Said, Anita Schlesener, Deise Rosálio, Gianni Fresu, Helton Messini, Ivete Simionatto, Leandro Galastri, Lincoln Secco, Lucas Moura Vieira, Luciana Aliaga, Marcos Aurélio da Silva, Marcos Del Roio, Maria Margarida Machado, Maria Socorro Militão, Maria del Carmen Cortizo, Massimo Sciarretta, Ricardo Salles, Rita Coitinho, Rocco Lacorte, Rodrigo Lima, Silvia de Bernardinis e Tatiana Oliveira.

    O sonho de Gramsci era a "realização de uma forma superior e total de civilização moderna". Que a nova tradução dos Cadernos do Cárcere no Brasil alimente o ímpeto de novas gerações na busca por esse sonho.

    A tradução na íntegra está disponível gratuitamente no portal da IGS Brasil (Clique aqui para acessar).

    Theófilo Rodrigues é professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UCAM. É coordenador do Grupo de Pesquisa Cultura & Sociedade da Fundação Maurício Grabois.

    Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial dFMG.

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