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Theófilo Rodrigues: Parlamento Europeu mostra derrota do neoliberalismo progressista

20 de junho de 2024

Eleição do Parlamento Europeu mostra crescimento da extrema-direita. Mas também indica que os principais derrotados foram os que apostaram na agenda do neoliberalismo progressista. Em França, esquerda aposta em unidade em torno da Nova Frente Popular (Foto).

O desenlace da recente eleição do Parlamento Europeu trouxe preocupação para o campo democrático e progressista. Uma primeira análise nos meios de comunicação apontou para o crescimento da extrema-direita na Europa. Esses resultados, no entanto, ainda carecem de interpretações que valorizem dinâmicas locais e sociais mais do que os números em si.

Em primeiro lugar, precisamos entender que no Parlamento Europeu os 720 parlamentares não se organizam por nacionalidades, mas sim por afinidades políticas. Atualmente existem 7 grupos políticos no Parlamento Europeu. Há também um grupo menor de parlamentares que não estão inscritos em nenhum dos blocos.

O bloco político que teve a maior votação nessa eleição foi o Partido Popular Europeu (EPP), o tradicional grupo da direita europeia. Com 190 cadeiras (26,39%), esse grupo é formado por partidos que se orientam pela democracia cristã como o Partido Popular na Espanha, o Partido Social Democrata em Portugal e a CDU na Alemanha.

A segunda maior votação foi a da socialdemocracia (S&D), tradicionais partidos da centro-esquerda europeia. Esse bloco, que conta com o PS francês, o PS português, o PSOE do primeiro ministro espanhol Pedro Sánchez, o Partido Democrático italiano e o SPD do primeiro-ministro alemão Olaf Scholz elegeu 136 parlamentares (18,89%).

A centro-direita, representada pelo bloco Renovar a Europa, ocupou a terceira posição com 80 cadeiras (11,11%). Esse é o bloco em que se encontram o Ciudadanos espanhol e o partido do presidente francês Emmanuel Macron.

A extrema-direita está organizada em dois blocos: os Conservadores e Reformistas Europeus (ECR) e o Identidade e Democracia (ID). Com 76 deputados (10,56%), o ECR é o grupo formado pelo Fratelli d’Italia, partido da primeira-ministra italiana Giorgia Meloni e pelo VOX espanhol. Já o ID, que conquistou 58 cadeiras (8,06%), é o bloco em que estão o Reagrupamento Nacional francês de Marine Le Pen e a Liga do líder italiano de extrema-direita Matteo Salvini.

O grupo dos Verdes, de orientação de centro-esquerda com preocupação ambiental, conquistou 52 cadeiras (7,22%).

Por fim, o grupo da esquerda elegeu 39 deputados (5,42%). Esse é o bloco em que estão partidos-movimento como o Podemos espanhol, a França Insubmissa, o Die Linke alemão, o Bloco de Esquerda português, o Sinn Féin irlandês e o Syriza grego. Também fazem parte desse grupo alguns partidos comunistas como o PCP português, o Partido do Trabalho da Bélgica e o Izquierda Unida espanhol.

Alguns importantes partidos elegeram representantes, mas sem participar de nenhum dos blocos. Esse é o caso do Partido Comunista da Grécia (KKE), da AfD da extrema-direita alemã e do Movimento 5 Estrelas.

A solução francesa: unificar a esquerda contra o neoliberalismo progressista e contra a extrema-direita

Logo após o resultado desastroso da eleição para o Parlamento Europeu na França, onde o partido de Le Pen cresceu, o presidente Macron optou por convocar novas eleições parlamentares para o congresso nacional. Com esse movimento, a expectativa de Macron era a de unir toda a esquerda em torno de si para enfrentar a extrema-direita. Mas não foi o que aconteceu. O descontentamento com esse tipo de agenda do neoliberalismo progressista ficou claro na recente declaração pública da esquerda francesa. Partidos como a França Insubmissa de Jean-Luc Mélenchon, o Partido Socialista, os Verdes e o Partido Comunista Francês decidiram por criar uma Nova Frente Popular, uma coalizão de esquerda unificada para enfrentar tanto a extrema-direita de Le Pen quanto o neoliberalismo progressista de Macron (Clique aqui para ver o programa da Nova Frente Popular).

Vale lembrar que na última eleição presidencial francesa, em 2022, faltou muito pouco para Mélenchon chegar ao segundo turno. Não fosse a divisão da esquerda, Mélenchon (22%) teria superado Le Pen (23%) e disputado o segundo turno contra Macron (27%). Naquela ocasião, os partidos de esquerda lançaram diversos candidatos: Jadot dos Verdes (4%), Fabien Roussel do PCF (2%) e Anne Hidalgo do PS (2%). Se todos tivessem unificado em torno do candidato da França Insubmissa, Mélenchon poderia até mesmo ter ficado em primeiro lugar no primeiro turno daquela eleição.

A estrategia da Nova Frente Popular é a seguinte: em cada distrito – na França a eleição para o parlamento é distrital – a esquerda apoiará o candidato do partido que for mais forte. A distribuição inclusive já foi feita: das 577 cadeiras em disputa, 229 serão disputadas pela França Insubmissa, 175 pelo Partido Socialista, 92 pelos Verdes e 50 pelo Partido Comunista.

Se a estrategia da Nova Frente Popular der certo, a França terá um primeiro-ministro de esquerda, movimento importante para reorganizar as forças progressistas no país e influenciar a próxima eleição eleição presidencial.

A surpresa alemã: Sahra Wagenknecht

No caso alemão, muito se falou sobre a ascensão reacionária da AfD que teve uma votação um pouco maior do que a própria socialdemocracia do chanceler Olaf Scholz. O que pouco se falou foi sobre a emergência de uma nova força de esquerda que superou tanto o neoliberalismo progressista da fdp quanto a esquerda do Die Linke. Trata-se do novo partido de Sahra Wagenknecht, antiga liderança do Die Linke, mas que rompeu em 2023 com o partido. Com um projeto político que pode ser visto como uma “esquerda conservadora”, Wagenknecht mescla políticas econômicas típicas da esquerda com uma agenda conservadora nos costumes. Seu objetivo é disputar exatamente os mesmos eleitores da AfD.

Na Alemanha, a grande derrotada foi a chamada coalizão semáforo que dá sustentação ao governo de Scholz. A coalizão é chamada de semáforo por causa de suas cores: o SPD vermelho, os verdes e os liberais do FDP amarelos.

A resiliência ibérica: Espanha e Portugal seguram avanço da extrema-direita

Na Espanha, a direita tradicional do PP e a socialdemocracia do PSOE conquistaram com larga vantagem o maior número de cadeiras. Com uma baixa votação, a extrema-direita do Vox ficou em terceiro lugar, um pouco acima dos verdes e da esquerda . O neoliberalismo progressista do Ciudadanos foi o maior derrotado no país.

Em Portugal aconteceu a mesma coisa. A socialdemocracia do PS e a direita tradicional do PSD foram com disparadamente os mais votados. Com poucos eleitores, a extrema-direita do Chega, a esquerda e o neoliberalismo progressista tiveram a mesma votação.

Itália é o bunker da extrema-direita, mas socialdemocracia tem seu espaço

O Fratelli d’Italia, partido da primeira-ministra de extrema-direita Giorgia Meloni, foi o grande vencedor na Itália. Mas o socialdemocrata Partido Democrático alcançou a segunda posição e mantem um espaço político importante no país.

Países escandinavos não abrem espaço para a extrema-direita: Finlândia, Dinamarca e Suécia

A principal derrota da extrema-direita aconteceu nos países escandinavos. Na Finlândia, o Partido Finlandês, de extrema-direita, ficou com apenas um assento. Já a ecossocialista Aliança de Esquerda teve um crescimento considerável. Na Dinamarca, quem apareceu em primeiro lugar foi o Partido Popular Socialista. Na Suécia, a extrema-direita do Democratas Suecos não teve o resultado esperado.

O principal derrotado: o neoliberalismo progressista

Um olhar geral para a série história indica que a direita tradicional, a socialdemocracia e a esquerda, mantiveram seus tamanhos com pequenas variações. A mudança brusca ocorreu com o crescimento da extrema-direita a partir da derrota dos partidos que a literatura especializada convencionou identificar como neoliberalismo progressista.

Na teoria política contemporânea surgiu nos últimos anos um termo bem preciso para definir governos que aliam, por um lado, a economia política do neoliberalismo e, de outro, políticas culturais identitárias, ou seja, políticas de valorização de determinadas identidades sem conexão com as questões classistas ou distributivas: trata-se do “neoliberalismo progressista”. De certo modo, o termo neoliberalismo progressista formulado pela cientista política americana Nancy Fraser é um sinônimo para aquilo que, na década de 1990, o sociólogo britânico Anthony Giddens conceituou como a “terceira via”. A diferença é que Fraser descreve pela chave negativa aquilo que Giddens anunciava em uma chave positiva.

Leia mais: Liz Truss e o neoliberalismo progressista no Reino Unido

O melhor exemplo europeu de neoliberalismo progressista na atualidade é o governo de Macron em França. Enquanto acena para uma política ambiental e para a defesa da diversidade, Macron implementa uma economia política neoliberal de austeridade e corte de gastos sociais. No contexto europeu, essa é a agenda do bloco Renovar a Europa. E foi justamente esse o bloco que mais perdeu cadeiras na eleição do Parlamento Europeu.

Algumas das primeiras análises sobre os resultados eleitorais do Parlamento Europeu se apressaram em sugerir uma relação entre o avanço da extrema-direita e a guerra na Ucrânia entre a Rússia e a Otan. Para esses intérpretes, os que apoiaram a guerra da Otan contra a Rússia foram os principais derrotados. Com efeito, essa interpretação vale para a Alemanha e a França, países onde os derrotados Scholz e Macron se posicionaram firmemente em favor da Otan. Mas não explica a Itália, por exemplo, onde a extrema-direita de Meloni venceu mesmo estando ao lado da Ucrânia. Aliás, na Itália, a extrema-direita de Matteo Salvini, que possui relações com Putin, foi a grande derrotada. A guerra também não explica a resiliência dos partidos tradicionais na Espanha e em Portugal.

A direita europeia – quando somadas todas as suas frações – é maior do que a esquerda. Mas fica cada vez mais claro que essa força reside mais no discurso moral que constrói do que na agenda econômica neoliberal que propõe.

Fonte: European Parliament