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Walter Sorrentino: “inquietação é com a atual situação da nossa esquerda”

26 de agosto de 2024

Entrevista com o presidente nacional da FMG, Walter Sorrentino, sobre a criação dos Grupos de Acompanhamento e Pesquisa (GAPs).

Em entrevista exclusiva, o presidente da Fundação Maurício Grabois e vice-presidente nacional do PCdoB, Walter Sorrentino, demonstra preocupação com o futuro da esquerda brasileira. “Apesar das vitórias eleitorais democráticas, essas forças não têm estratégia mais clara ou unitária para tirar o Brasil da condição estrutural de dependência econômica e cultural num horizonte definido”, argumenta. Para superar esse desafio, a FMG começou a constituir, sob a sua liderança, os Grupos de Acompanhamento e Pesquisa (GAPs).

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Nesta entrevista, Sorrentino explica como funcionarão os GAPS e quais são as suas expectativas. “Consideramos que só sob orientação socialista poderemos realizar o pleno potencial da nação brasileira e estamos dispostos a debater isso com todo mundo, principalmente com os trabalhadores e trabalhadoras”.

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Walter, uma das apostas na reconfiguração do plano de trabalho da FMG parece ser  a criação dos Grupos de Acompanhamento e Pesquisa (GAPs). Você pode nos explicar de onde surgiu essa ideia?

Parece e é de fato. A Grabois terá esse projeto como um dos eixos estruturantes nesta nova fase. A ideia nasceu de profunda inquietação e de uma reflexão de fundo. A inquietação é com a atual situação da nossa esquerda política e social e as forças progressistas. Primeiro, porque, apesar das vitórias eleitorais democráticas, essas forças não têm estratégia mais clara ou unitária para tirar o Brasil da condição estrutural de dependência econômica e cultural num horizonte definido; aliás, hoje, há até mesmo dispersão nesse terreno quando se debate como superar a relativa estagnação destes últimos 40 anos. Segundo, porque tardamos a compreender que a luta política hoje se dá em grau muito elevado no palco da luta de ideias, em especial por meio das redes, onde as correntes neofascistas se inseriram com força e profundidade, enquanto nós seguimos nas velhas fórmulas de eleições, presenças institucionais, movimentos sociais e na agitação e propaganda, como dizíamos, com cultura muito letrada e abstrata. Ou seja, precisamos nos organizar mais e nessa dimensão, investigar mais essa nova realidade societária, estudar mais, formular sobre temas de fronteira, produzir conhecimento para oferecer soluções originais e exequíveis para os dilemas das pessoas e, sobretudo, disputar essas ideias por novos meios e formas na sociedade.

O projeto do GAPs quer ser esforço modestíssimo para ajudar a enfrentar essa inquietação. Porque se não há clareza e convicção de que há alternativas ao atual mal estar social, não se oferece esperanças, nem se conquista consciência e motivação daqueles que é necessário mobilizar. Gosto de pensar no projeto como sendo pequenas usinas produtoras de conhecimento transformador sobre temas que nos indagam.

Bem, em certo sentido isso sempre se colocou para os marxistas…

Sim, é verdade, sempre. Mas a inquietação se relaciona com reflexão de fundo. Nós, a esquerda, vivemos situação muito exigente. Não é hora de me alongar sobre isso. Dizer apenas que a grande questão desta quadra histórica é a das alternativas ao atual sistema dominante no mundo. Após 4 décadas da derrota estratégica do socialismo, o colapso do socialismo soviético, o mundo mudou. O que está em crise estrutural é o neoliberalismo e a ordem da globalização imperialista: é a crise do célebre aforismo “Não há alternativa!”, da Thatcher. Crise que provoca tensões e guerras sobre povos e nações, agrava todas as contradições provindas da desigualdade e falta de direitos. Aliás, está incubando as próprias vias neofascistas, vitimando a democracia. Enfim, o  mundo capitalista produz profundo mal estar social em busca de saídas

Por outro lado, ao mesmo tempo vivemos num mundo grávido de profundas e rápidas mudanças, com desenvolvimentos revolucionários das forças produtivas e, positivamente, a teoria do socialismo amadureceu, avançando no enfrentamento dos problemas com soluções desbravadoras como ocorre na China.

Então, a questão precisa ser respondida de modo contemporâneo: quais as alternativas? Por quais caminhos e meios? Como elas alcançam formar maioria social e política, ou seja, o bloco político-social hegemônico? Essa é a questão, e ela envolve superar não só dilemas de formulação estratégica, caminhos e meios, que já referi, como também ultrapassar insuficiências teóricas já evidentes a esta altura. Dou três exemplos históricos sumariamente que demonstram essa exigência de superação, todos eles de sentido contra hegemônico: o êxito do nacional-desenvolvimentismo brasileiro e o grande marco da CEPAL e Celso Furtado; os êxitos atuais da China e o descortino teórico e político de Deng Xiaoping, que se desenvolve até hoje; as experiências do ciclo progressista no Brasil e América Latina no século 21, demonstrando a não superação dos dilemas do desenvolvimento, até hoje, diria.

Penso que essas insuficiências se apresentam como exigências do desenvolvimento da teoria marxista. Mais propriamente: superar o descompasso na ciência social frente à realidade em mutação. Para ficar em poucos exemplos gerais, no campo da Economia Política e do novo desenvolvimentismo, da acumulação e regulação do capital sob a égide da financeirização, do valor-trabalho na era digital que se abre, da lei do desenvolvimento desigual em tempos de globalização financeira, do caráter e papel do Estado, bem como da disfuncionalidade de formas institucionais, novas formas de planejamento de projetos estratégicos…  Enfim, por que não dizer, atualizar a teoria da revolução e do socialismo, na melhor acepção da palavra, que para mim é a Revolução Brasileira. 

Como isso se relaciona com os GAPs?

Os GAPs se inserem aí. A proposta é estudar a realidade, o Brasil e os brasileiros, os desafios em tela, os temas essenciais para o projeto nacional no contexto internacional. O que é mais decisivo é formular nova agenda para o país, ambiciosa, mas exequível. O método é o de acompanhamento e pesquisa interdisciplinar, de temas de fronteira, sob a ótica conjuntural e estrutural, nacional e internacional, teórica e política. Tudo vai ligado ao novo projeto nacional e ciclo de desenvolvimento no Brasil.

Firmamos 7 eixos temáticos, interdisciplinares, voltados para o desenvolvimentismo em dimensão macro e microeconômica, as questões de Estado e conflitos institucionais, estudos sobre a sociedade brasileira, a transição digital envolvendo os impactos sobre o capital e o trabalho, a diversificação e segurança energética do país em meio à transição ecológica, o enfrentamento contra a extrema-direita e as guerras culturais e, finalmente, o observatório internacional, designando o contexto de potencialidades e limites do novo projeto nacional brasileiro. Cada qual tem sua ementa e todas elas dialogam entre si.

Os GAPs também terão uma intervenção mais conjuntural com a produção de opiniões e notas técnicas sobre debates atuais, certo?

É isso mesmo, e a pergunta é oportuna. Os GAPs se plugam na luta política, na mais elevada acepção da palavra, de poder político para um projeto político, não é? E, claro, as formulações precisam ser disputadas na sociedade e chegar aos sujeitos políticos que sustentam as lutas, certo? Fora disso, seria diletantismo eclético ou apenas conhecimento acadêmico. 

Nesse terreno precisamos ser mais ambiciosos, sem exclusivismo. Penso assim: não devemos ser os juízes de nós próprios, mas acho justo dizer que os comunistas brasileiros cultivam pensamento de vocação estratégica, marxista, internacionalista e centrado na questão nacional como eixo das demandas democráticas e sociais. Creio que isso é muito importante para toda a esquerda política e social brasileira. Os GAPs terão o desafio de dar continuidade em novo patamar a essa vocação e mostrar que temos muito a dizer. Daí o afã em produzir e organizar mais a disputa pelas ideias avançadas e promover publicamente os integrantes nas telas dos radares da luta política em curso.

Aproveito para dizer que os GAPs não são exclusivos para quadros do PCdoB. Não. A consigna da Grabois é a de espaço de pensamento marxista e progressista, e isso não é slogan: a gente se alimenta do conhecimento coletivo avançado. A Grabois quer ter protagonismo na interlocução com esses amplos setores sociais e intelectuais, ajudar a ser ponto de encontro e de união dessas vastas forças num sentido convergente. Vamos acolher opiniões e produções amplamente. O que nos une é o novo projeto nacional, não a sigla, qualquer que seja.

Por isso dedicamos atenção muito grande a uma nova estratégia de comunicação, que será o maior investimento da gestão da Grabois este ano. A linha central será exatamente a de transformar suas mídias sociais e o Portal em direção fortemente opinativa.  

Assim, as pequenas usinas que são os GAPs disporão de todo o arsenal da Grabois, o Portal, a TV Grabois e as mídias sociais, os boletins informativos, as malas diretas, revistas eletrônicas… Disse em ocasião anterior que é preciso promover algo como choque de oferta de opiniões avançadas e é o que tentaremos fazer. Conhecimento é para partilhar, difundir e mobilizar consciências, não para legar à história ou promover auto congratulações. É para disputar politicamente as ideias na sociedade.  

… e além de contribuir com a formulação do novo programa do PCdoB?

Isso, exato. A ideia de atualizar o Programa partidário é um polo magnético, tropos que dá eixo e estimula o trabalho dos GAPs. Mesmo assim, insisto, não é para debate apenas interno ao PCdoB. Vocês sabem, consideramos que só sob orientação socialista poderemos realizar o pleno potencial da nação brasileira e estamos dispostos a debater isso com todo mundo, principalmente com os trabalhadores e trabalhadoras. Nosso caminho para isso é forjar a agenda transformadora para o Brasil, novo ciclo da formação da nação, de autodeterminação, desenvolvimento soberano, socialmente inclusivo, ambientalmente sustentável, de integração regional sul-americana, sob direção de poder político de Estado de caráter democrático e popular.

Há também uma preocupação com a atualização da teoria marxista. Pode falar sobre isso?

Sim, como disse acima, quando mencionei a reflexão de fundo. Haverá a Comissão voltada ao exame das tendências e exigências de desenvolvimento da teoria marxista e da teoria do socialismo. Isso sempre foi eixo central da Grabois, todo o período que me antecedeu foi organizado em torno da crítica do capitalismo contemporâneo e a nova luta pelo socialismo. Isso agora vai enriquecido pelo contexto dos GAPs, trabalhando em sintonia, porque é a realidade concreta o ponto de partida para pautar desenvolvimentos da teoria, ou seja, o pensamento marxista precisa avançar focado em totalidades concretas como forma de impulsionar o sentido histórico universal do socialismo. No plano imediato, me parece claro que os projetos do governo Lula III representam eixos e vetores desafiadores. Num plano maior, acho também que é isso que o PC da China vem fazendo com o socialismo com características próprias. 

E o que você nos diz sobre este momento dos GAPs e qual sua previsão dos próximos passos?

Finalizamos a fase de implantação, foi bem gratificante. Acredito em serendipidade: o projeto encontrou grande acolhida e motivação, era uma necessidade sentida, ainda não formulada. Formamos aqueles 7 núcleos, com orientação acadêmico-científica, que já contam com mais de centena de integrantes, ao lado da Comissão de Estudos Teóricos que já mencionei. Cada qual tem um plano e sistemática de trabalho. Construímos as coordenações, com viés assumido de estimular os quadros jovens e mulheres com formação acadêmica e científica para se integrar ao esforço, sem que esse nível de formação seja critério para participação no GAP.

A próxima fase será concretizar a pauta de trabalho regular. Vamos reunir regularmente os coordenadores para isso. Estamos estudando a formação de convênios e parcerias para projetos de pesquisas e dinamizar os trabalhos. E repito: fazer com que os integrantes sejam assíduos participantes da difusão da Grabois por seus meios de comunicação.  

Minha expectativa? Espero que os e as integrantes tenham paciência e diligência para pensar grande e longe. Diligência porque só com esses avanços teóricos, políticos e de projetos para a nação brasileira podemos reformular as estratégias e sustentar que há, sim, alternativa transformadora que convença a maioria da sociedade. Sinceramente creio nisso, não é apenas palavreado. Paciência porque a luta de ideias é muito exigente e sofrida, depende muito de cada indivíduo, do ardor e fome de conhecimento. Mais ainda no nosso caso, que travamos luta de sentido revolucionário. Acho, entretanto, que sempre foi possível combinar isso com a boa e necessária ambição política.

Enfim, a frente da luta de ideias é trincheira das mais necessárias hoje nas lutas de classes. Já ocupa lugar imenso e será crescentemente central para sustentar que há alternativas, sim. A Grabois vai fazer dela o prato de resistência na disputa política.

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