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    EUA

    Por que Trump e o bolsonarismo reativam o anticomunismo no século XXI

    Proclamações oficiais, leis simbólicas e guerra cultural revelam o uso recorrente de velhos estigmas ideológicos como instrumento de disputa política nos EUA e no Brasil

    POR: Leandro Melito

    7 min de leitura

    Manifestante segura cartaz exaltando Bolsonaro, Trump e Elon Musk, com mensagens anticomunistas, durante ato em defesa da anistia aos condenados pelos atos golpistas de 8 de Janeiro. Brasília (DF), 07/05/2025 Foto: Joédson Alves / Agência Brasil
    Manifestante segura cartaz exaltando Bolsonaro, Trump e Elon Musk, com mensagens anticomunistas, durante ato em defesa da anistia aos condenados pelos atos golpistas de 8 de Janeiro. Brasília (DF), 07/05/2025 Foto: Joédson Alves / Agência Brasil

    A partir da eleição de Donald Trump em 2025, o anti-comunismo ganhou força novamente na agenda da extrema-direita mundial, com reflexos no bolsonarismo brasileiro.

    O presidente dos Estados Unidos instituiu o período entre os dias 2 e 8 de novembro como a Semana Anti-Comunismo no país, por meio de uma proclamação publicada no site da Casa Branca. “Ao celebrarmos a Semana Anti-Comunismo, permanecemos unidos na defesa dos valores que nos definem como um povo livre”, diz o texto assinado por Trump.

    A publicação aponta o comunismo como uma das “ideologias mais destrutivas da história”. Ao publicar seu chamamento, a Casa Branca disse que os EUA possuem “direitos dados por Deus” e que precisam cumprir uma “promessa perante a humanidade”.

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    A proclamação ocorre em meio ao enfrentamento do presidente dos EUA com o novo prefeito de Nova York, Zohran Mamdani, chamado pelo republicano de “lunático comunista” e apontado como representante do “futuro comunista” do Partido Democrata. Proclamada no dia 7 de novembro, a Semana do Anticomunismo inclui de forma retroativa o dia 4 de novembro, data da eleição de Mamdani, bem como a data da Revolução Russa, que tem como marco o dia 8 de novembro de 1917.

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    “Tudo indica que o anticomunismo, mais uma vez na história dos EUA, está sendo usado como arma discursiva para fazer política doméstica”, avalia Ana Prestes, pesquisadora do Observatório Internacional, Grupo de Pesquisa da Fundação Maurício Grabois, e Secretária de Relações Internacionais do PCdoB.

    Ela destaca a coincidência do anúncio feito por Trump com a eleição do socialista Mamdani, com uma campanha marcada pela defesa de uma pauta social, com bandeiras que provêm do movimento socialista e comunista internacional ao longo dos tempos.

    “Para fazer o contraponto, a Casa Branca investiu em uma agenda ultra-ideológica de ataque aos comunistas como forma de desmoralizar a mobilização em torno de Mamdani e outras candidaturas progressistas que vêm emergindo nas disputas eleitorais em diferentes níveis de atuação política da sociedade estadunidense, principalmente associadas a pautas sociais, democráticas e direitos humanos”, ressalta Ana Prestes.

    • Veja na TV Grabois: A Coréia Popular é socialista? E a Venezuela? Elias Jabbour categoriza que países são experiências socialistas e porque outros, popularmente referidos como “socialistas” ou “comunistas” não são.

    No texto publicado no site da Casa Branca, Trump atribui os discursos de justiça social e socialismo democrático a “disfarces” para o comunismo.

    Em seu discurso após a eleição, Mamdani deixou claro que a prefeitura da principal cidade dos Estados Unidos, será um lugar de enfrentamento a Trump. “Se alguém pode mostrar a uma nação traída por Donald Trump como derrotá-lo, é a cidade que o viu nascer. E se há alguma maneira de aterrorizar um déspota, é desmantelando as condições que lhe permitiram acumular poder”, declarou.

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    Ibaneis Rocha e o anticomunismo bolsonarista

    Antes da decretação da Semana Anti-Comunismo por Donald Trump, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), sancionou a Lei 7.754/2025, de autoria do deputado Thiago Manzoni (PL), que institui no calendário de eventos do DF o Dia da Memória das Vítimas do Comunismo em 4 de junho. A medida foi publicada no Diário Oficial do Distrito Federal no dia 21 de outubro.

    Ana Prestes considera que a iniciativa no Distrito Federal faz parte de um movimento coordenado da extrema direita mundial, que apela para os estigmas e preconceitos anticomunistas enraizados em vários países para reforçarem sua pauta ultraconservadora, sendo que na Hungria e na Ucrânia, governados pela extrema direita, os partidos comunistas são proibidos e perseguidos, além de outras experiências internacionais que se somam a estas.

    Publicação da Lei 7.754/2025, que inclui o Dia da Memória das Vítimas do Comunismo no calendário de eventos do DF, no Diário Oficial do Distrito Federal, em 21/10/2025. Crédito: Reprodução/DODF

    Em relação ao Brasil, Prestes recorda que no início do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro chegou a circular o texto de um projeto de lei para criminalizar os e as comunistas no Brasil.

    “Agora a Câmara Legislativa do Distrito Federal comete o absurdo de aprovar esta lei que é absolutamente difusa, extemporânea, despropositada e inócua, pois se há vítimas a serem rememoradas neste país são justamente as e os comunistas que tombaram na resistência aos dois regimes de exceção que houve no Brasil no século XX e desapareceram nos porões da ditadura dos anos 60 e 70”, afirma Ana Prestes.

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    O advogado Aldo Arantes, integrante da Associação Advogados e Advogadas pela Justiça, Democracia e Cidadania (ADJC), considera que no caso do DF a medida é utilizada pela extrema-direita bolsonarista como cortina de fumaça diante da condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro pela tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023.

    “A sanção do governador Ibaneis reforça  exatamente o compromisso dele com a extrema direita, revelado já durante o processo de tentativa golpista. O pano de fundo disso está relacionado com a guerra cultural, um esforço da extrema-direita impor uma narrativa alternativa”, afirma ao Portal Grabois.

    Com a aproximação das eleições de 2026, Arantes avalia que o bolsonarismo busca intensificar a guerra de narrativas, diante da vantagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na disputa à presidência. “Esse projeto faz parte dessa luta ideológica em curso, dessa tentativa da extrema-direita sair de uma situação de dificuldade em que ficaram após a tentativa golpista”, aponta.

    A ligação dos bolsonaristas com o governo de Donald Trump foi um dos fatores que contribuíram para aumentar a popularidade do presidente Lula, depois que Eduardo Bolsonaro pediu a Trump para endurecer as taxações contra o Brasil em uma tentativa de livrar seu pai da condenação pela tentativa golpista.

    “Tudo isso foi acumulando uma série de fatores que fizeram a esquerda e Lula crescerem. Então eles começam a tomar uma série de iniciativas no sentido de inverter os quadros. No caso dessa lei do DF, é a coisa mais tópica, mas faz parte desse projeto geral e demonstra a força da extrema direita no estado, não só na Câmara Legislativa, mas em relação ao governo”, aponta Aldo Arantes.

    Ibaneis Rocha intercedeu pessoalmente para evitar que Jair Bolsonaro, condenado a 27 anos de prisão, fosse encaminhado para Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília (DF).

    Antes da definição sobre o local definitivo de cumprimento da pena, o governador do DF enviou ao relator do caso no STF, o ministro Alexandre de Moraes, ofício solicitando a realização de exames em Bolsonaro para avaliar as condições para caso o ex-presidente tivesse que cumprir pena na Papuda. Moraes negou o pedido por entender que o momento não era adequado para a análise. O ex-presidente já cumpre pena preso na Superintendência Regional da Polícia Federal no Distrito Federal, em Brasília.

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