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    Notícias da FMG

    Atualizar o marxismo é essencial para enfrentar os desafios contemporâneos, afirma Sorrentino

    Durante a abertura do Curso Nacional Nível III da Escola João Amazonas, em 20 de janeiro de 2025, Walter Sorrentino destacou a importância de compreender as transformações globais e promover um projeto soberano de desenvolvimento no Brasil.

    POR: Walter Sorrentino

    “É fundamental revisitar os fundamentos do marxismo e avançar a partir das singularidades concretas de nossa época”, afirmou Walter Sorrentino, presidente da Fundação Maurício Grabois, durante sua participação na abertura do Curso Nacional Nível III da Escola Nacional João Amazonas, no dia 20 de janeiro de 2025.

    No evento, Sorrentino analisou o impacto da inteligência artificial nas relações de trabalho, a crise global e os desafios para construir um projeto de desenvolvimento soberano no Brasil. O presidente da Grabois, destacou a necessidade de atualizar o marxismo para compreender e enfrentar as transformações econômicas, políticas e sociais do mundo contemporâneo.

    Leia a intervenção na íntegra e acompanhe as reflexões sobre o futuro do Brasil e a luta por alternativas progressistas.

    Quero fazer algumas reflexões sobre nossos desafios, no momento em que se abre este novo Curso, no ano em que ocorrerá o 16º Congresso partidário.

    Em abril de 2023, estávamos organizando o primeiro documento sobre o novo governo Lula. Em conferência de abertura na ENJA, em maio, falei o seguinte: “temos pela frente uma travessia esperançosa em 4 anos, mas em mar revolto, dados os desafios internos e externos do país e a atual correlação de forças. O PCdoB deve lutar centralmente pelo êxito do governo. O êxito do governo é o que há de mais essencial na atual situação, é a questão mais concreta, é onde se situa o dinamismo da ação política. Nesse rumo, temos que ocupar nosso lugar político próprio. Que não é tão somente uma disputa dos rumos do governo, é mais essencialmente uma disputa da sociedade.” 

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    Dois anos passados, o quadro se mostrou muito mais complexo e o mar, mais revolto, seja no plano nacional, seja internacional. A travessia que estamos fazendo no Brasil se mostra mais exigente. No mundo, é uma situação de grandes tensões e incertezas, para falar claramente.

    Ao assumir a presidência da Grabois, em abril de 2024, expressei preocupações quanto ao rebaixamento de debates estratégicos na esquerda brasileira. Retomo o tema, abordando algumas exigências que esta época e os dilemas brasileiros nos apresentam, em duas dimensões: na dimensão teórico-política, de desenvolvimento do referencial marxista e sua aplicação à realidade atual; e na dimensão da luta propriamente política e social no Brasil.

    Primeiro, quanto à dimensão teórica. Há, como jamais visto, um conjunto de transformações em curso no mundo, de caráter econômico, político, societário. Isso ocorre, como jamais visto, num período muito concentrado da história.

    É uma crise sistêmica. Crise é destruição, mas também desenvolvimento. É uma era de mudanças, de transição histórica de muitos níveis e modalidades.

    Isso é impulsionado acima de tudo pela emergência de novas forças produtivas. A revolução das forças produtivas é, ao fim e ao cabo, do ponto de vista materialista, a maior força transformadora das sociedades, quebra o chão debaixo de nossos pés e faz emergir novas relações produtivas.

    Sob esse impulso modificam-se as formas de acumulação do capital e o modelo de regulação do capitalismo; já se alterou em profundidade a estrutura do mercado de trabalho e isso vai se aprofundar com o avanço da IA. São disruptivas as mudanças morfológicas da produção e reprodução social.

    Já assistimos como isso altera a formação da consciência social (aliás, deformando-a), o papel dos indivíduos na história e a própria psicologia das massas. Enfim, agravam-se contradições e surgem novas, novos conflitos, não só distributivos, bem como relativo à representação política e papel dos partidos políticos, a direitos, identidades, vivências, carências e sofrências.  

    Ao mesmo tempo, há um novíssimo quadro geopolítico a explorar, em especial o papel da China, do BRICS e da multipolaridade, quando se desenha possível um multilateralismo mais justo como fator de nova governança global. A teoria do socialismo amadureceu e levou o socialismo com peculiaridades chinesas a êxitos de valor estratégico. Junto com isso, segue bem na disputa o paradigma sobre o papel do Estado para impulsionar o desenvolvimento, não só no socialismo, quanto mesmo em países capitalistas, evidenciado na pandemia da COVID 19 e no pós-pandemia.

    Tal ambiente abala as próprias formulações teóricas, elas parecem já não dar conta de interpretar plenamente a tendências em curso. O próprio marxismo vive essa defasagem, uma crise – sem medo da palavra – no sentido de que se reclama seu desenvolvimento.

    Precisamos ter presente que ser marxista é promover “o auto entendimento de uma época sobre suas lutas e desejos”, como dizia em Carta a Ruge o próprio Marx, sustentando que nós miramos o futuro, a superação do sistema capitalista, e só vamos encontrar o novo mundo a partir da crítica ao antigo, não proclamar um novo dogma pelo qual a realidade devesse se regular. 

    Isso nos fala de que o neoliberalismo senil reclama uma consciência teórico-política que possa transformar-se em alternativa e em força material de amplas forças sociais. 

    Lênin, diante da crise do marxismo que ocorria numa nova etapa que se abria no capitalismo, que levou à falência da II Internacional, foi às “armas da teoria”, em Berna, durante a 1ª guerra mundial. De lá emergiu o revigoramento do marxismo com a teoria do imperialismo – a nova etapa que se abria do capitalismo monopolista -, a teoria do desenvolvimento desigual, do elo mais fraco e do direito das nações à autodeterminação – enfim, ele liderou nova e superior etapa do marxismo.

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    É preciso persistir nesses fundamentos bem assentados das lutas de classes, eles nos falam de universalismo, ou seja, um novo projeto socialista como devir histórico. Mas eles não bastam, fórmulas prontas e clichês não levam a nenhum lugar. 

    Quando se fala em desenvolvimento da teoria, partimos do particular concreto ao universalismo e voltando em espiral superior, para alcançar novas totalidades concretas. Para isso é preciso ir aos fatos, abrir a mente, “ir ao nervo” das questões da realidade concreta, que promovam novas conclusões e consequências estratégicas, caminhando em ida-e-volta em meio a questões espinhosas e inovadoras, para abrir caminho, passo a passo, ao novo que precisa nascer.

    Lênin teve essa coragem teórica. Foi também assim que o Partido Comunista da China deslindou novos aportes à teoria do socialismo com peculiaridades chinesas. Então, às armas, porque o mundo está mudando profundamente.

    É essencial, em momentos históricos como estes atuais, enfocar os desafios teóricos e políticos a partir das singularidades concretas das situações e suas necessidades objetivas e subjetivas. De modo que é preciso estudar a realidade, as questões de fronteira, assim como a própria teoria.

    Quanto à outra dimensão, a da luta política no Brasil, se trata de que a grande questão é a da alternativa, como abrir caminho a um novo projeto nacional, recompor um bloco político-social avançado, retomar conexão e representação social na atual sociedade, reunir as forças políticas necessárias num grande consenso pela superação da condição periférica, dependente e subordinada do Brasil no contexto da divisão internacional do trabalho. É nesse sentido que falo estarmos desafiados a superar o rebaixamento estratégico.

    Após quase 35 anos da queda do socialismo soviético e do Leste Europeu, tendo uma imensa e profunda crise econômico-financeira do NL de 2007-2008, insuperada, e com a globalização neoliberal em chamas, não se esperava o ciclo conservador e regressivo vivido hoje no país. Superá-lo é uma luta de caráter democrático, mas não só: o Brasil precisa abrir caminho ao desenvolvimento soberano e fornecer ao povo maior progresso material e espiritual.

    Temos que reexaminar estrategicamente a singularidade brasileira no mundo em mudança. Simplificadamente, porque foge ao escopo desta intervenção, no Brasil do governo Lula 3, do ponto de vista político, a contradição principal da hora é assegurar a democracia e a contradição fundamental se dá em torno de como abrir um novo ciclo de desenvolvimento, contra as forças econômicas hegemônicas, atuantes não só na oposição, como também no seio da própria frente ampla.

    Os adversários, mesmo com o seu “consenso” econômico em franca crise, voltam à ofensiva. O governo foi impelido a uma repactuação sob dominância fiscal, da desde março-abril deste ano e à alta dos juros. Tem se mostrado difícil um consenso nacional para pactuar um novo ciclo de desenvolvimento no país – aliás, a proposta do PCdoB ao programa da candidatura Lula.

    Isso não se deve apenas à ameaça da extrema-direita contra a democracia, ou apenas ao desmonte dos anos do golpe e do governo fascistizante. Deve-se mais propriamente a 40 anos de neoliberalismo, promovido pelo consenso econômico hegemônico (de Washington) que prevaleceu e está incrustado no Estado nacional, após quase duas centenas de emendas constitucionais.

    São 40 anos de semi-estagnação econômica. Não se encontrou ainda caminho firme para novo ciclo desenvolvimentista. Há uma mais complexa forma de dependência e subordinação do país, já às voltas com evidentes marcas de atraso e regressão. Malgrado o esforço positivo e bem orientado do governo Lula, o fato é que, nas condições das novas características do desenvolvimento desigual, o Brasil está ainda na condição de semiperiferia na divisão internacional do trabalho. Na América Latina, já não estamos em ofensiva progressista – estamos divididos, o subcontinente está em disputa.

    Quais os caminhos e como abri-los para enfrentar esses condicionamentos? Um novo ciclo de desenvolvimento só avançará com reformas estruturais do Estado nacional. Há forças reunidas para organizar e vencer essa disputa na sociedade?

    Claro, impõe-se lutar pelo êxito do programa progressista do governo Lula, sua reeleição em 2026 com uma pactuação democrática ainda mais ampla. Mas os óbices ao desenvolvimento soberano permanecem. 

    Essa é a singularidade concreta da revolução brasileira, que reclama novas respostas teóricas, políticas e sociais, como sejam, um arcabouço de economia política para superar a nova dependência e a formação atualizada de novo bloco político-social para as lutas necessárias, formando uma nova maioria social e política. 

    São questões centrais da estratégia que precisam ser reformuladas, em torno de um projeto bem definido e exequível de nação, para sinalizar a um só tempo reformas estruturais e rupturas e galvanizar consciência e ação por um novo ciclo na vida do país. 

    Walter Sorrentino é presidente da Fundação Maurício Grabois e vice-presidente nacional do PCdoB.

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