Petro é a voz de todos nós – Terminamos o mês de janeiro de 2025 com o povo latinoamericano e caribenho frontalmente atacados pelo novo governo Trump, empossado há pouco mais de dez dias. Uma das promessas de campanha, que funcionou como pilar da estratégia da volta dos republicanos à Casa Branca, a massiva deportação de imigrantes, está sendo realizada e marca fortemente este início de mandato. Resta saber se ficará no alarde e na produção do terror e do medo dos últimos dias e depois será acomodada na burocracia ou se será levada a cabo nos termos que se anunciam. Infelizmente, o que se percebe é uma América Latina e Caribe desintegrados e sem grande capacidade de resposta conjunta neste primeiro momento, embora iniciativas como a de Gustavo Petro, presidente da Colômbia, deem esperança de resistência e combate na região
Para o cumprimento da medida, foram iniciadas as buscas e prisões de imigrantes indocumentados a serem enviados de volta aos seus países de origem. Os primeiros voos partiram com destino ao Brasil, à Colômbia, à Guatemala e ao México. No dia 27 de janeiro, uma semana após a posse de Trump, a presidenta do México, Claudia Sheinbaum, informou a chegada de 4094 pessoas, em sua maioria mexicanas. O número não surpreendeu muito, pois este é o país que mais recebe deportados dos EUA anualmente. De janeiro a novembro de 2024, por exemplo, o México recebeu mais de 190 mil deportados. A diferença em relação ao período anterior é que o governo Trump tentou enviar parte dos imigrantes em voos militares, o que não foi aceito pelo governo do México. Tais voos militares puderam pousar na Guatemala por volta do dia 24 de janeiro e é deste ponto que parto para trazer a reação do Brasil e da Colômbia ao envio desses voos.
O primeiro voo de deportados brasileiros da gestão Trump chegou em território brasileiro no dia 24 de janeiro e pousou em Manaus, mesmo que seu destino original fosse Confins, em Minas. Pode-se considerar que as cenas das condições em que brasileiras e brasileiros desembarcaram foram fundamentais para a denúncia inicial da crueldade, da desumanidade e a total violação dos direitos humanos e das leis brasileiras praticadas pelo governo dos EUA.
Os relatos são de que o avião possuía sérias avarias e as pessoas vieram em condições absolutamente indignas de calor absoluto, privação de alimentos, água, sanitários, algemadas nos pés e nas mãos, quando não amarradas pela barriga. Rapidamente, tanto a Polícia Federal, o Itamaraty e o presidente Lula pessoalmente agiram e determinaram a libertação dessas pessoas e enviaram um voo da FAB para a realização do trajeto final da viagem até Belo Horizonte. Muitas pessoas, cerca de 50, precisaram de atendimento médico diante das condições que enfrentaram. O Governo Lula exigiu explicações da Embaixada dos EUA em Brasília.
Diante desse quadro, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, se posicionou de forma mais dura e assertiva no sentido de prevenir tanto a chegada de cidadãs e cidadãos colombianos em voos militares dos EUA, como aconteceu no México, Guatemala e Brasil. Além disso, garantiu que nenhum voo pousasse em solo colombiano transportando pessoas algemadas ou submetidas a condições desumanas, como o tratamento degradante dado aos brasileiros.
A comunicação do Presidente Petro veio na forma de uma carta ao presidente Trump que pode ser considerada um documento histórico que marcará o início dessa nova fase de enfrentamento da América Latina e o Caribe com os EUA. Destaco abaixo um trecho do texto que representou a voz do povo latinoamericano e caribenho sistematicamente atacado pelos governos estadunidenses e que passa a um novo patamar de ataques:
Você nunca nos dominará. No seu oposto temos Bolívar, o guerreiro que cavalgava nossas terras gritando por liberdade. Na Colômbia está o primeiro território livre das Américas, antes mesmo de Washington, é lá que me abrigo, nos cantos africanos. Derrube-me, presidente, e as Américas e a humanidade responderão.
A resposta de Trump não foi em termos históricos e literários, terreno que ele não domina nem se interessa, mas sim econômicos. Muitos desdenharam de Petro, dizendo que ele inocentemente atacou com história e literatura e recebeu uma dura resposta pragmática, com a imposição de tarifas alfandegárias sobre os produtos colombianos e suspensão de vistos para membros do governo e familiares do presidente colombiano. Mas o fato é que, ao final do embate e das negociações diplomáticas que seguiram, os voos com deportados que chegaram à Colômbia não eram em aviões militares dos EUA, mas sim em aeronaves colombianas. Ninguém chegou algemado e privado de seus direitos básicos como ser humano. Além disso, o governo colombiano anunciou para estas pessoas “um plano de crédito produtivo, associativo e barato”, conforme as palavras de Petro, que ainda reforçou: “o migrante não é um criminoso, é uma pessoa humana livre”.
Leia também: Trump usa guerra ao narcotráfico como pretexto para militarizar América Latina
A iniciativa de Petro ficou isolada na região, pois mesmo o Brasil, que foi o primeiro a denunciar os horrores dos voos dos deportados, recuou para uma postura mais moderada com relação aos EUA. A iniciativa da presidente da Celac, Xiomara Castro, presidenta de Honduras, de realizar uma reunião da organização no dia 30 de janeiro para tratar o tema também não prosperou. Isso demonstra uma desarticulação e uma desintegração das forças políticas progressistas que hoje governam países na América Latina e Caribe, mas também uma conjuntura de conforto da extrema direita neoliberal e reacionária que avança na nossa região e no mundo, mas isso é tema para o próximo artigo.
*Ordem das frases do presidente da Colômbia Gustavo Petro foram alteradas para efeito de entendimento dentro do artigo, a carta do pode ser lida na íntegra aqui
Ana Prestes é pesquisadora do Observatório Internacional, Grupo de Pesquisa da Fundação Maurício Grabois, e Secretária de Relações Internacionais do PCdoB.
Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.