Na tarde de quarta-feira (09), o Brasil recebeu atônito a carta redigida pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre o aumento das tarifas direcionadas aos produtos brasileiros. Sem qualquer mediação típica de posicionamentos diplomáticos, Trump foi bem direto em sua chantagem: ou o Poder Judiciário retira as investigações sobre o ex-presidente Jair Bolsonaro e sobre as big techs estadunidenses, ou sofrerá com taxações de 50% em todas as nossas exportações para o país.
A Carta de Trump atendeu ao pedido feito pelo filho de Jair, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, que há alguns meses reside nos EUA. Em tom de ameaça, o próprio Eduardo foi para as redes sociais dizer que o Brasil será punido se não conceder anistia para o seu pai nas próximas semanas. Trata-se, portanto, de uma “Tarifa Bolsonaro”.
O suposto patriotismo da família Bolsonaro e de seus aliados é bem curioso. O pai, enquanto presidente do Brasil, foi para os EUA e prestou continência para a bandeira norteamericana em 2019. Já o filho, pede que o presidente dos EUA imponha uma taxação que pode ter como consequência a geração de desempregos no território nacional. Vale ainda lembrar do governador Tarcísio de Freitas, que considerou razoável adotar o uso do boné “Make America Great Again” (Slogan trumpista que significa: Faça a América Grande Novamente).
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Nos outros países da América Latina, personagens com esse tipo de prática são conhecidos como a “direita monroísta”, uma referência ao antigo projeto da Doutrina Monroe.
Não obstante se apresente como um entendedor, um especialista, um entusiasta de armas de fogo, o tiro de Eduardo saiu pela culatra. No desespero por livrar seu pai da prisão, Eduardo conseguiu unificar o Brasil contra a “Tarifa Bolsonaro”.

Aliados dos projetos políticos de extrema direita e estratégias autoritárias no cenário global, em, 19/03/2019, na Casa Branca, Jair Bolsonaro entrega a Donald Trump uma camisa da seleção brasileira. Alan Santos/Presidência da República via Flickr do Palácio do Planalto
Para ficarmos em um exemplo, o ato político que ocorrerá hoje em todo o Brasil contra o Congresso Nacional mudou rapidamente seu slogan e girou de ontem para hoje suas baterias contra Trump. A luta pela taxação dos mais ricos e contra a escala 6 x 1 permanece na agenda, mas a ênfase discursiva agora está na defesa da soberania nacional.
Sintomático dessa união em torno da soberania nacional contra o inimigo externo, foi a imediata e surpreendente publicação do editorial do jornal O Estado de S. Paulo na manhã desta quinta-feira (10).
Intitulado “Coisa de mafiosos”, o texto do Estadão elogia o presidente Lula e critica firmemente Bolsonaro e Trump. “Que o Brasil não se vergue diante dos arreganhos de Trump, de Bolsonaro e de seus associados liberticidas. E que aqueles que são verdadeiramente brasileiros, seja qual for o partido em que militam, não se permitam ser sabujos de um presidente americano que envergonha os ideais da democracia”, diz o editorial.

O governador de São Paulo, Tarcício de Freitas com boné MAGA em homenagem a Donald Trump. Foto: Reprodução
Mexeu no bolso
Não é difícil entender a razão de o Estadão, jornal conservador que sempre fez oposição aberta ao governo Lula, fazer esse giro. Como sabemos, o estado de São Paulo é o principal exportador brasileiro para os EUA. Em 2024, as empresas paulistas exportaram cerca de R$ 66 bilhões para os EUA. Essas empresas são as mesmas que anunciam publicidade nas páginas do Estadão e que terão que deixar de exportar para os EUA a partir de 1 de agosto por conta da “Tarifa Bolsonaro”. O Estadão pode não gostar de Lula, mas sabe fazer cálculo.
Marx, em seu genial 18 Brumário (1852), mas também Nicos Poulantzas em Poder político e classes sociais (1968), já haviam percebido que nem sempre os interesses das classes sociais e suas frações coincidem com os de seus representantes partidários na cena política.
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Em rápida resposta contra Trump, o governo Lula publicou nota elogiada por praticamente todos os campos políticos. “O Brasil é um país soberano com instituições independentes que não aceitará ser tutelado por ninguém”, afirmou o governo brasileiro. Vestido com a bandeira verde e amarela, Lula deu o sinal para a convocação de um sentido de nação tendo como fronteira agonística o governo de Trump e os entreguistas que o representam no território nacional. Dito de outra forma, o nós contra eles foi ressignificado como luta nacional contra o inimigo externo e seus aliados internos. Ironicamente, a Frente Ampla que elegeu Lula, mas que começava a dar sinais de desgastes, pode se reorganizar e soerguer graças à “Tarifa Bolsonaro”.
Theófilo Rodrigues é professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UCAM. É coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Cultura & Sociedade da Fundação Maurício Grabois.
Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.