O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), recuou nesta quinta-feira (24) em relação à prisão preventiva do ex-presidente Jair Bolsonaro, atendendo a um embargo da defesa, que negou o descumprimento das medidas cautelares em discurso do ex-presidente após reunião com parlamentares no Congresso Nacional.
Apesar de afirmar que Bolsonaro descumpriu a proibição de divulgação de conteúdos em redes sociais de terceiros, Moraes decidiu não converter as medidas cautelares em prisão preventiva. O entendimento do ministro é que essa ocorrência foi um evento isolado, sem registros de outros descumprimentos.
Moraes havia esclarecido na segunda-feira (21) que a proibição de uso das redes sociais por Bolsonaro “inclui, obviamente, as transmissões, retransmissões ou veiculação de áudios, vídeos ou transcrições de entrevistas em qualquer das plataformas das redes sociais de terceiros, não podendo o investigado se valer desses meios para burlar a medida, sob pena de imediata revogação e decretação da prisão”.
Medidas cautelares
Moraes negou a prisão preventiva de Bolsonaro, mas manteve as medidas cautelares impostas na última sexta-feira (18) ao ex-presidente por coação, obstrução e atentado à soberania nacional. A medida foi solicitada pela Polícia Federal (PF), recebeu aval da Procuradoria-Geral da República (PGR) e foi referendada pela Primeira Turma do STF.
A Petição 14129 impõe a Bolsonaro:
-
- uso de tornozeleira eletrônica;
- recolhimento domiciliar entre 19h e 6h de segunda a sexta-feira e em tempo integral nos fins de semana e feriados;
- proibição de acesso a embaixadas e consulados e de manter contato com embaixadores e autoridades estrangeiras; e
- proibição de utilização de redes sociais, direta ou indiretamente, inclusive por intermédio de terceiros.
A Polícia Federal apontou que Bolsonaro e o filho, Eduardo Bolsonaro, atuaram ao longo dos últimos meses junto a autoridades governamentais dos Estados Unidos para obter a imposição de sanções contra agentes públicos do Estado Brasileiro, sob alegação de uma suposta perseguição na Ação Penal (AP) 2668, que apura tentativa de golpe de Estado e qual Bolsonaro é réu.
Segundo a PF, o ex-presidente e seu filho agiram “dolosa e conscientemente de forma ilícita” e “com a finalidade de tentar submeter o funcionamento do Supremo Tribunal Federal ao crivo de outro Estado estrangeiro, por meio de atos hostis derivados de negociações espúrias e criminosas com patente obstrução à Justiça e clara finalidade de coagir essa Corte.”
Ana Prestes analisa articulação da família Bolsonaro com os EUA. Assista:
Bolsonaro continua réu por tentativa de golpe de Estado
Bolsonaro se tornou réu por tentativa de golpe de Estado na Ação Penal 2668 em março deste ano, após decisão unânime do STF. Os ministros Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, da Primeira Turma do STF, acompanharam o voto de Alexandre de Moraes, relator do caso.
Moraes afirmou que a PGR demonstrou indícios de que o ex-presidente e seus aliados podem ter cometido os crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.

Jair Bolsonaro e o advogado Celso Vilardi estiveram diante do ministro Alexandre de Moraes durante a sessão de interrogatório da ação penal sobre a trama golpista, no STF, em 9 de julho de 2025. Foto: Gustavo Moreno/STF.
Leia também: “Tarifa Bolsonaro” de Trump pode reorganizar Frente Ampla e fortalecer Lula em 2026
Além do ex-presidente, são réus na AP 2668 o general do Exército Walter Braga Netto, ex-ministro e vice de Bolsonaro na chapa das eleições de 2022; o general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional; Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin); Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de segurança do Distrito Federal; Almir Garnier, ex-comandante da Marinha;
o general do Exército Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa e o delator Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
Acusações
Com base nos argumentos apresentados pela PGR, Moraes concluiu que Bolsonaro e os demais acusados formaram o núcleo crucial da trama golpista, responsáveis pelas principais decisões e “ações de impacto social”. A acusação aponta Bolsonaro como líder de uma organização criminosa com um “projeto de poder” enraizado na estrutura do Estado e com “forte influência de setores militares”.
A acusação sustenta que Bolsonaro tinha pleno conhecimento da operação Punhal Verde Amarelo, em curso em dezembro de 2022. O plano previa o assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro do STF Alexandre de Moraes.
Lucro vale mais que ideologia: quando até o Estadão se volta contra Trump e Bolsonaro
Moraes aponta que Bolsonaro “conhecia, manuseava e discutiu” sobre o documento conhecido como minuta do golpe, que previa a decretação de estado de sítio no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A minuta foi apreendida na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, e também encontrada no celular do tenente-coronel Mauro Cid, delator e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. “Não há dúvida de que ele tinha conhecimento da minuta do golpe que foi apreendida”, afirmou na ocasião o ministro.
Dez investigações no STF
Com a abertura da investigação por suposta atuação ilegal com autoridades dos Estados Unidos, Jair Bolsonaro soma dez inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF). Além da Ação Penal 2668 na qual é réu, estão em andamento oito inquéritos contra o ex-presidente e um foi arquivado.
Fake news
Aberto em março de 2019, por ordem do ministro Dias Toffoli, que na época presidia o STF, o Inquérito 4.781, conhecido como “inquérito das fake news” apura ofensas, ameaças e ataques aos ministros do STF e a seus familiares e investiga esquemas de financiamento e divulgação em massa nas redes sociais.
Milícias digitais
Bolsonaro também é investigado no Inquérito 4874, conhecido como inquérito das milícias digitais, que apura a existência de uma rede de militância virtual com atuação orquestrada para favorecer o ex-presidente por meio da disseminação de informações falsas e ataques contra adversários políticos e instituições do Estado Democrático de Direito.
Interferência na Polícia Federal
O STF também abriu o Inquérito 4831 para investigar a troca no comando da Polícia Federal por Jair Bolsonaro quatro vezes enquanto estava na Presidência. A partir das declarações do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, o inquérito apura se essas mudanças tiveram por objetivo beneficiar filhos e aliados do ex-presidente em investigações. No relatório divulgado em março de 2022, a PF entendeu que não houve crime da parte do ex-presidente.
Vazamento de dados de inquérito da PF
O Inquérito 4878 investiga a conduta do ex-presidente relacionada à divulgação de dados de inquérito sigiloso da Polícia Federal por meio de perfis nas redes sociais com o objetivo de expandir a narrativa fraudulenta contra o processo eleitoral brasileiro, “tumultuá-lo, dificultá-lo, frustrá-lo ou impedi-lo, atribuindo-lhe, sem quaisquer provas ou indícios, caráter duvidoso sobre a lisura do sistema de votação no Brasil”.
O inquérito foi aberto a partir de notícia-crime assinada por sete ministros do TSE encaminhada ao STF, em que afirmam que o vazamento de dados sigilosos é crime tipificado no artigo 153, parágrafo 1, do Código Penal, que determina como crime “divulgar, sem justa causa, informações sigilosas ou reservadas, assim definidas em lei, contidas ou não nos sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública”.
Irracionalismo e neofascimo: particularidades da luta ideológica atual
Bolsonaro é ainda alvo de inquéritos no STF por associação de vacina da covid-19 ao HIV, aberto em dezembro de 2021 pelo ministro Alexandre de Moraes a pedido da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid no Senado Federal; pela venda ilegal de joias da Presidência, que levaram ao indiciamento do ex-presidnete por peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro e no caso da “Abin Paralela”, devido à suspeita de que o órgão tenha sido aparelhado por um esquema de espionagem ilegal de opositores.
Inquérito arquivado: fraude em cartão de vacina
Jair Bolsonaro e outros 16 acusados foram indiciados em março de 2024 pelos crimes de associação criminosa e de inserção de dados falsos no sistema do Ministério da Saúde, no caso da suposta fraude no cartão da vacina. No final de março deste ano, a PGR pediu arquivamento do caso, concluindo que o envolvimento de Bolsonaro não ficou comprovado. O caso foi arquivado pelo ministro Alexandre de Moraes.
*Com inforrmações do Supremo Tribunal Federal e da Agência Brasil