[Texto da palestra apresentada por Carlos Lopes na mesa do Ciclo de Debates do 16º Congresso do PCdoB, realizada em Porto Alegre (RS), em 18/08/2025, com o tema “Partido Comunista e a luta socialista no século XXI”.]
Em primeiro lugar, como sempre se diz em qualquer palestra e em qualquer conferência, minha honra e satisfação por estar aqui com vocês. Da minha parte, essa manifestação de honra e satisfação não é meramente formal. Quando Raul me telefonou, fiquei surpreso, mas… como poderia recusar um convite, vindo de um companheiro como Raul Carrion?
Mais ainda quando se trata do Rio Grande do Sul, estado onde tenho grandes amigos – lembro aqui do vereador Werner Rempel e do Alexandre Pahim, de Santa Maria, e do Antonio Augusto, presidente estadual do nosso partido, e certamente estou esquecendo muita gente, como o meu grande amigo, o poeta Sidnei Schneider.

Carlos Lopes durante exposição na etapa de Porto Alegre (RS) do Ciclo de Debates: Os desafios brasileiros num mundo em transição, em 18/08/2025. Foto: Tiago Morbach e Liz Filardi
Passei parte de minha infância em Vacaria, na Serra Gaúcha, uma cidade de que até hoje gosto muito. Assim, os meus laços com o Rio Grande do Sul são amplos e profundos, desde há muito tempo.
Mas deixem-me entrar no assunto que me trouxe à Porto Alegre.
A centralidade do partido na revolução
Todos vocês devem ter lido o documento, preparado pela direção do partido para o nosso próximo congresso. Por isso, me dispenso de expô-lo, considerando que seria apenas repetir o que vocês já sabem e já tomaram conhecimento.
Vou, portanto, apenas frisar alguns pontos.
O primeiro é que a questão do partido é a questão fulcral da revolução. Com certeza, como sublinhou Lenin em um de seus principais livros, a questão do Estado é a questão decisiva. Chama-se revolução, exatamente, a substituição de uma classe – ou de um conjunto de classes – por outra – ou outras – no poder de Estado.
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Porém, como efetuar essa substituição, que é a essência da revolução, sem um partido?
Mais ainda: nos países em que a revolução é socialista, não se trata apenas de substituir a classe no poder, mas de destruir o aparato de opressão de classe. Aí mesmo é que se torna impossível a revolução sem a existência do partido.
Reparemos mais: nas antigas colônias – principalmente na África –, mesmo quando não existia partido comunista ou o partido comunista não teve papel preponderante, foi necessário um partido. É o caso da Frente de Libertação Nacional da Argélia, do movimento dos oficiais livres no Egito, e, na África do Sul, do Congresso Nacional Africano (CNA). Também foi o caso de países asiáticos do Oriente Médio, como o Partido Baath na Síria e no Iraque.
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Assim, a primeira coisa que enfatizo é a necessidade do partido em qualquer situação revolucionária – e estou usando esta expressão em um sentido amplo, não no sentido estrito comumente usado por nós, originário de alguns textos específicos de Lenin, como, por exemplo, A Bancarrota da II Internacional.
Então, o que é o partido?
O partido é a organização da vanguarda – da parcela avançada – da classe ou da massa, pois existem países em que a questão nacional é o centro da revolução, portanto, são as massas, que reúnem mais do que uma classe, que são o elemento revolucionário.
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O presidente Mao Tsé-tung escreveu que o partido deve estar dentro do povo, assim como o peixe está dentro da água. Estou citando de memória, por isso, se houver alguma incorreção, vocês certamente me perdoarão. Mas o sentido do que Mao escreveu está claro.
A ação de massas é, portanto, o centro da tática do partido. Principalmente numa situação como a do nosso país, em que as massas estão numa situação particularmente aflitiva. Mesmo após os avanços proporcionados pelo atual governo, os salários, a situação de vida da nossa população são, no máximo, miseráveis. Os marginais, traficantes e milicianos ocupam os bairros populares. A polícia massacra a população, principalmente os negros.
Exemplo chinês e as lições da Internacional
Mas não por acaso escolhi, para citar, o presidente Mao Tsé-tung. O problema da revolução nas colônias e países dependentes apareceu, pela primeira vez, quando a Terceira Internacional e a sua principal seção, o Partido Comunista da União Soviética, abordaram a revolução na China.
Pois a Revolução de 1917 fora em um país imperialista, é verdade que em um país imperialista atrasado, mas um país imperialista.
A China, explorada, oprimida e até mesmo ocupada por várias potências imperialistas, era um caso diferente. Por isso, a estratégia e a tática do Partido Comunista da China foram também diferentes. O que se estabeleceu foi uma aliança com o Kuomintang, partido nacionalista fundado pelo grande patriota Sun Yat-sen. Notem vocês que essa aliança implicou na entrada do Partido Comunista no Kuomintang – o próprio Mao Tsé-tung chegou a ser membro do comitê central do Kuomintang. Na Academia Militar de Whampoa, também fundada por Sun Yat-sen, seu vice-comandante foi Chu En-lai.
Porém, após a morte de Sun Yat-sen, seu substituto, Chiang Kai-shek, traiu a aliança pela libertação da China e bandeou-se para o imperialismo, promovendo o massacre de Xangai, em 12 de abril de 1927, assassinando milhares de comunistas e trabalhadores.
A polêmica que se seguiu – na Internacional e no próprio Partido Comunista da União Soviética – tinha como tema o caráter da revolução chinesa. Os adeptos de Trotsky alegavam que a aliança com o Kuomintang fora um erro e que a revolução chinesa teria de seguir o mesmo caminho da revolução russa.
A maioria do PCUS e da Internacional, encabeçada por Stalin, argumentou que não, pois o caráter da revolução chinesa era diferente da revolução russa. As transformações que estavam na ordem do dia na China não eram ainda transformações socialistas, mas transformações nacionais e democráticas, ou seja, de caráter anti-imperialistas, mas não anticapitalistas em geral.
Transformações nacionais como caminho ao socialismo
Esta posição venceu a luta política na década de 1920 – e se manteve dentro do Partido Comunista da China, que completou a sua revolução nacional e democrática (a chamada “nova democracia”) em 1949 e começou a revolução socialista em 1953.
A China foi um país em que a revolução anti-imperialista foi dirigida pelo próprio Partido Comunista. Diferente de países como a Argélia, o Egito, a Síria, o Iraque, a África do Sul.
Mas a China não foi o único país em que isto aconteceu. Dou como outros exemplos o Vietnã e a Coreia Popular – onde figuras exponenciais como Ho Chi Minh e Kim Il Sung construíram os partidos e lideraram a luta pela libertação de seus povos.
Tudo isso é muito importante para o Brasil, no momento em que estamos sendo agredidos pelo imperialismo dominante, isto é, pelo imperialismo norte-americano. Alguns de vocês poderão perguntar: o que isso tem a ver com o socialismo? Pois é claro que o motivo central para um cidadão entrar no PCdoB é o desejo de que o Brasil seja um país socialista, o desejo de lutar pelo socialismo, que, nas palavras de Marx, é a primeira fase do comunismo.
Então, deixemos claro essa questão: a luta contra o imperialismo, a luta por transformações nacionais e democráticas foi o caminho para que países como a China e o Vietnã chegassem ao socialismo.
Evidentemente, nem todos os países que empreenderam a luta contra o imperialismo chegaram ao socialismo – e alguns, inclusive, retrocederam.
Mas o que é comum naqueles que atingiram o socialismo?
A existência de um processo dirigido por um partido comunista que pretendia chegar ao socialismo. Este é sempre um objetivo consciente. Sem consciência, não existe e não se chega ao socialismo.
O partido é, exatamente, a condensação da consciência comunista. Esta não surge do éter ou do ar, por abstrações teóricas ou abstrusas. A consciência é produto da prática, da imersão nas questões concretas do povo.
Por isso, é essencial que o nosso partido esteja presente em todas as manifestações do nosso povo, ganhando a sua confiança com sua presença.
Consciência revolucionária e ética militante
Um grande homem, um dos melhores de nós, disse algo muito importante:
“Acima de tudo procurem sentir no mais profundo de vocês qualquer injustiça cometida contra qualquer pessoa em qualquer parte do mundo. É a mais bela qualidade de um revolucionário.”
Esta frase é de Ernesto Che Guevara. Ele disse, também:
“Se você é capaz de tremer de indignação a cada vez que se comete uma injustiça no mundo, então somos companheiros.”
É de pessoas assim que temos de formar – e formamos – o nosso partido. Trata-se de lutar contra todas as formas de opressão.
Deixem-me resumir os nossos modos de atuação.
Stalin, baseado em Lenin, estabeleceu que as entidades são “correias de transmissão” entre o partido e as massas.
Isso é correto, mas não é a única maneira do partido atuar. Tal como está em nosso documento, o partido atua também diretamente, através de seus organismos, principalmente das organizações de base.
Poderemos discutir mais essa questão, embora não creio que ela demande grandes polêmicas.
Comunicação, teoria e o desafio da extrema-direita
Por fim, a questão da comunicação e da luta de ideias é mais complicada. Estamos numa situação em que formou-se dentro do país uma corrente de extrema-direita, algo de inimaginável para quem participou da queda da ditadura. Naquela época, ninguém queria ser de direita. Agora, aparecem alguns elementos que, parece, se orgulham do seu fascismo.
Não posso deixar de relacionar essa erupção fascista com a instalação, dentro do país, como um corpo estranho, como um câncer exótico, de igrejas evangélicas dominadas pela malfadada teologia da prosperidade. Lembro que alguns amigos, há quase 20 anos, talvez mais, me advertiam do que estava acontecendo no Brasil em termos religiosos. Devo dizer que não prestei muita atenção, naquela época, às advertências que me foram feitas.
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Mas, em vez de me queixar, cabe-me desdobrar esse assunto em duas partes.
A primeira é que temos de dominar todos os instrumentos de comunicação, a começar pelos digitais. Como os companheiros sabem, sou diretor de um dos órgãos de comunicação do partido. Nosso esforço, que não é pequeno, está dirigido para a denúncia política do inimigo, tal como Lenin preconizou em 1902. Evidentemente, a denúncia política hoje não tem a mesma forma que no princípio do século XX. Mas o princípio geral é o mesmo: a principal tarefa dos comunistas para elevar a consciência das massas é a denúncia política.
Especificamente sobre os instrumentos digitais, eu diria que nós, mais velhos, temos muito que aprender com a nova geração, e, mais ainda, com a novíssima geração. Pode ser que seja um caso particular meu, mas duvido. O fato é que meus filhos e minha neta dominam muito mais do que eu os vários veículos digitais.
Estou enfatizando isso porque o nosso documento diz que o domínio desses instrumentos não é tarefa apenas do setor de comunicação – e não é mesmo.
O segundo desdobramento é o domínio da teoria, do marxismo-leninismo. Evidentemente, o marxismo-leninismo se renova a cada embate pela revolução. O nosso partido tem colocado à disposição da militância vários órgãos responsáveis por esse trabalho. Mas permitam-me, outra vez, citar o presidente Mao Tsé-tung:
“Para fazermos a revolução necessitamos dum partido revolucionário. Sem um partido revolucionário, sem um partido fundado na teoria revolucionária marxista-leninista e num estilo revolucionário marxista-leninista, é impossível dirigir a classe operária e as grandes massas do povo à vitória sobre o imperialismo e os seus lacaios” (Forças revolucionárias do mundo, uni-vos e combatei a agressão imperialista!, novembro de 1948, Obras Escolhidas, Tomo IV).
Carlos Lopes é redator-chefe do jornal Hora do Povo, vice-presidente nacional do PCdoB e membro do Grupo de Pesquisa sobre Problemas e desafios contemporâneos da teoria marxista.
Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.