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    América Latina

    Eleições em Buenos Aires expõem desgaste de Milei e fortalecem liderança de Kicillof

    Peronismo vence na maior província argentina. Muito mais do que um evento local, eleição pode ter sido um presságio de desafios significativos para o futuro político da nação

    POR: Javier Vadell

    5 min de leitura

    Eleições na Província de Buenos Aires na Argentina e o ocaso de Milei

    No cenário político dinâmico e muitas vezes imprevisível da Argentina, as eleições legislativas na província de Buenos Aires foram um evento de importância capital. A votação, que renovou 23 cadeiras no Senado e 46 na Câmara dos Deputados da Legislatura Provincial, serviu como um termômetro da política nacional, um teste crucial para as forças políticas em jogo.

    O resultado, que deu à aliança peronista de centro-esquerda 47% dos votos contra 33,8% da aliança de direita apoiada pelo presidente Javier Milei, foi mais do que uma vitória local. Foi um sinal claro de mudança na maré política e uma indicação das crescentes dificuldades enfrentadas pelo governo central.

    A eleição na província de Buenos Aires, a maior da Argentina em população e território, foi habilmente transformada pela mídia e pelos partidos políticos em um referendo sobre o governo Milei. O resultado reflete diretamente o sentimento de descontentamento da população, levando a uma derrota significativa para a aliança de direita.

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    Embora o cenário eleitoral na província seja complexo, com oito grandes distritos e um sistema de votação não estritamente proporcional, a direita e a extrema-direita se mostraram desarticuladas e fragmentadas, em forte contraste com a solidez da coalizão peronista.

    A derrota do governo não pode ser atribuída a um único fator. Uma confluência de eventos acelerou o desgaste político, como a insatisfação popular com a economia e os recentes casos de corrupção. O envolvimento de figuras-chave, incluindo a própria irmã de Milei, Karina Milei, teve um impacto devastador na credibilidade da administração. Esses escândalos são vistos como particularmente graves, pois atingiram a base eleitoral que mais sofreu com os cortes de gastos, como os aposentados e o sistema de assistência a pessoas com deficiência.

    Em meio a esse cenário de adversidade, o governador de Buenos Aires, Axel Kicillof, emerge como uma figura de proeminência incontestável. Ex-ministro da economia no governo de Cristina Fernández de Kirchner e reeleito governador em 2023, Kicillof se destaca como a liderança mais forte da oposição e um possível candidato presidencial. Sua ascensão reflete a resiliência do peronismo, que tem a capacidade histórica de se reerguer e se aglutinar em torno de uma liderança forte quando parece à beira do colapso.

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    Kicillof se diferencia de seu adversário por seu perfil acadêmico e por manter uma postura mais austera e respeitosa, evitando a agressão verbal que tem caracterizado a retórica da extrema-direita. Ele personifica o mal-estar da população com o governo.

    As perspectivas para o governo após a derrota na província são “muito complicadas”. O próprio Milei, em sua declaração pós-eleição, não demonstrou disposição para o diálogo, afirmando que irá aprofundar as mudanças, o que sugere um caminho de maior confronto. A instabilidade é agravada por rumores sobre a possível saída do ministro da Economia, Luis Caputo, e pela incerteza em torno da economia, que pode enfrentar uma crise de fuga de capitais.

    A vitória do peronismo em Buenos Aires não é apenas um feito eleitoral. É um lembrete da persistente influência da tradição peronista e da capacidade de seus líderes de se adaptarem e capitalizarem o descontentamento popular.

    Nesse cenário, a figura de Axel Kicillof emerge como a mais forte da oposição, com seu perfil acadêmico e sua abordagem calma contrastando fortemente com a polarização e as agressões verbais que marcaram a campanha. A derrota do governo é um sinal de alerta de que suas políticas e sua imagem estão sob escrutínio crescente, e o caminho à frente para a Argentina está repleto de incertezas, tanto no plano político quanto no econômico. A eleição em Buenos Aires, portanto, foi muito mais do que um evento local: pode ter sido um presságio de desafios significativos para o futuro político da nação.

    Javier Vadell é professor do departamento de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica – PUC de Minas Gerais. 

    **Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.