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    China enfrenta o tarifaço de Trump e consolida estratégia de soberania tecnológica em 2025

    Ao longo de 2025, sanções, disputa tecnológica e reacomodação geopolítica marcaram a resposta chinesa à ofensiva dos EUA, com impactos no Sul Global e na relação estratégica com o Brasil.

    POR: Redação

    12 min de leitura

    Xi Jinping, Li Qiang, Zhao Leji, Wang Huning, Cai Qi, Ding Xuexiang e Li Xi participam da quarta sessão plenária do 20º Comitê Central do Partido Comunista da China, realizada em Pequim. O encontro aprovou as recomendações para o 15º Plano Quinquenal. 23/10/2025.
Crédito: Xinhua/Shen Hong
    Xi Jinping, Li Qiang, Zhao Leji, Wang Huning, Cai Qi, Ding Xuexiang e Li Xi participam da quarta sessão plenária do 20º Comitê Central do Partido Comunista da China, realizada em Pequim. O encontro aprovou as recomendações para o 15º Plano Quinquenal. 23/10/2025. Crédito: Xinhua/Shen Hong

    O ano de 2025 foi marcado pelo avanço da China na corrida tecnológica mundial, mesmo diante da retomada da hostilidade dos Estados Unidos, com o retorno de Donald Trump à Casa Branca.

    Já em janeiro, a inteligência artificial chinesa DeepSeek despontou na imprensa internacional após provocar a queda das ações das grandes empresas de tecnologia dos Estados Unidos: Nvidia, Microsoft, Meta e Alphabet, sendo que a Nvidia chegou a apresentar uma queda de quase 17%.

    Gratuito, o aplicativo chinês se mostrou uma alternativa mais barata e eficaz e demonstrou a “falência da Batalha dos Chips” imposta por Washington, analisou o diretor de pesquisas do Centro de Estudos Avançados Brasil China (Cebrach), Diego Pautasso, em sua coluna para o Portal Grabois.

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    Ele avalia que o modelo de IA chinesa driblou as sanções da Casa Branca às exportações para a China dos chips da Nvidia e revelou que a política dos EUA não apenas se mostrou incapaz de interditar o setor de semicondutores, como acelerou o desenvolvimento chinês. “A mentalidade da Guerra Fria e da contenção da China já deu todos os sinais possíveis de sua falência – porém, o governo Trump não parece ser capaz de apresentar soluções mais inovadoras”, alertou Pautasso.

    Tarifaço

    Nos primeiros três meses de seu governo, Trump iniciou um movimento de aumentar as tarifas dos países que mantêm relações comerciais com os EUA, voltando-se principalmente para o México, Canadá, China e União Europeia, com tarifas de até 24%.

    Em abril, Trump escalou a medida protecionista decretando tarifas de importação entre 10% e 50% para quase todos os países do mundo, sob a alegação de reciprocidade. Iniciou-se uma grande corrida dos países pela negociação das tarifas, mas ficou claro que o alvo principal das medidas protecionistas era a China, com tarifas que chegaram a 145%.

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    A resposta da China foi recíproca, com aplicação de tarifas de até 125% para produtos dos EUA, posição que rendeu uma capa icônica da revista The Economist em abril.

    Capa da edição de 5 a 11 de abril de 2025 da revista The Economist ironiza a guerra tarifária dos EUA com o slogan “Make China Great Again”, aludindo ao mote de campanha de Donald Trump. A publicação aborda como Pequim enxerga o projeto político de Trump.
    Créditos: Reprodução da capa da The Economist, edição de 5 a 11 de abril de 2025., via Facebook. © The Economist Group.

    Em nova coluna para o Portal Grabois, Diego Pautasso analisou naquele momento como a reação da China à guerra tarifária expôs o declínio da hegemonia dos Estados Unidos.

    “Por detrás do unilateralismo de Trump, há o reconhecimento da perda de capacidade produtiva e de liderança dos EUA, bem como da emergência de um mundo multipolar. Inegavelmente, vivemos uma precipitação da transição sistêmica, marcada por incertezas e potencial de escalada de conflitos. Se os EUA dão mostras de uma condução política temerária, a China, por sua vez, demonstra não apenas resiliência, mas também capacidade de prover soluções e alternativas à desordem internacional”, destacou Pautasso.

    A posição da China de enfrentamento à política trumpista também fortaleceu os laços entre os países do Sul Global, em especial com o Brasil — também alvo do tarifaço trumpista. Em artigo exclusivo para o Portal Grabois, Jiang Shixue, professor da Universidade de Xangai (China), apontou como a cooperação China-Brasil é estratégica para enfrentar ameaças à ordem global.

    Shixue destacou que a política de Trump é marcada por hegemonismo, intervencionismo, unilateralismo e protecionismo, “representando uma grave ameaça à paz e ao desenvolvimento mundiais” e defendeu que, diante desse ambiente externo altamente desfavorável, “a forma como o Sul Global deve responder é uma questão urgente e relevante”. Com base em informações do Ministério da Agricultura chinês, Shixue apontou que China e Brasil devem intensificar ainda mais sua cooperação diante da guerra comercial promovida por Trump.

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    O encontro bilateral entre China e Brasil aconteceu de fato em maio, quando Lula e Xi Jinping se encontraram durante o IV Fórum China-Celac, realizado em Pequim. “Não é exagero dizer que, apesar dos mais de 15 mil quilômetros que nos separam, nunca estivemos tão próximos”, afirmou Lula ao descrever o atual estágio das relações entre Brasil e China, durante sua visita a Pequim.

    O encontro se deu no momento que a política de Trump “começava a demonstrar sinais de desgaste”, com o recuo momentâneo dando um “semblante de derrota às iniciativas norte-americanas”, aponta Tiago Nogara, Doutor em Ciência Política da Universidade de São Paulo e pesquisador do Cebrach. Em sua coluna, ele analisa o posicionamento de Lula e Xi-Jinping diante do unilateralismo de Trump e os novos acordos bilaterais assinados entre os países.

    Foto: Agência Brasil / Ricardo Stuckert

    Presidente Lula se encontra com Xi Jinping, o líder chinês, na abertura do IV Fórum CELAC-China – Foto: Ricardo Stuckert / PR

    Historiadora, Mestre e Doutoranda em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a pesquisadora do Cebrach, Isis Paris Maia considera que a reunião ministerial realizada no IV Fórum China-Celac marcou um novo capítulo na relação entre os países, estabelecendo um roteiro para a próxima década a partir do assim chamado “Cinco Programas” para o desenvolvimento compartilhado. Em sua coluna, ela detalha o Programa 2, voltado ao desenvolvimento, dando ênfase ao setor digital.

    Em agosto, diante dos ataques dos Estados Unidos, Xi Jinping disse a Lula por telefone, que a China estaria “pronta para trabalhar com o Brasil para estabelecer um exemplo de unidade e autossuficiência entre os países do Sul Global” e afirmou apoiar o povo brasileiro na defesa de sua soberania nacional e na salvaguarda de seus direitos e interesses legítimos, “exortando todos os países a se unirem na luta decidida contra o unilateralismo e o protecionismo.”

    Em 1º de setembro,  Xi Jinping anunciou a proposta chinesa da Iniciativa de Governança Global (IGG) durante a reunião da Organização de Cooperação de Shanghai (OCS). O documento destaca, entre outros pontos, a sub-representação do Sul Global na ONU, a frequente utilização de sanções unilaterais por países relevantes e aponta a necessidade de debater temas como a inteligência artificial, o ciberespaço e o espaço sideral.

    Nilton Vasconcelos, diretor do Cebrach e membro do Grupo de Pesquisa sobre Estado e conflitos institucionais no Brasil, analisa em sua coluna como o IGG representa “um convite para repensar as bases da cooperação entre as nações, recolocando a paz, a justiça social, o desenvolvimento sustentável e o direito dos povos a um futuro comum, no centro do debate”.

    Os movimentos geopolíticos dos últimos anos refletiram na opinião da população brasileira. Entre 2023 e 2025, a aprovação da China subiu de 34% para 49%, enquanto EUA e Israel perderam apoio, revelou pesquisa Quaest divulgada em agosto. O salto maior ocorreu de 2024 para 2025, quando a opinião favorável saltou 11 pontos percentuais. Por outro lado, a opinião desfavorável em relação à potência asiática caiu de 44% para 37%.

    Por ser o principal parceiro comercial do Brasil, o professor associado da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ, Elias Jabbour defende que as relações com a China devem atingir outro patamar, em uma relação que pode beneficiar ainda mais a economia brasileira, revertendo a desindustrialização e fortalecendo um projeto nacional voltado à soberania econômica.

    O desenvolvimento da economia chinesa foi tema de duas edições da Revista Princípios. Coordenadas por Jabbour, as publicações analisaram como a China atualiza a economia de projetamento de Ignácio Rangel.

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    Em intervenção aos delegados do 16º Congresso do PCdoB em outubro, o representante do Departamento Internacional do Comitê Central do Partido Comunista da China (PCCh), Wang Jialei, defendeu que o multilateralismo, a solidariedade Sul-Sul e a cooperação entre China e América Latina são fundamentais diante das tensões geopolíticas e da ofensiva unilateralista dos Estados Unidos. O representante do PCCh também apresentou as Iniciativas Globais lançadas pelo presidente Xi Jinping — de Governança, Desenvolvimento, Segurança e Civilização — como pilares de uma nova ordem internacional mais justa e equilibrada.

    Wang Jialei, do Comitê Central do Partido Comunista da China (PCCh), durante o momento das intervenções das delegações Internacionais, no 16º Congresso do PCdoB, em Brasília, em 17 de outubro de 2025. Foto: Murilo Nascimento.

    15º Plano quinquenal

    O Comitê Central do PCCh se reuniu entre 20 e 23 de outubro para avaliar as principais conquistas de desenvolvimento do país durante o 14º Plano Quinquenal (2021-2025) e deliberar sobre a formulação do 15º Plano Quinquenal de Desenvolvimento Econômico e Social. “A partir de seis princípios orientadores, o debate e o detalhamento das propostas seguem num processo que culminará com a deliberação final das chamadas Duas Sessões – as reuniões anuais do Congresso Nacional do Povo (CNP) e da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC), previstas para março de 2026”, detalha em sua coluna Nilton Vasconcelos, diretor de Relações Institucionais do Cebrach e membro do Grupo de Pesquisa sobre Estado e Instituições da Grabois.

    A partir do 15º Plano Quinquenal, o presidente da Grabois, Walter Sorrentino, analisa como o planejamento estatal chinês integra inovação, inclusão social e metas ambientais, oferecendo referências ao Sul Global. Sorrentino considera que a divulgação das bases do 15º Plano em outubro confirma a capacidade de formulação estratégica do Estado chinês com o Partido Comunista no poder. “A implementação do novo Plano deve influenciar as cadeias produtivas globais, com especial importância para o Sul Global e para a parceria estratégica entre Brasil e China, abrindo janelas de oportunidades ao desenvolvimento soberano”, destaca Sorrentino.

    O 20º Comitê Central do Partido Comunista da China (PCCh) realizou sua quarta sessão plenária em Pequim, entre os dias 20 e 23 de outubro de 2025. Foto: Xinhua/Ding Haitao

    Elias Jabbour considera que as bases colocadas pelo PCCh para o 15º Plano remontam ao movimento iniciado pelo país em 2017, quando a China entrou na etapa da “nova era” na definição de Xi Jinping, tendo como objetivo central a construção da prosperidade comum. O ano de 2017, em que a China havia alcançado os norte-americanos em mais de 70% de altas tecnologias sensíveis, foi marcado pelo início da era de sanções e bullying tecnológico promovido pela administração de Donald Trump nos Estados Unidos.

    “Isso levou a sociedade, o Estado e o Partido Comunista chinês a mobilizarem completamente seu núcleo empresarial e financeiro para uma guerra popular prolongada em torno da autossuficiência tecnológica. Os chineses acordaram para uma realidade de um mundo hostil aos seus objetivos estratégicos, que representa o fim da tentativa de desenvolvimento pacífico em relação aos países capitalistas centrais”, aponta Jabbour.

    Dessa perspectiva, ele considera que o 15º Plano Quinquenal deve ser observado como “mais um capítulo no rumo da autossuficiência tecnológica”. “Eu colocaria o socialismo pela primeira vez na história em condições não somente de igualdade, mas de superioridade em relação ao capitalismo em matéria de inovação e autossuficiência tecnológica”, ressalta.

    Ao analisar a guerra tarifária imposta pelos Estados Unidos contra a China em 2025, Jabbour aponta um elemento central nas condições dessa disputa que provocaram o recuo da ofensiva de Donald Trump: as terras raras. A China possui a maior reserva (70%) e capacidade de processamento de quase toda a cadeia produtiva (90%) que envolve esses minerais: agrega valor e exporta o produto industrializado para os Estados Unidos.

    “A China não só conseguiu superar seus impasses internos, criados com o bullying tecnológico iniciado pelos EUA em 2017, mas possui essa grande carta na manga, um instrumento estratégico fundamental para diminuir sua dependência do mercado dos EUA, tanto para exportar produtos, quanto para importar tecnologia nova. Se os norte-americanos quiserem negociar, terão que negociar nos termos chineses”, destaca Jabbour.

    Em dezembro, documentos publicados por Estados Unidos e China quase simultaneamente, revelam as diferenças da política externa dessas potências em relação à América Latina. A administração de Donald Trump publicou sua Estratégia Nacional de Defesa (National Security Strategy of the United States of America), enquanto o governo de Xi Jinping apresentou o documento sobre sua política para América Latina e Caribe (Terceiro Documento sobre la Política de China hacia América Latina y el Caribe). 

    Os documentos expressam projetos de poder profundamente distintos para a América Latina, avalia Diego Pautasso.

    “De um lado, os Estados Unidos reafirmam uma visão hemisférica hierárquica, securitária e de contenção de rivais. De outro, a China articula um discurso de cooperação Sul–Sul, desenvolvimento compartilhado e construção de uma ‘comunidade de futuro compartilhado’, inserindo a região num vocabulário alternativo ao da ordem liberal ocidental”, analisa em sua coluna.

     

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