Taxa de câmbio e projeto de desenvolvimento
Por João Sicsú
A taxa de câmbio é um elemento-chave de um projeto de desenvolvimento. Essa constatação é fundamental: além de ser essencial para auxiliar o esforço de crescimento econômico, a administração cambial deve ser compreendida como um instrumento nevrálgico que deve fazer parte de um projeto de desenvolvimento.
Por João Sicsú*, no jornal Valor Econômico
A macroeconomia e seus preços básicos, isto é, juros e câmbio, podem definir os rumos de uma sociedade, se esta está caminhando em direção ao progresso ou ao atraso. Em relação à taxa de câmbio, já foi percebido que existe uma tendência forte à sua valorização nos países em desenvolvimento, devido às possibilidades econômicas que caracterizam esses países.
Tais economias podem ser exportadoras de itens básicos, podem ser atrativas para o investimento direto estrangeiro ou podem ainda ter ativos financeiros atraentes. Portanto, essas economias podem sofrer de doença holandesa ou de outras enfermidades cambiais valorizativas.
Embora uma taxa de câmbio competitiva seja um elemento muito importante de um projeto de desenvolvimento, porque pode abrir mais um mercado demandante de produtos domésticos, cabe ser mencionado que o mercado interno se diferencia do externo porque o primeiro pode ser estimulado por meio de políticas fiscais, monetárias, de socialização da riqueza e de elevação da renda; enquanto o segundo depende, quase que exclusivamente, de variáveis que não estão sob o controle doméstico, como o crescimento da economia mundial.
Embora o canal de demanda externa deva ser fortemente utilizado em um projeto de crescimento, dentro de uma visão keynesiana-desenvolvimentista de redução de incertezas, o mercado interno, que pode ser estimulado por políticas governamentais, deve ter um papel de grande destaque dentro de um projeto de crescimento com desenvolvimento.
Uma taxa de câmbio competitiva é resultado de vontade política que deve ser expressa em decisões e ações governamentais. Uma taxa de câmbio de equilíbrio de mercado é uma taxa não competitiva, embora represente as forças conjunturais e estruturais presentes em economias que buscam o desenvolvimento. Uma política cambial adequada ao desenvolvimento é exatamente aquela que se confronta com as forças conjunturais que contribuem para o baixo crescimento e, simultaneamente, se opõe às forças estruturais que promovem o atraso.
Uma taxa de câmbio competitiva é aquela que estimula a industrialização mais sofisticada, que possui densidade tecnológica. Sendo assim, uma política industrial de desenvolvimento e absorção de tecnologia deve complementar uma política de administração de uma taxa de câmbio competitiva. Isto se faz necessário porque o preço cambial é apenas uma das variáveis que pode estimular a industrialização sofisticada; outras variáveis como, por exemplo, custos locacionais devem ser também observadas e, então, necessitam de políticas correspondentes para enfrentá-las.
A estratégia de sofisticação da indústria que seja capaz de tornar empresas competitivas no mercado internacional é necessária porque torna a sociedade proprietária de vasto conhecimento, o que lhe oferece flexibilidade para refazer planos de desenvolvimento. Países que produzem apenas itens básicos ou semibásicos (que não possuem tecnologia) estão fadados a participar de uma única via de inserção internacional que os condena ao atraso.
Tal inserção é aquela em que, por exemplo, exportam grãos verdes de café para países que não plantam sequer um pé de café, mas se tornaram os maiores exportadores de valores do produto após selecioná-lo, processá-lo, embalá-lo… enfim, agregam valor com uso de tecnologia. Países detentores de conhecimento possuem estratégias flexíveis de desenvolvimento.
Em outras palavras, países desenvolvidos estão sempre se desenvolvendo porque descobrem novas oportunidades e têm conhecimento para aproveitá-las. Países atrasados, quando descobrem novas oportunidades, são obrigados a "arrendá-las" aos desenvolvidos, aumentando ainda mais a distância que os separa em termos de desenvolvimento e qualidade de vida.
A industrialização sofisticada competitiva no mercado internacional e abastecedora do mercado interno cria um ambiente para uma oferta mais igualitária de oportunidades e para uma distribuição menos injusta da renda e da riqueza. A industrialização deve ser formalizada, isto é, deve ser contabilizada do ponto de vista ambiental, social e econômico pelo Estado, gerando mais arrecadação de impostos visando à universalização de oportunidades, mais garantias e direitos trabalhistas, salários maiores compatíveis com a produtividade mais elevada e relações sócio-ambientais sustentáveis.
Mas como deve ser feita a administração de uma taxa de câmbio competitiva, industrializante? Um regime cambial deve ser estabelecido, isto é, regras, políticas, metas, objetivos e instrumentos devem ser organizados para esse fim. Mas, em primeiro lugar, as taxas que remuneram ativos financeiros domésticos devem ser suficientemente baixas para que a avalanche de recursos financeiros internacionais não invada a economia brasileira, promovendo uma pressão cambial valorizativa.
Além disso, o Banco Central deve formar reservas para enxugar o mercado de divisas e para que tenha moeda estrangeira em volume suficiente, para evitar desvalorizações abruptas em momentos de elevação do risco. Demandas internas por moeda estrangeira devem ser criadas: uma sugestão são estímulos fiscais à compra de máquinas e equipamentos importados. Políticas de regulação do movimento financeiro internacional devem ser estabelecidas para residentes e não-residentes. Assim como devem ser criados impostos sobre a exportação de itens básicos.
Esse é um dos caminhos factíveis rumo à superação de barreiras conjunturais e estruturais que valorizam a taxa de câmbio e condenam a economia ao crescimento moderado e ao atraso. Um regime cambial administrado, estável e competitivo, ao lado de um orçamento equilibrado, com pleno emprego e de juros muito baixos, formam o tripé de um genuíno modelo keynesiano-desenvolvimentista.
*João Sicsú é diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do IPEA e professor do Instituto de Economia da UFRJ. Autor do livro Emprego, Juros e Câmbio (Campus-Elsevier).