Imperialismo e não império – parte 3
Para tentar entender de um modo um pouco mais sensato a fase atual atravessada pelo sistema capitalista, remundializado recentemente (nos anos 90 do século XX), quero retomar o “velho” paradigma leninista relativo ao imperialismo. Recordo rapidamente as suas cinco características : centralização monopolista de capitais (tida por Lênin como a característica verdadeiramente essencial ); capital financeiro enquanto simbiose entre capital industrial e bancário; exportação de capitais de importância crescente em relação à exportação de simples mercadorias; disputa interoligopolista entre as grandes empresas pela conquista de mercados mundiais; agudo conflito inter-estatal entre as grandes potências pela redistribuição das zonas de influências no mundo inteiro.
De um modo geral, não se pode deixar de constatar que tais características – exceto a última – distinguem também a atual fase de desenvolvimento do capitalismo remundializado. Porém, indicarei oportunos e radicais deslocamentos de significado, de importância recíproca, entre estas características; deslocamentos que certamente modificarão profundamente o quadro de conjunto tal como formulado originalmente por Lenin.
Inicialmente a primeira característica, a centralização monopolista, não será mais considerada a decisiva para assinalar a inteira época do imperialismo enquanto suposto “último estágio” do desenvolvimento capitalista, pensado como imediatamente precedente à revolução proletária mundial, cujo fracasso já é mais do que evidente a não ser para os cegos. Lenin tinha em mente o modelo marxiano de desenvolvimento capitalista – já empobrecido e tornado mais esquemático e vazio por Engels e sobretudo por Kautsky –, segundo o qual a centralização é uma tendência contínua que levaria à concentração da propriedade em um grupo parasitário de capitalista não mais dirigente do processo produtivo, e a massa da população expropriada se levantaria contra eles, trabalhando em condições de crescente cooperação ainda que se diferenciasse internamente entre um vértice que dirige e a maioria que executa. Ainda que fosse uma diferenciação temporária e que estaria desaparecendo depois das eventuais revoluções capazes de “expropriar os expropriadores”, com o desenvolvimento da ciência e da técnica como forças produtivas cada vez mais coletivas e socializadas.
Nada disso aconteceu. Os grupos estratégicos da empresa, os verdadeiros dominantes no capitalismo, não são nem rentistas parasitas, nem dirigentes do processo produtivo. As grandes empresas existem, continuam a se fundir entre elas e a dominar o mercado, mas isso não elimina a competição, não comporta sequer como tendência, a formação de poucos centros decisórios em acordo e colisão entre si, enquanto , ao contrário, se alternam ( recorrentemente ) épocas inteiras de agravamento do conflito interempresarial e fases de seu relativo arrefecimento. Em seguida, por fases também recorrentes, as ondas de inovação ( sob a forma de produtos ) ampliam o mercado, criam novos setores produtivos, abrem espaço para novas iniciativas ainda que de pequenas dimensões empresariais; produzem processos contraditórios de descentralização produtiva das grandes empresas e de centralização financeira; as pequenas empresas muitas vezes são apêndices das grandes ( e mesmo filhas de seus processos de descentralização produtiva ), ou autônomas, mas com sucessiva tendência a unirem-se entre elas ( toda a temática de hoje sobre as redes é a deformação ideológica de tal fenômeno ), e, de forma mais frequente, a cair sob a influência dominante dos grandes grupos estratégicos empresariais. Mas depois o processo se reapresenta, também como fenômeno de longa duração, com outras ondas de inovação, etc.
Consequentemente, nada de último estágio, nada de centralização quase definitiva. Certamente o capitalismo vai acabar como tudo nesse mundo acaba, mas não se pode prever de modo algum o seu fim próximo simplesmente através das centralizações e do crescimento infinito das massas expropriadas que adquiririam consciência da necessidade improrrogável da revolução anti-proprietária ( “anti-expropriadora” ). Caso se entre nesse caminho, ao fim se encontrará com os “novos movimentos” sempre massacrados ( pelo menos em sentido metafórico, mas muitas vezes em sentido real ), e com o capitalismo que continuará a existir, e cujos teóricos, que possuem muita imaginação e desejos reprimidos, indicarão pela enésima vez outro novo “último estágio”. Se a centralização monopolista, enquanto processo com tendência a um fim, tem um… fim horrível, a mesma coisa pode ser dita do capitalismo financeiro, enquanto mera superfície parasitária do capitalismo que chegou ao seu “último estágio”.
Como talvez Schumpeter tenha entendido melhor, a financeirização cresce nas épocas de inovações, contribuindo para a transferência de capitais das velhas empresas e setores produtivos para aquelas que inovam. Porém, me parece que essa visão tem um caráter muito apologético, pois vê apenas o lado positivo do capitalismo enquanto modo de produção dinâmico e tendente apenas à maior eficácia e eficiência produtiva. Na realidade, não só as exigências inovadoras, como também todas as demais modalidades do conflito inter-empreendedor – aquisições, fusões, descentralização produtiva e criação de novas empresas com necessidade de maior controle financeiro por parte dos vários centros do poder monopolístico em competição entre si; mais ainda, a influência determinante desses vários centros sobre a esfera político-administrativa, sobre a ideológica, e, como “medida extrema”, sobre a político-militar – determinam a necessidade de haver uma crescente quantidade de riqueza líquida ou imediatamente liquidável. E sobre essa necessidade dos grupos empresariais estratégicos se insere o crescimento de um setor financeiro, que depois também adquire sua autonomia de manobra com o florescimento da especulação, etc. De todo modo, não é por não entender que o capital financeiro não se desenvolve exclusivamente em relação ao crescimento e predomínio de setores sociais de tipo parasitário. Pretender deixar de pé o modo capitalista de produção – por sua inquestionável capacidade de produzir mercadoria e de acelerar o crescimento de forças produtivas sempre novas ( não o invólucro que bloqueia o desenvolvimento como deseja até hoje um marxismo oco e esclerosado ) -, retirando os aspectos financeiros considerados puramente especulativos, é apenas uma ilusão colossal; é a enésima repetição de erros cometidos por pensadores de outro calibre como Hobson, etc.
Também teria algo a dizer sobre a terceira característica de Lenin, mas pelo usual motivo de espaço me limito a recordar que hoje se trata sobretudo de investimentos diretos do exterior por parte dos grandes grupos empresariais, que é bom continuar a defini-los como multinacionais já que têm centros de direção estratégicos precisos localizados em determinados países e mantêm relações privilegiadas com a esfera político-ideológica desses países, mesmo que estejam projetados evidentemente para o exterior em todos os sentidos ( financeiros e de aquisição do controle de velhas empresas, políticos-ideológicos, militares, etc. ), e não apenas como investimento produtivo.
Parecem-me decisivas a quarta e a quinta ( atualmente marcante ) características da definição leninista. Hoje, eu colocaria sobre elas o peso de tal definição, modificando assim radicalmente o quadro delineado pelo termo imperialismo, que assume então um significado bastante diferente daquele indicado pelo revolucionário russo. Para chegar a alguma conclusão, tenho que fazer um pequeno desvio mais uma vez gravemente prejudicado pela falta de espaço.