O morcego
Como uma borboleta escura e desconforme,
suspenso pelos pés com o instintivo emprego
das garras que o sustém, o mórbido morcego,
tonto de sono e luz, durante o dia dorme.
Dorme durante o dia; e à noite, ei-lo, conforme
é costume, senhor do pávido sossego,
abrindo o membranoso e elástico refego
das asas que lhe dão um todo demiforme.
Rasgando, em largo vôo, a treva ampla e uniforme,
o noturno avejão guincha em desassossego,
a pupila incendida a arder na noite enorme.
E é de ver-se, depois, em lânguido aconchego,
as asas a abanar sobre o animal que dorme,
o sanguinário egoísmo em forma de morcego.
Amarante/ PI, 1885
Rio de Janeiro/ RJ, 1950
Livro: Livro dos Poemas
Uma Antologia de Poetas Brasileiros e Portugueses
Organização: Sergio Faraco
Editora: L&PM Editores, 2009