A energia passou a ser considerada setor chave para a integração da América do Sul. O momento não poderia ser mais propício, particularmente pela situação do petróleo hoje em nosso subcontinente.

Apesar da indústria petrolífera existir na América do Sul desde as primeiras décadas do século 20, na Venezuela e na Colômbia, a região nunca teve papel significativo nessa indústria. Sua participação na produção mundial do petróleo sempre foi pequena, nunca chegou a 9%, durante 40 anos. Só a Venezuela teve certo destaque, mas sua produção caiu e nunca voltou ao patamar de 1971. Em 2011, a participação do subcontinente na produção global do óleo continuou baixa, foi de 8,87%. Porém, importantes novidades começaram a acontecer.

Estudo recente da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Brasil (ANP), tomando por base dados da BP Statistical Review, mostra como, nos últimos 40 anos, a partir de 1971, a produção em quatro países sul-americanos – Brasil, Colômbia, Equador e Peru – cresceu simplesmente 800%. A participação desses países na produção petrolífera da América do Sul e Central saltou de 9,8% em 1971, para 51,3% em 2011. Mais que isso, enquanto em 1971 os quatro países contribuíam com 0,92% para a produção mundial, em 2011 participaram com 4,53%. O número ainda é pequeno, mas já não é desprezível. E há outros dados. O consumo de petróleo, por exemplo, no período analisado, foi mais que o dobro da média mundial.

As maiores novidades, contudo, referem-se às reservas de petróleo. A Venezuela galgou uma posição de grande destaque, desde que as reservas do óleo pesado do Orinoco foram “provadas”. Com isto, no Relatório da BP de 2011, a Venezuela passou a ter a maior reserva de petróleo do mundo, 296,5 bilhões de barris, deixando a Arábia Saudita em segundo lugar, com seus 262 bilhões de barris.

Mas não foi só. Nas últimas três décadas, petróleo foi descoberto em partes diversas da América do Sul e, mesmo excluindo o fenômeno venezuelano e o pré-sal brasileiro, suas reservas quadruplicaram. No Brasil, Colômbia e Peru elas cresceram, em 30 anos, 630%; saíram de 2,9 bilhões de barris e foram para 18,3 bilhões. O Equador, no mesmo período, multiplicou por seis suas reservas e entrou para o clube da Opep.

Na Argentina, as descobertas anunciadas em maio de 2011, de hidrocarbonetos de xisto (“shale oil” e “shale gas”) em Vaca Muerta, na província patagônica de Neuquén, fizeram esse país chegar à terceira maior reserva de hidrocarbonetos não convencionais do mundo, depois dos EUA e da China.

Esses fatos têm um grande impacto global. O Mercosul, com a entrada da Venezuela, passou a ser o bloco organizado que detém a maior reserva mundial de petróleo. Tem, ainda, algumas das maiores reservas minerais e os maiores recursos hídricos do planeta. Nas energias renováveis, avanços significativos também são registrados, em eólica, biomassa, solar, e hidroeletricidade de pequenas centrais. O papel geopolítico da América do Sul mudará.

A potencialização desses recursos requer que se discutam as linhas gerais de um modelo energético sul-americano, fruto dos interesses geopolíticos e das experiências nacionais.

No setor do petróleo esse modelo implica em prestigiar e fortalecer as petroleiras estatais, pois, afinal, sem a antiga Yacimientos, da Argentina, a Petrobras, do Brasil, a PDVSA, da Venezuela, a Ecopetrol, da Colômbia, a Petroperu, do Peru, e a Petroecuador, do Equador, o panorama promissor descrito acima não existiria.

Os grandes desafios, financeiros e tecnológicos, cujos exemplos maiores são Orinoco, Vaca Muerta e o pré-sal devem ser enfrentados. Aí só cabem empresas de alto porte, como as estatais e grandes privadas e a morosidade para o início das licitações, por exemplo, no pré-sal, pode levar a perdas de oportunidades.

A exploração em novas fronteiras, terrestres e marítimas, deve ser intensificada, não interrompida. Há que se buscar “nichos” apropriados a empresas menores, em geral locais. Esse caminho permitiu o surgimento de milhares de empresas independentes nos EUA e no Canadá. Ensejou o aparecimento de mais de uma centena de empresas locais na Colômbia. No Brasil, apesar do decidido apoio da ANP, não sensibilizou por enquanto outros setores oficiais.

O que está em pauta não se resume a uma “interligação energética”, necessária e que deve ser feita por meio de gás, de linhas de transmissão, de tecnologias específicas, mas, uma “integração energética” efetiva, que envolva estratégias de desenvolvimento, harmonização regulatória, políticas públicas e relações de governo. O entrosamento entre as Comissões Energéticas, que orbitam a Unasul, e os organismos nacionais especializados, como as agências reguladoras, é fundamental para o desenho das futuras formas integradas. A perspectiva que se abre à frente dos sul-americanos, a de ter um relevante e inédito papel na geopolítica energética mundial, não pode ser desperdiçada.

* Haroldo Lima é ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Brasil e membro do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil

Fonte: Valor Econômico