Manifesto Comunista: cem anos da primeira tradução brasileira e os “ecos” imediatos
Em 15 de dezembro de 1923, há cem anos, era publicado o último fascículo da primeira tradução brasileira do Manifesto Comunista. O tradutor ― o farmacêutico e dirigente comunista de 26 anos ― Octávio Brandão o fez “como um protesto contra as perseguições da polícia aos trabalhadores”. Pode ser considerado como o início do marxismo no Brasil. Nos primeiros dez anos, após a tradução de Brandão, como um “eco”, foram publicados livros que começavam a interpretar o Brasil a partir do materialismo histórico.
Por Fernando Garcia de Faria*
“(…) quanto à tradução do Manifesto vê-se uma vez mais que não parece haver alguém capaz de traduzir o nosso alemão (…) Isto exige um treino de escritor em ambas as línguas, e um treino que não seja meramente o de escrever na imprensa diária. É terrivelmente difícil traduzir o Manifesto (…)”. F. Engels em carta a F. A. Sorge, de 29 de junho de 1883.[**]
Introdução
A tradução brasileira do Manifesto Comunista[***] em 1923, 75 anos depois da publicação original, foi um primeiro resultado do esforço inicial de incorporar o marxismo como linhagem teórica avançada no país. Da mesma forma que a fundação do Partido Comunista do Brasil está inserida na consolidação do partido revolucionário do proletariado brasileiro.
Incorporar a teoria e consolidar o partido foram intentos realizados sob luta renhida e resistência aos ataques anarquistas e policiais. Ambos os marcos registram nitidamente a incipiência da fase anterior e contribuíram com a abertura de possibilidades para desenvolvimento (teórico e organizacional) da fase posterior.
Mesmo considerando o relativo volume de menções feitas sobre a obra de Marx e Engels até 1923, é nítido o não aproveitamento que o movimento revolucionário fez da teoria marxista como instrumento de leitura da realidade. As referências na imprensa são inúmeras, tendo-se, inclusive, dificuldade de apontar qual foi a primeira referência.[1] Marx aparece em artigos e notícias como organizador da Comuna de Paris, dirigente da Associação Internacional dos Trabalhadores, escritor socialista de renome e jornalista de periódicos estadunidenses. E por ocasião do seu falecimento foram feitas dezenas de citações que até iniciam algumas poucas análises, ainda bem débeis, de seus escritos. Entre diversas personalidades que o evocaram teve até Machado de Assis na Gazeta de Notícias em 13 de janeiro de 1885.
É dito, corretamente, que no Brasil o comunismo chegou antes do marxismo, pois foi o Partido Comunista que promoveu a incorporação do marxismo como teoria revolucionária no país.[2] Até o início dos anos 1920, havia um conjunto de publicações com artigos de marxistas estrangeiros, trechos de livros clássicos, resumos publicados na numerosa imprensa sindical e anarquista; mas invariavelmente como uso e recurso retóricos, simples evocação ingênua das categorias marxistas e sem a preocupação de compreensão da realidade a partir daquele novo ideal.
Sair da fraseologia e partir para a compreensão do método dialético como prisma de leitura da realidade seria um próximo passo — ainda que levasse muito tempo, fosse gradativo e com toda sorte de contradições. Esse giro necessário tem como um marco inicial o período entre fins de julho e meados de dezembro de 1923. Pois foi quando o jornal fluminense Voz Cosmopolita publicou em fascículos, entre os números 27 (de 31/7/1923) e 36 (de 15/12/1923), o Manifesto Comunista; sendo a primeira vez que o texto fora publicado em português no Brasil.[3]A tradução foi feita pelo ex-anarquista alagoano de 26 anos, Octávio Brandão ― dirigente do Partido Comunista do Brasil e farmacêutico. Não foi feita a partir do alemão e não precisou passar pelas dificuldades que Engels apontou na epígrafe acima. Foi feita a partir de uma das traduções de Laura Lafargue, do alemão para o francês, em que passou por correções do próprio Engels. Brandão, no seu modo autocentrado, se refere ao caso: “Fiz, pois, uma obra de pioneiro.”[4]
Antecedentes da primeira tradução brasileira
O texto já era mencionado[5] e eventualmente conhecido. O contato se deu através de edições[6] que, provavelmente, vieram com trabalhadores europeus ou foram importadas por livrarias como encomenda já desde o fim do século XIX. A frase final do Manifesto (a saber: “Proletários de todos os países, uni-vos!”) era largamente referenciada e esfumaçava fronteiras entre socialistas e anarquistas.
Em agosto 1896, o jornal paulistano O Socialista colocava em sua lista de indicações de leituras o Manifesto Comunista, de “Carlos Marx” (nessa lista, Engels aparece só com os livros que escreveu sozinho). No número 49 do jornal A Questão Social, de 15 de setembro de 1896, publicava que o “Centro Socialista [de Santos] recomenda a leitura dos livros constantes desta lista e que são encontrados em sua biblioteca.”[7] O segundo da lista, que contém mais de setenta títulos, é o Manifesto. Em 1902, o Manifesto do Partido Socialista Brasileiro ― texto que vinha sendo escrito e debatido desde 1889 e foi subscrito pelos principais socialistas e militantes oriundos das jornadas contra a escravidão e pela República, como Silvério Fontes, Ascendino Reis, Estevam Estrela, Ludgero de Souza, Alceste de Ambris[8], Rina Ranzenigo[9] entre outros ― inicia com um trecho que se apoia clara e abertamente no Manifesto:
A história das sociedades humanas, desde que se constituíram e onde quer que evolvessem, é a história mesma da luta de classes; e desse pugnar incessante resultou, com o decorrer dos tempos, a eliminação de algumas dessas classes, podendo-se atualmente considerar que somente duas permanecem, extremadas em campos adversários, inconciliáveis em seus interesses: tais são a classe da burguesia, e a classe dos assalariados.[10]
A conclusão do manifesto dos socialistas brasileiros se dirige aos trabalhadores e afirma que esse partido “vem fazer um apelo especial (…) exortando-os e parafraseando o brado simbólico de Karl Marx: Proletários de todo o Brasil, uni-vos! Viva o socialismo!”[11]. Como anexo há uma lista de “livros mais recomendados” em que “Le manifeste comuniste” figura em segundo, tendo “Le Capital” como primeiro. Dos doze livros da lista dois são em português, um em italiano e os demais em francês.
Sopé de página da edição de Spártacus (1919) em cima — uma concessão sintomática: anarquistas valorizarem uma menção nacional —; e o dístico “Padeiros do Brasil uni-vos” (1922) [Detalhes de exemplares da coleção do Instituto Astrojildo Pereira (IAP)]
A frase final do manifesto aparece como inspiração em dístico ou sopé de páginas de jornais. É o caso do periódico fluminense anarquista Spártacus de 13 de agosto de 1919 (nº 7) em que tem a mesma frase — de caráter mais nacionalista — do manifesto socialista de 1902. O que chama a atenção é que os anarquistas cultivavam ojeriza por qualquer analogia nacional, mas o sopé desta edição de Spártacus se dobrava à união dos trabalhadores brasileiros. Esses anarquistas, de uma maneira ou de outra, já estavam em crise com suas ideologias e buscavam alternativas mais consequentes para o fim do capitalismo — Spártacus, que era feito sob responsabilidade de Astrojildo Pereira e José Oiticica, é uma expressão inicial dessa transição.
No mesmo sentido há o caso do dístico do jornal fluminense O Panificador, de agosto de 1921, ligado ao sindicato dos trabalhadores em padarias “Trabalhadores! Associai-vos e uni-vos!” Neste caso a expressão aliou a sindicalização com a frase do Manifesto. Meses depois, em janeiro de 1922, o dístico mudou para “Padeiros do Brasil, uni-vos!”. Uma apropriação criativa inspirada no Manifesto.
O jornal fluminense O Despertar, em seu número inaugural de 1º de maio de 1921, traz uma vistosa gravura em que um homem de barbas brancas segura um livro com uma mão e, com a outra, uma bandeira com foice e martelo cruzados e a frase: “Trabalhadores do mundo, uni-vos.” Mais tarde, a partir de 1928, A Classe Operária carregará a mesma frase estampadas por décadas como lema do jornal.
Detalhe da edição de O Despertar em que faz alusão da frase final do Manifesto. A estética, ainda dos anarquistas, se mistura com a perspectiva apontada pela frase na bandeira; com assinatura do autor da gravura ilegível. [Detalhe de exemplar da coleção do Instituto Astrojildo Pereira (IAP)]
A presença da frase final do Manifesto, e suas variações, se tornou mais frequente, como um indício, conforme a corrente anarquista aprofundava sua crise político, teórica e ideológica, por um lado; e chegavam as notícias das vitórias da revolução soviética na Rússia, por outro. As manchetes, as notícias, os autores, em suma, o interesse desses jornais vai modificando lentamente, assim como as ideias anarquistas (ainda muito presentes) vão perdendo espaço paulatinamente para a defesa da Rússia soviética, dos bolchevistas, dos autores comunistas e das notícias da III Internacional.
Antes de 1923, o Manifesto foi traduzido, editado e reeditado em outras línguas e em diversos países, mas a tradução brasileira ainda não havia sido feita. Não há sinal, nas fontes consultadas, dos brasileiros terem tido contato com a tradução portuguesa. Segundo Vasco Magalhães-Vilhena a primeira edição portuguesa do Manifesto é de 1873[12]. Já em inglês a primeira tradução é de 1850[13], apenas dois anos após a publicação do original em alemão. A primeira tradução para o castelhano foi feita pelo histórico militante espanhol José Mesa y Leompart, em 1872[14]; esta foi a base para as edições mexicana (1884) e argentina (1893)[15] — estas duas notabilizam por serem as primeiras da América Latina. Tentativas de tradução e publicação em português houve como a que nos informa Astrojildo Pereira:
Observemos que em São Paulo surgira em 1919, A Vanguarda, “periódico socialista”, em cujo segundo número começou a publicar-se o Manifesto Comunista de Marx e Engels; mas não sei informar se continuou a sair.[16]
Astrojildo tem dúvidas se o jornal continuou a circular e sua coleção de jornais operários tem apenas um exemplar[17] do jornal paulistano A Vanguarda, de junho de 1919. Não há, nesse número, nenhuma informação sobre a tradução (edição que serviu de base ou quem traduziu) e nem referência a prefácios. Aparece com o título modificado (“O manifesto dos comunistas”), apenas um dos autores (“Carlos Marx”), uma apresentação do próprio jornal e já inicia o texto: “Existe um espectro na Europa ― o espectro do Comunismo.” Como vestígio das mudanças dos ventos ideológicos no Brasil, a apresentação feita pelo jornal coloca um propósito para o estudo desse texto:
Enquanto todo mundo se ocupa de socialismo, muitos ignoram completamente quais são as bases da crítica socialista à sociedade atual, e como esta sociedade tenta de inevitavelmente cair para dar lugar a novas formas, mais justas que a de hoje, de convivência social!
Para contribuir a divulgação dos princípios básicos desta crítica à sociedade burguesa, iniciamos a publicação do Manifesto Comunista, escrito em 1848, por Carlos Marx, em colaboração com Frederico Engels. A Vanguarda.[18]
Detalhe da publicação incompleta do Manifesto no jornal A Vanguarda (1919) (SP). [Detalhe de exemplar da coleção do Instituto Astrojildo Pereira (IAP)]
Ao que parece Brandão não conheceu a publicação de A Vanguarda, mas parece ter conhecido a menção feita por Astrojildo. Ao final de sua exposição sobre a tradução, no seu livro de memórias, levanta indícios de que a tentativa de A Vanguarda foi pouco conhecida: “Falam em traduções da obra, antes de 1923. Se é verdade, não tiveram repercussão e adquiriram apenas caráter cronológico. Vivendo no meio dos trabalhadores do Rio de Janeiro, nunca ouvi falar nada a respeito de traduções anteriores (…).”[19] Leandro Konder aponta, ainda que: “(…) em 1919, o engenheiro Georg Magh tinha empreendido uma tradução do famoso texto, que, no entanto não chegou a ser divulgada na íntegra.”[20]
A saga da tradução, a primeira edição em livro e a educação marxista
No início de 1923 o Brasil estava sob estado de sítio e tinha Artur Bernardes recém-empossado presidente da República. O primeiro ano do PC do Brasil foi de perseguição policial e muita resistência. Astrojildo recrutou Octávio Brandão (um dos principais líderes anarquistas do país) e outros tantos operários e militantes para as fileiras comunistas. Essa migração ideológica do anarquismo para o comunismo foi um giro de imenso fôlego, uma operação política de grande complexidade que caracterizou a formação do comunismo brasileiro.
Em abril, Brandão, já membro da Comissão Central Executiva, recebeu a tarefa de dirigir a Comissão de Educação e Cultura, que o colocava como principal responsável, entre outras demandas, pela divulgação e difusão do marxismo para a militância em todo território nacional. Esse trabalho específico de educação era uma orientação da Internacional Comunista e é possível ver em relatório de 6 de janeiro de 1924 que tinha “um triplo objetivo: propagação do comunismo entre as massas operárias, a educação marxista dos aderentes do Partido e a preparação teórica de militantes do Partido.”[21] Para que isso ocorresse seria necessário que nos diversos locais em que o partido estivesse organizado fossem feitos “cursos, prelações, conferências, palestras, leituras em comum etc”.[22] E quando essas atividades de educação marxista não pudessem se realizar por conta de segurança, seriam promovidas “por meio de Centros de Cultura Proletária [que] para esse fim foram criados”.[23] Outro relatório apresenta a perseguição política intensificada entre maio e junho de 1923 que impossibilitou os cursos previstos.[24]
Brandão já tinha em seu currículo a autoria do livro Rússia Proletária. Escrito em 1922, teve a primeira edição impressa em junho de 1923, mas foi logo destruída por causa da perseguição policial. Ele informa a Kuusinen[25], então responsável por agitação e propaganda da IC, através de carta em abril de 1923, que há um trabalho em torno de publicação de livros: “nós já publicamos a brochura polemica do Professor Cristiano Cordeiro ‘Doutrina contra doutrina’ (…)[26] E “nosso Serviço de edições vai publicar duas obras de Bukharin e outros autores estão em curso de edição.”[27] Entre março e maio ele agendou inúmeras conferências que tratariam da defesa da revolução socialista de outubro e da Rússia revolucionária[28], mas o cerco policial estava quase flagrando-o em atividades proibidas. Em resposta à dificuldade de realizar a sua tarefa, na farmácia em que trabalhava:
À vista dos agentes, sentei-me num tamborete junto à escrivaninha e, em maio de 1923, comecei a traduzir o imortal Manifesto Comunista de Marx e Engels, da edição francesa de Laura Lafargue (filha de Marx), revista pelo próprio Engels. Traduzi-o como um protesto contra as perseguições da polícia aos trabalhadores. Terminei a tradução a 25 de julho de 1923. Publiquei-a integralmente no jornal sindical Voz Cosmopolita a partir de 1923.[29]
No número 27 (31/07/1923, p. 3), o Voz Cosmopolita publicou, antes da introdução, o prefácio de Engels 1º de maio de 1890. Ao lado do primeiro fascículo figura a seguinte orientação de estudo, propaganda e agitação em torno do Manifesto:
Pedimos a todos os comunistas e simpatizantes, a todas as associações operarias do Brasil, a todos os trabalhadores de terra e mar, dos rios e lagoas: 1º que leiam três, quatro vezes essa obra de Marx pedra fundamental do comunismo, procurando compreende-la o mais possível; 2º que os proletários travem discussões em torno dela, nos sindicatos, nas fábricas, nos engenhos; 3º que transcrevam essas páginas imortais no maior número possível de jornais, de revistas, etc.; 4º que façam palestras, conferências, em torno dos trechos mais importantes. Só assim o proletariado do Brasil mostrar-se-á digno da causa do proletariado mundial.
Recorte da edição de Voz Cosmopolita que publicou, entre julho e dezembro de 1923, a tradução do Manifesto Comunista feita por Octávio Brandão. Este é o primeiro fascículo. [Detalhe de exemplar da coleção do Instituto Astrojildo Pereira (IAP)]
Em paralelo havia um trabalho em construção para a:
“preparação e homogeneização doutrinária dos militantes do Partido. Nesse sentido se fizeram cursos e leituras comentadas nos vários centros, notadamente no Rio, onde já antes da organização definitiva do Partido se repetia o curso de [Charles] Rapopport, Le Socialisme (professado na École du Propagandiste do PC francês), com ótimos resultados. Leituras em comum foram feitas à matéria do curso do Manifesto Comunista; de O Estado e a Revolução, de Lênin; do ABC do Comunismo de Bukharin; de La crise du socialisme mondial, de Paul Louis; das Teses sobre a estrutura do Partido, etc.”[30]
Há de se perguntar: teria sido essa edição que Astrojildo Pereira levou para o exílio de Luiz Carlos Prestes na Bolívia em fins de 1926? A biógrafa Anita Prestes afirma que foi aí que ele tomou “um primeiro contato com o Manifesto Comunista de Karl Marx e Friedrich Engels”[31]. Por sua vez, Astrojildo se refere ao caso afirmando que “a mala, que levava comigo, estava cheia de livros: tudo quanto pudemos conseguir, na ocasião, de literatura marxista existente no Rio (…)”[32]
Através do Comitê Regional do Rio Grande do Sul, na pessoa de Samuel Speisky, foi publicado, em 1924, a primeira edição (agora unitária), em livro, do Manifesto Comunista. Na publicação não há referências nem quem é o tradutor e nem qual foi o ano da tradução de Laura Lafargue[33].
Foi esta, no Brasil, a primeira tradução e edição completa da obra de Marx e Engels. Acontecimento da maior significação histórica, política e ideológica. Iniciou, no Brasil, o estudo direto do marxismo pelos trabalhadores em geral e operários em particular. Despertou imenso interesse e entusiasmo.[34]
A tradução do Manifesto logo teria sua primeira crítica: a polícia que apreendeu e queimou todos os exemplares que encontrou no Rio de Janeiro. Em Porto Alegre a agência dos Correios confiscou e queimou centenas de livros.
No jornal A Rua – Semanario illustrado, de 4 de julho de 1924, p. 2, um interessante artigo (Como na idade média – No Brasil as ideias vão para o fogo!) noticia a perseguição ao livro e ressalta: “(…) o Brasil é provavelmente o ‘último’ país do mundo onde aparece, em edição própria, o ‘Manifesto Comunista’. Fato já de si bem triste para a história da cultura brasileira.” E continua: “Sociólogos, economistas e historiadores se hão preocupado em estudá-lo, comentá-lo, situá-lo na história das ideias modernas.” A matéria ainda trata das dificuldades:
Editada a brochura, aliás com grande sacrifício de seus editores, todos operários, gente pobre, foi ela remetida em pacotes, pelo Correio, para vários pontos do país. Avisados por carta, muitos dos destinatários das remessas feitas, esperam em vão a chegada dos pacotes.
O artigo conclui que, apesar de toda a perseguição, “nós estamos firmemente dispostos a prosseguir…” Foi possível salvar a maioria dos três mil exemplares dessa primeira edição através de transportes clandestinos organizados pelos militantes comunistas e marinheiros amigos[35]. A primeira edição se espalhou pelo território nacional e realizou a orientação de Brandão: “Cada exemplar era lido e relido. Passava de mão em mão. Multiplicaram-se os estudos coletivos, conversas e debates espontâneos. Os operários meditavam os pensamentos de Marx e Engels.”[36] Conta Brandão que essas conferências foram feitas por ele, Astrojildo e Paulo de Lacerda.[37]
A Comissão de Educação e Cultura, dirigida por Brandão, havia preparado para o início do ano de 1924 uma nova edição do Manifesto, homenagens ao quinto aniversário da IC em que centrava na divulgação de “indicações a respeito da literatura comunista”[38]. Para fevereiro, entre eles, “artigos breves sobre o Comintern, sua fundação, histórico, desenvolvimento, notas sobre seus congressos”.[39] Em março textos sobre a “organização internacional dos trabalhadores da I Internacional à Comuna de Paris.”[40] E, por fim, produção de uma “edição especial do Manifesto Comunista”.[41]
Em documento intitulado A Reação no Brasil — Apelo aos trabalhadores de todos os países, por conta das pesadas perseguições que o PC do Brasil vinha sofrendo já há um ano e meio, o então Secretário Internacional (Octávio Brandão) apresenta diversos fatos de violência policial e, entre eles, detalha que:
(…) nos momentos de perseguição, seu ódio maior concentra-se nos livros revolucionários. Carrega todos os que encontra. Deixa as estantes vazias. O fato de possuir um livro de Lênin já é uma condenação. Em abril ou maio deste ano, a agência dos Correios de Porto Alegre mandou queimar centenas de exemplares do “Manifesto comunista” de Marx-Engels — traduzido e editado pela primeira vez no Brasil! Em maio foi preso em Recife por ordem da polícia do Rio de Janeiro, o camarada José Cavalcanti, por ter recebido um caixote com 150 exemplares do livro Rússia Proletária, escrito por um de nossos companheiros. José Cavalcanti ficou preso durante cinco dias e os 150 exemplares, no valor de 450$000 foram confiscados. Esse livro foi editado duas vezes, sendo que parte da primeira edição foi queimada em junho de 1923, para não cair nas mãos da polícia que, logo depois, invadia a tipografia.[42]
Para Astrojildo e Brandão a sobrevivência do partido revolucionário no Brasil dependia também da boa relação com a IC. De classe operária diminuta, sem tradição de marxismo, com um território imenso — sem a contribuição da instância internacional e sem fazer parte do partido comunista mundial —, eles entendiam que o PC do Brasil não teria muitas chances. Em outubro de 1924, Brandão enviou uma carta diretamente para Giorgi Zinoviev, o presidente da Internacional Comunista, afirmando sobre as perseguições que “a situação é dolorosa”[43]. E pedia informação se haviam recebido “as nossas edições: do ‘Programa Comunista’, de Bukharin, do ‘Manifesto Comunista’, de Marx e do livro ‘Rússia Proletária’”[44]
Gravura de panfleto de 1º de maio de 1926 ilustrando a frase final do Manifesto. [Biblioteca Nacional]
A publicação do Manifesto teve um papel educativo inaugural.[45] Sua edição em fascículo e em livro fez parte do primeiro passo na divulgação de ideias fundamentais do marxismo, de forma sistematizada, para a primeira geração de comunistas (oriundos, sobretudo, do anarquismo) — em geral operários, trabalhadores, desempregados — e isso se encarregou, em alguma medida, de amalgamar ideologicamente essa militância que construiu os primeiros anos de resistência e desenvolvimento do partido dos comunistas.
Nova teoria garatuja a realidade
E afora a necessidade de apresentar um livro clássico do marxismo para essa militância, há um esforço de compreender os fenômenos políticos, sociais e econômicos a partir de laivos do marxismo elaborado até aquele momento (caracterizado também como marxismo da III Internacional, comunismo ou mesmo marxismo-leninismo). A tradução e edição do Manifesto e o livro Rússia Proletária caminharam nesse sentido. Lacerda nos afirma que Astrojildo e Brandão redigiram um relatório sobre a situação do país em outubro de 1923, como “uma das primeiras tentativas comunistas de um olhar mais atento à sociedade brasileira”[46].
Nos dez anos seguintes após a publicação em fascículos do Manifesto,[47] três obras[48] figuraram entre as inauguradoras do marxismo no Brasil. E as três estão interligadas, no mínimo, por terem sido as primeiras tentativas de interpretar o Brasil à luz do marxismo. Para além de tentar instituir qual livro inaugurou o marxismo no Brasil, há de se notar que foi um momento de criação da atmosfera em que o movimento operário brasileiro se desvinculava do anarquismo, o Partido Comunista do Brasil se desenvolvia e as ideias de Marx e Engels penetravam círculos intelectuais variados. Os três livros foram produtos de um ambiente de necessidades de reinterpretar o Brasil sob novas ideias.
Dístico do jornal A Classe Operária que permanecerá junto ao nome do jornal até o século XXI. [Biblioteca Nacional]
A primeira foi a que teve mais proximidade da tradução do Manifesto em 1923. É o livro do próprio Octávio Brandão Agrarismo e industrialismo – ensaio marxista-leninista sobre a revolta de São Paulo e a guerra de classes no Brasil – 1924, escrito no calor da hora, nas semanas seguintes à revolta. Quando ainda um manuscrito, Brandão enviou a alguns camaradas para que recebesse críticas à primeira redação. É caso contado na carta manuscrita enviada ao alto dirigente da IC, Stirner[49], de 30 de setembro de 1924, em que diz enviar junto com a carta um “longo estudo que fizemos em torno da revolta de 5 de julho de 1924. Procuramos explicá-la debaixo do nosso ponto de vista marxista. Não sabemos se o conseguimos, em razão de sermos ainda aprendizes no assunto. Pedimos-lhe sua opinião sobre o estudo e, ao mesmo tempo, retifique os erros nos comunicando.”[50] A carta segue detalhando a difícil situação de clandestinidade já por três meses, mas que ele, Astrojildo e Luiz Perez estavam cumprindo as tarefas partidárias. Foi sob fuga que o “estudo” foi redigido. Um marco da interpretação da realidade brasileira surgiu sob o tacape da repressão. Sem resposta sobre seus possíveis “erros” teóricos, duas semanas depois Brandão voltou a escrever a Stirner cobrando uma avaliação: “Perguntamos quais as falhas que encontrou neste estudo. Somos principiantes e precisamos ser orientados e criticados.”[51]
Com redação que passou por modificações, tendo o seu autor assumido, inclusive, a condição de “aprendiz” do marxismo, finalmente, Agrarismo e industrialismo foi publicado em1926 (com 2ª edição apenas em 2006). O autor precisou se proteger com um pseudônimo, Fritz Meyer, e o endereço da edição foi colocado como se tivesse sido feito na Argentina; para despistar a repressão. Essa elaboração subsidiou o 2º (1925) e o 3º (1928-29) congressos do PC do Brasil. A tentativa de maior esforço de compreender os fenômenos políticos e econômicos brasileiros a partir do materialismo histórico, feita por Brandão em diálogo com Astrojildo, perdurou por pelo menos cinco anos.
Brandão caracterizou a luta de classes naquele momento do Brasil a partir de categorias marxistas. Descreveu o conflito entre os interesses da indústria e do campo e como deveria ser traçada a tática dos comunistas naquele momento. Fez descrições importantes do funcionamento da ação do imperialismo no país, ainda que com visão mecanicista. Seu mérito foi ter tirado do zero uma análise marxista da realidade brasileira, mesmo com a dúvida se conseguiu elaborar sob o ponto de vista marxista.
As críticas nem sempre consideraram o mérito, como apontado por João Quartim de Moraes, que “insistir na artificialidade desta ‘dialética’ [contida em Agrarismo…] seria arrombar porta aberta, mas, diferentemente do que sugeriram críticas preconceituosas, quando não francamente debochadas, estas e outras fantasias intelectuais do livro são muito menos importantes do que suas qualidades (…)”[52] Diferente da historiografia e análises políticas em voga na época, em Agrarismo e industrialismo, há uma materialidade da história, ao mesmo tempo que a pesada herança anarquista ainda repelia a dialética — categoria fundamental do marxismo. De qualquer forma, com suas contradições, o livro aponta tendências de maior compreensão da objetividade do marxismo.
A segunda é o de Edgard de Castro Rebello — talvez o primeiro acadêmico no Brasil a se autointitular marxista —, Mauá ― restaurando a verdade, de 1932. O livro é uma resposta à biografia de Mauá escrita por Alberto de Faria (1926) que fez uma defesa desmedida do empresário. Rebello publicou na revista Cultura uma resenha alentada, em 1928, e anos depois publicou o livro. Nele critica a ideia liberal construída por Faria que tem uma “intenção política”, cria uma “história encomiástica” e faz “apologia incondicional do individualismo”.
Rebello destrincha as características do empresário a partir dos fatos e reapresenta o personagem Mauá revelando um homem interessado em multiplicar sua fortuna sem se preocupar com a nação; um patrocinador da guerra contra o Paraguai (que lhe rendeu “altos negócios”[53]). Recebedor de volumosas subvenções estatais, articulador privilegiado que tratava das pautas de interesse próprio junto ao parlamento e à Corte — em geral sem beneficiar o povo ou a nação — e detentor do monopólio de diversos empreendimentos. Com isso, Rebello traz à tona, de forma crítica e materialista, ainda que limitada, o funcionamento desse embrionário capitalismo brasileiro. Segundo Carone “deve-se a Castro Rebello a primazia de uma interpretação marxista da história do Brasil”.[54]
Evaristo de Moraes Filho afirma que “O marxismo de Castro [Rebello] coadunava-se também com as correntes científicas do século XIX, sendo [Enrico] Ferri uma de suas leituras constantes.”[55] Rebello aliou a leitura da realidade a partir das ideias do marxismo, mas também teve, em alguma medida, uma militância em torno de temas próximos ao comunismo, como foi o caso da proibição à “homenagem pública em memória de Lênin a 23 de janeiro de 1927, Castro recorreu ao Supremo Tribunal e obteve ganho de causa.”[56] Não houve, da parte de Castro Rebello uma militância no PCB, mas segundo Astrojildo ele chegou a citar elogiosamente a revista Movimento Comunista.[57]
A terceira é o livro de Caio Prado Jr., Evolução Política do Brasil: ensaio de interpretação materialista da história brasileira, de 1933, publicado há 90 anos. Melhor recebido em ambientes universitários, o primeiro livro de Caio Prado não se pretendeu fazer uma “história completa”, mas uma “síntese da evolução política”. Usou, como foi colocado no prefácio à primeira edição, “de um método relativamente novo — refiro-me à interpretação materialista — de analisar a história brasileira”[58]. Caracteriza a Independência como “fruto mais de uma classe que da nação” (p. 53) e joga luz à Cabanagem, Praieira e Balaiada como “as principais revoluções populares da época” (p. 8). Dono de uma erudição incomum aos comunistas daquele momento, Caio Prado, oriundo da aristocracia paulista, deixou o projeto político da sua classe de origem e vinculou-se ao Partido Comunista do Brasil, ainda no início dos anos 1930 — pelo qual foi eleito, inclusive, deputado estadual em São Paulo. Se tornou um dos principais historiadores marxistas do século XX no país, tendo uma interpretação original do capitalismo e da revolução brasileiros.
Sobre o ensaio de Caio Prado, Leandro Konder afirma que o historiador paulista se comprometeu com o projeto revolucionário e precisou “reconstituir o quadro, compreender os problemas postos pela vida, avaliar as condições materiais, para poder entender criticamente, as iniciativas, as propostas, os anseios, o ânimo com que os homens se movem na arena de luta na qual se veem colocados.”[59] E afirma que Evolução Política foi “a comprovação inequívoca de certas possibilidades de reflexão crítica sobre a realidade brasileira”[60]
Na alentada biografia política do historiador paulista, Luiz Bernardo Pericás afirma que foi “em Evolução Política do Brasil que Caio Prado Junior discutiu pela primeira vez em livro o papel do latifúndio, tema que será recorrente em sua obra ao longo de anos. A importância da ‘questão agrária’ e a justa compreensão das herdades já estava colocada como elemento de estudo e combate político desde aquele momento.”[61] O biógrafo também aponta que os “definidores do caráter do conjunto colonial, por sua vez, seriam a grande propriedade agrícola voltada para a monocultura de exportação e a utilização de mão de obra escrava.”[62] Mesmo com essa grande originalidade é possível encontrar crítica rigorosa. É o caso de, um dos maiores sociólogos brasileiros, Florestan Fernandes, que elogia o trabalho, mas que em sua opinião Evolução Política do Brasil “resvala por lapsos lógicos, descritivos e interpretativos que mereceriam reparos de marxistas experimentados”.[63] A crítica de Florestan tem implícito que entre 1923 e 1933, mesmo que a teoria tivesse se desenvolvido bastante, ainda haveria um caminho longo e tortuoso para o marxismo brasileiro trilhar.
Os três livros resultantes da atmosfera marxista que aos poucos ganhou intelectuais e militantes brasileiros nos anos 1920 e 1930. [Reprodução]
As fontes consultadas não revelam se Castro Rebello e Caio Prado tiveram contato com a tradução de Brandão. Não importa para uma visão mais geral, pois o que mais vale é dar atenção ao novo ambiente de ideias que fora lançado, mesmo que tímido no início. Dessa forma, entendemos, encerrou uma primeira fase dez anos após a publicação da tradução brasileira, em 1923, do Manifesto Comunista. O marxismo no Brasil surge doutrinário e, ao mesmo tempo, se desenvolve trilhando um caminho original. Com uma trajetória acidentada, contraditória, cheia de idas e vindas, com dificuldades de vários tipos, a interpretação do processo histórico brasileiro ganha uma ótica nova, materialista, objetiva e avançada. Sobre esse momento do marxismo no Brasil, João Quartim de Moraes analisa que:
A teoria, ou mais exatamente, a doutrina, era concebida como um estoque de preceitos, conceitos e critérios analíticos entesourados nas obras consagradas do socialismo científico. O que não excluía a originalidade de pensamento e agudeza de análise a respeito da sociedade brasileira.[64]
Edgard Carone vai na mesma linha afirmando que na década de 1930 é que surgem “obras mais maduras sobre o nosso passado”[65], se referindo a Castro Rebello e Caio Prado Junior. E nesse início, mesmo que limitado, “é o marxismo que permite a interpretação dos nossos problemas políticos e históricos, num sentido mais profundo e total.”[66] Vale lembrar que, ao mesmo tempo, há uma mudança drástica, ampla, crítica e moderna na produção historiográfica, para além dos marxistas, com Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda. Sendo, o marxismo, um importante pilar dessa modernidade.
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Outras dezenas de edições do Manifesto Comunista em diversos formatos foram publicados no Brasil[67]. Foram editados com prefácios e comentários de Marx, Engels e seus contemporâneos; às vezes com autores importantes do mundo comunista, às vezes com desconhecidos do público mais amplo. Se alguém levar a cabo o cotejamento dos textos, provavelmente se deparará com muitas diferenças nas traduções, mas que no fundo não devem perder o sentido geral da obra. Algumas têm reimpressões e novas edições, outras são de baixa tiragem. A variedade se tornou imensa nas últimas décadas, pois tem edições brasileiras em livro eletrônico, quadrinhos, áudio livro, cordel e mangá.
A tradução do Manifesto em 1923 foi de baixa tiragem, com uma tradução apressada, amadora e sem grandes possibilidades de cotejamento. É certo. Seguramente foi ignorada por grande parte dos marxistas dos anos 1920 e 1930 que podiam ter acesso às obras em outras línguas e edições mais “profissionais”. Não há dúvida.
No entanto, a tradução de Brandão, mesmo que tardiamente, foi um pilar do início do desenvolvimento do marxismo no Brasil. Não fosse ele, outro faria, com certeza. Mas foi sob as circunstâncias do Partido Comunista do Brasil que calhou dele conjuminar, naquele momento, o avanço da teoria marxista com as necessidades da organização revolucionária pela primeira vez. Demoraria ainda décadas para o marxismo se firmar como corrente de pensamento no Brasil, mas o primeiro passo foi dado há um século.
É possível criticar Brandão pelos autoelogios, mas ele tem razão: foi “uma obra de pioneiro. (…) Acontecimento da maior significação histórica, política e ideológica”.
* Historiador pela PUC-SP, mestre e doutorando na História Econômica da USP, coordenador do Centro de Documentação e Memória (CDM) da Fundação Maurício Grabois.
** MAGALHÃES-VILHENA, 1986, p. 37.
[***] O livro foi publicado com o título de Manifesto do Partido Comunista, entretanto, em vida, tanto Marx quanto Engels, chamaram o livro de Manifesto Comunista, tendo vasta bibliografia que explica a modificação. Chamaremos aqui de Manifesto Comunista ou, simplesmente, Manifesto — respeitando, inclusive, o nome da primeira edição brasileira.
[1] É possível que a primeira vez (ou, pelo menos, uma das primeiras) tenha sido no Diário de São Paulo (nº 1.678) em 6 de maio de 1871, p. 1, com o seguinte: “É em Londres que organizou-se a revolução de 18 de março. Em Paris a revolução foi preparada pelos srs. Karl Marx, prussiano e chefe supremo da Internacional; Assi, agente geral para a França; Bentini, agente geral para a Itália, e Dermot, agente geral para a Inglaterra.” A matéria tenta explicar o ocorrido em Paris após a crise aberta ao fim da guerra franco-prussiana, que passou a chamar Comuna de Paris. A citação está no contexto de nomear os responsáveis pela tentativa de revolução.
[2] “Se no início os brasileiros tinham poucas possibilidades de acesso à literatura dos fundadores do socialismo científico, a partir da fundação do Instituto Marx-Engels, de Moscou, em 1920, e da ligação orgânica do partido brasileiro com a Internacional, [foi possível] traduções das obras marxistas para o francês e o espanhol, feitas na Rússia (…)” POMPE, 1993, p. 41-42.
[3] O dirigente comunista Astrojildo Pereira confirma: a “primeira edição brasileira [do Manifesto] data de 1923, foi publicado antes em números sucessivos da Voz Cosmopolita”. “Primeiros dias do Partido” In:Novos Rumos nº 56, p. 12 (25-31/3/1960).
[4] BRANDÃO, 1978, p. 242.
[5] Por exemplo, nos jornais burgueses há referências ao Manifesto para ilustrar ação “extremada” de anarquistas, grevistas, socialistas. Há também as referências que os militantes anarquistas, sindicalistas fazem ao Manifesto quando começam a se apropriar dessas ideias. Como, por exemplo, o caso de Joaquim Pimenta cita o Manifesto em artigo “A Luta de classes em facedo direito moderno” In: O Jornal 4 de janeiro de 1921, p. 1. Em sessão na Câmara dos Deputados de 5 de setembro de 1917 o deputado Barbosa Lima tenta convencer o plenário que o ataque aos trustes estadunidenses pelos socialistas são para justificar “a profecia do Manifesto Comunista”. In: Anais da Câmara do Deputados, 1917, vol. VI, p. 350.
[6] Para Astrojildo: “É de crer, no entanto, que sua divulgação [do Manifesto], embora limitada, se fizesse anteriormente [a 1923], não só em alguma edição portuguesa como de preferência em italiano, espanhol e alemão, idiomas de numerosa imigração, além de possíveis edições em francês ou inglês, mais lidos entre as camadas de intelectuais de tendência socialista ou simples estudiosos das questões sociais. Não possuo, porém, nenhuma informação precisa a esse respeito.” PEREIRA, 2022 [1963], p. 382.
[7] TURCI, 2007, p. 153.
[8] Alceste de Ambris, líder socialista italiano chegou ao Brasil em 1898 e se incorporou às lutas locais. Voltou para a Itália cinco anos depois.
[9] Rina Ranzenigo foi representante do Grupo Socialista Feminino de Ribeirão Preto (SP).
[10] “Partido Socialista Brasileiro ― O Conselho Geral do Partido ― Aos habitantes do Brasil, especialmente aos proletários — Manifesto” In: O Estado de S. Paulo, 28 de agosto de 1902, p.3. Boris Fausto afirma, com razão, que o “manifesto introdutório ao programa oscila entre um ritualismo marxista e a defesa de um partido democrático policlassista. Toda a sua primeira parte inspira-se no Manifesto Comunista.” FAUSTO, 1977, p. 100.
[11] Vamireh Chacon afirma que “Através de Silvério Fontes começa a consolidar-se o predomínio das ideias de Marx no movimento proletário brasileiro. Embora o manifesto socialista de 1889, com segunda redação em 1895 e redação final em 1902, concluísse exortando ‘Proletários de todo o Brasil – uni-vos”, numa paráfrase a Marx, ainda cita o francês [Jean] Jaurès – O socialismo francês ainda competia com o alemão.” CHACON, 1981, p. 179. Silvério também é lembrado por ter aderido ao Partido Comunista do Brasil, como é ressaltado no artigo de Astrojildo Pereira sobre o médico sergipano “Silvério Fontes — pioneiro do marxismo no Brasil” In: Revista Estudos Sociais, nº 12, abril de 1962, Rio de Janeiro, p. 404-410. Jaime Franco, para a biografia de Martins Fontes, filho de Silvério, contextualiza a vida militante apontando que “Dr. Silvério Fontes organizou, em 1889, em companhia de Sóter Araújo e Carlos Escobar, o primeiro Centro Socialista da América [sic], para a ação política, redigindo a 12 de setembro de 1889, seu vatídico Manifesto Socialista ao Povo Brasileiro que ante as dificuldades criadas pela polícia, somente foi publicado, em seção paga, ineditorial, no jornal paulista ‘O Estado de S. Paulo’, a 28 de agosto de 1902 (…)” FRANCO, 1942, p. 258.
[12] MAGALHÃES-VILHENA, 1986, p. 45.
[13] “A primeira tradução em inglês do Manifesto Comunista foi feita por Helen McFarlane e publicada em Londres, em 1850, no Red Republican, editado por George Julian Harney. Mais tarde, insatisfeito com as diferentes versões norte-americanas do livro, que eram até reproduzidas na Inglaterra, Engels apoiou uma nova tradução, feita por seu amigo Samuel Moore e publicada em 1888, que seria a ‘versão autorizada’ em inglês, editada e anotada por ele próprio.” In: PERICÁS, 2016, p. 290 [nota].
[14] LÓPEZ, David Paradela, 2023.
[15] TARCUS, 2013, p. 303.
[16] PEREIRA, 1990, p. 87. Este texto faz parte do roteiro que Astrojildo usou para uma conferência na Associação Brasileira de Imprensa, em julho de 1947, sob vigência das comemorações dos 25 anos do Partido Comunista do Brasil. Astrojildo também cita que em 1911 iniciou-se a publicação em jornal de uma tradução do Manifesto. Mas não vai além dessa informação vaga. PEREIRA, 2022 [1963], p. 382.
[17] Agradecemos a informação prestada muito generosamente por Renata Cotrim e José Luís Del Roio que nos indicaram o exemplar na coleção de Astrojildo que está em posse do Instituto Astrojildo Pereira (IAP).
[18] A Vanguarda, de 2 de junho de 1919, nº 2 (p. 3).
[19] BRANDÃO, 1978, p. 242.
[20] KONDER, 2009, p. 178.
[21] “Relatório trimestral” de 6 de janeiro de 1924, p. 11. [IAP/ASMOB — CEDEM/UNESP — ic-1043]
[22] Idem.
[23] Idem.
[24] “Relatório trimestral” de 10 de abril de 1924 p. 7. [IAP/ASMOB — CEDEM/UNESP — ic-1045]
[25] Otto Wilgemovitch Kuusinen (1881-1964) foi histórico militante socialdemocrata finlandês. Foi membro da direção da II Internacional, presidiu o PSD da Finlândia e foi um dos fundadores do Partido Comunista daquele país. Membro do CEIC, esteve responsável pela Organização e pela Agitação e Propaganda. É nessa condição que troca correspondência com Octávio Brandão. JEIFETS; JEIFETS, 2015, p. 335.
[26] Carta “Au Secretariat de Culture du CEIC, Cher Camarade Kuusinen”, de 13 de abril de 1923. [IAP/ASMOB — CEDEM/UNESP — ic-0115]
[27] Carta “Au Secretariat de Culture du CEIC, Cher Camarade Kuusinen”, de 13 de abril de 1923. [IAP/ASMOB — CEDEM/UNESP — ic-0115] Há uma lista de livros publicados pela estrutura partidária nos anos 1920 em que são apresentadas por Lincoln Secco: de Cristiano Cordeiro Doutrina contra doutrina (1922); de Bukharin, O comunismo científico e o anarquismo (1923) e o Programa Comunista (1923); de Marx e Engels, Manifesto Comunista (1924); entrevista do cel. Robine com Lênin, O cidadão e o produtor (1923); da Comissão de Educação e Cultura, Abededário dos trabalhadores (1923), Abre teus olhos trabalhador, (duas edições, 1924 e 1925), O Paiz e o governo dos trabalhadores (1925); de Souza Barroso, A situação da classe trabalhadora em Pernambuco (1925); de Rappoport, Noções do comunismo (1924); e de Octávio Brandão, Rússia proletária (1924); In: SECCO, 2013, p. 35-36.
[28] BRANDÃO, 1978, p. 242-243.
[29] BRANDÃO, 1978, p. 242.
[30] “Relatório ao CEIC”, de 1º de outubro de 1923. [IAP/ASMOB — CEDEM/UNESP — ic-0125]
[31] PRESTES, 2015, p. 104.
[32] PEREIRA, 2012, p. 130.
[33] LACERDA, (2017) p. 48. Edgard Carone ainda detalha que, em seu exemplar, Astrojildo Pereira indica “inúmeros reparos ao trabalho de Octávio Brandão, e assinala erros tipográficos, de vocabulário e liberdade de adaptação, o que não quebra de maneira nenhuma a força da tradução. O esforço é, de qualquer maneira, de capital importância para a nossa história do marxismo, pois é o primeiro livro de Marx e Engels a sair integralmente no Brasil, fato que se repete unicamente a partir de 1932. (Não se trata aqui de reedições da mesma obra, mas de outros títulos.)” CARONE, 1991, p. 73.
[34] BRANDÃO, 1978, p. 242.
[35] Idem.
[36] Idem.
[37] Idem.
[38] “Anexo nº 11”, s/d, p. 2. [IAP/ASMOB — CEDEM/UNESP — ic-0395]
[39] Idem.
[40] Idem.
[41] Idem.
[42] “A Reação no Brasil — Apelo aos trabalhadores de todos os países”, de 8 de outubro de 1924, p. 1. Assinado pelo “Secretário Internacional do Partido Comunista do Brasil” [IAP/ASMOB — CEDEM/UNESP — ic-0610]
[43] Carta manuscrita ao “Camarada Zinoviev”, de 15 de outubro de 1924, p. 1 [IAP/ASMOB — CEDEM/UNESP — ic-0151]
[44] Idem.
[45] O Manifesto fez parte das leituras na maioria dos cursos que foram dados nesses três primeiros anos após a fundação do Partido. Octávio Brandão, em relatório, detalha os temas desses cursos, os livros dados e os professores: Astrojildo (marxismo), José Elias (estudos históricos), Paulo de Lacerda (noções gerais de direito), Octávio Brandão (revolução russa e noções gerais da vida e do universo — como preliminar para a explicação do materialismo dialético). E havia um programa de educação que foi aprovado pela CCE. Carta manuscrita ao “Camarada Bela Kun — Seção de Agitação e Propaganda da IC”, de 18 de novembro de 1924, p. 9. [IAP/ASMOB — CEDEM/UNESP — ic-0150] A busca por capacitação teórica e ideológica dos militantes comunistas era um movimento internacional. O CEIC, em 1926, unificou Universidade Comunista dos Trabalhadores do Oriente (fundada em 1921) e a Universidade Comunista das Minorias Nacionais do Ocidente (fundada em 1922) em torno da Escola Leninista Internacional (ELI). O intuito geral era dar suporte à preparação dos quadros revolucionários profissionais dos mais diferentes países a partir do marxismo soviético. In: SCHELCHKOV, 2016, p. 228-231.
[46] LACERDA, 2019, p. 169.
[47] Nos informa Karepovs que “Pouco tempo depois de sua publicação. No início dos anos 1930, a tradução de Brandão foi revista e corrigida por Lívio Xavier e publicada em três edições na primeira metade daquela década, por editoras vinculadas aos trotskistas brasileiros, dos quais Xavier fazia parte.” KAREPOVS, 2022, p. 382. Ou seja, é possível que durante uma década a tradução de Brandão tenha sido a única edição brasileira que esteve disponível no país.
[48] Konder chama a atenção para outros dois livros: O Socialismo no Brasil — esboço de um programa de ação socialista, de Antonio Piccarolo (primeira edição de 1908, com segunda saída na Itália em 1909 e terceira em 1932). O socialista italiano pendia para um materialismo mecânico a partir de leitura enviesada do livro de Engels Do socialismo utópico ao socialismo científico. E ao Evolução do Estado no Brasil, de Antonio dos Santos Figueiredo (1926) que, segundo Konder, era tributário de um “materialismo contemplativo” que não tinha uma “compreensão materialista da práxis humana, da ação material pela qual os sujeitos humanos estão sempre modificando a realidade objetiva e se transformado a si mesmos (…)”. Além disso, havia um ecletismo grande na sua abordagem. KONDER, 1989, p. 133-134. Consideramos que as características desses livros, apesar de se se aproximarem do marxismo, não correspondem aos critérios para colocá-los na lista das primeiras obras marxistas de interpretação do processo histórico brasileiro. Se encontram, pois, ainda, na fase da retórica marxista.
[49] Alfred Stirner, pseudônimo de Edgar Woog (1898-1973), nascido na Suíça, foi membro da Juventude Socialista da Suíça, trabalhou na redação do jornal socialista juvenil Freie Jugend. Foi para o México e lá foi um dos fundadores da Federação da Juventude Comunista do México, sendo o representante deste país na Internacional Juvenil Comunista. Passou a ter contato com diversos partidos e organizações na América Latina, o que lhe deu credenciais para, em dezembro de 1922, ser nomeado assessor do Comitê Executivo da Internacional Comunista para a América do Sul. É nesta condição que troca correspondência com Octávio Brandão. JEIFETS; JEIFETS, 2015, p. 655. A troca de cartas já havia levado a Stirner um exemplar de Rússia Proletária — em Carta manuscrita ao “Caro camarada Stirner” de 19/03/1924. [IAP/ASMOB — CEDEM/UNESP — ic-0138]
[50] Carta manuscrita ao “Caro camarada Stirner” de 30/09/1924. [IAP/ASMOB — CEDEM/UNESP — ic-0140]
[51] Carta manuscrita ao “Caro camarada Stirner” de 15/10/1924. [IAP/ASMOB — CEDEM/UNESP — ic-0141]
[52] MORAES, 2006, p. 15.
[53] REBELLO, 1932, p. 12-21.
[54] CARONE, 1973, p. 346.
[55] MORAES FILHO, 2003, p. 51.
[56] Idem.
[57] PEREIRA, 2012, p. 86.
[58] PRADO JR., 2001, p. 7.
[59] KONDER, 1989, p. 138.
[60] KONDER, 1989, p. 139-140.
[61] PERICÁS, 2016, p. 53-54.
[62] PERICÁS, 2016, p. 54.
[63] FERNANDES, Florestan. Obra de Caio Prado nasce da rebeldia, In: Folha de S. Paulo, 7 de setembro de 1991. Apud PERICÁS, 2016, p. 54 [306, nota].
[64] MORAES, 1995, p. 56. A continuação é elucidativa: “A característica mais notável, com efeito, da fase de pioneirismo intelectual do comunismo em nosso país, é o contraste entre a concepção espessamente dogmática da teoria e a pertinência de muitas de suas observações e, até, previsões sobre a dinâmica objetiva do processo histórico nacional. É ironia fácil argumentar que Octávio Brandão, Astrojildo Pereira e outros pioneiros do comunismo brasileiro conseguiam observar lucidamente a sociedade e a cultura que os cercavam quando, e somente quando, se esqueciam do arsenal doutrinário marxista-leninista para falar do que viam. O argumento verdadeiro é mais complexo. A fecundidade teórica do materialismo histórico, mesmo quando utilizado em sua vulgata, é tanta, mormente levando em conta a indigência intelectual das classes dominantes — e portanto da cultura dominante —, que as ideias políticas dos primeiros intelectuais marxistas brasileiros desvendaram a dinâmica da evolução nacional na crítica conjuntura do final dos anos 1920 com muito maior lucidez (notadamente no que concerne aos efeitos catastróficos da crise mundial — que Brandão e Astrojildo, apoiados em seu marxismo rudimentar, previram com muita antecedência — sobre a monocultura cafeeira de exportação) do que os intelectuais das classes dominantes. Em face da retórica vazia dos liberais encardidos e o culturalismo conservador dos ‘autoritários’, a análise política do Brasil de então que nos oferecem aqueles dois jovens intelectuais comunistas mostrou-se incomparavelmente mais próxima do curso objetivo do processo histórico.” (p. 56-57).
[65] CARONE, 1973, p. 346.
[66] Idem.
[67] Horácio Tarcus afirma que o Brasil foi um dos últimos países da América Latina — de classe operária mais volumosa — a publicar o Manifesto em sua língua pátria. Por outro lado, é o que tem maior volume de tiragem, versões e edições. Pode chegar a mais de duas centenas de edições. As informações se encontram em sua palestra em homenagem ao centenário de Edgard Carone, no Museu Republicano de Itu, em https://www.youtube.com/watch?v=aBHZvfTPENU&t=50s&ab_channel=TVGrabois no intervalo entre 1h 35min 55s e 1h 38min 45s.
Periódicos consultados
O Estado de São Paulo, Diário de São Paulo, Gazeta de Notícias, A Rua – Semanario illustrado, O Socialista, Revista Estudos Sociais, Brazil Operario, Anais da Câmara dos Deputados, A Questão Social, O Jornal e A Classe Operária.
Jornais utilizados da coleção de periódicos do Instituto Astrojildo Pereira (IAP): Voz Cosmopolita, O Panificador, O Despertar, Novos Rumos, Spártacus e A Vanguarda.
Acervos do Instituto Astrojildo Pereira (IAP) e do Centro de Documentação e Memória (CDM) da Fundação Maurício Grabois foram consultados.
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