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João Quartim de Moraes fala sobre o legado de Nelson Werneck Sodré

28 de novembro de 2024
Em entrevista para o Portal da FMG, o professor João Quartim de Moraes fala sobre o curso Pensadores Nacionalistas Brasileiros. Quartim é o responsável pela aula sobre Nelson Werneck Sodré

Em entrevista para o Portal da FMG, o professor João Quartim de Moraes fala sobre o curso Pensadores Nacionalistas Brasileiros. Quartim é o responsável pela aula sobre Nelson Werneck Sodré.

A Fundação Maurício Grabois (FMG), por meio da Cátedra Claudio Campos, lançou na última semana, em sua plataforma de EAD (https://grabois.eadbox.com/), o curso Pensadores Nacionalistas Brasileiros. São oito aulas sobre os grandes intelectuais nacionalistas do século XX oferecidas por especialistas do pensamento nacional-desenvolvimentista.

O curso trata de autores como Ignácio Rangel, Getúlio Vargas, Maria da Conceição Tavares, Celso Furtado, Nelson Werneck Sodré, Alberto Guerreiro Ramos, Álvaro Vieira Pinto e Roland Corbisier.

Leia mais: FMG lança curso sobre pensadores nacionalistas brasileiros dia 15/11

Para conhecermos um pouco do que estará disponível no curso, o Portal da FMG conversou com o professor João Quartim de Moraes, responsável pela aula sobre Nelson Werneck Sodré. Na entrevista, Quartim fala sobre a importância do curso e apresenta um pouco do legado de Sodré. “Sodré foi autor da mais importante obra de análise marxista da sociedade brasileira”, avalia Quartim.

Confira abaixo:

Quartim, a FMG lança nesta semana o curso Pensadores Nacionalistas Brasileiros. Na sua opinião, qual a importância de conhecermos esses pensadores?

Eles pensaram em profundidade a sociedade e a cultura de nosso país. Os mais avançados politicamente vincularam a defesa da nação e de seus interesses fundamentais à luta anti-imperialista e à causa do povo.

Você é o responsável por dar a aula sobre o historiador marxista Nelson Werneck Sodré. Quem foi Werneck Sodré?

Militar de carreira, foi autor da mais importante obra de análise marxista da sociedade brasileira. A vasta obra de Sodré se impõe pela solidez de sua fundamentação histórica, pela análise concreta de problemas e situações concretas, pela atenção incansável aos mais diversos e contraditórios aspectos e dimensões da realidade brasileira, bem como por sua objetividade, expressa no empenho de submeter conceitos e hipóteses de explicação ao crivo dos fatos.

Junto com o conhecimento da história social da humanidade, a teoria marxista proporcionou-lhe o método crítico de análise, que ele utilizou a fundo para compreender as particularidades e as contradições da sociedade e da cultura brasileiras. Seu primeiro livro, História da Literatura Brasileira, seus fundamentos econômicos, de 1938, deixa explícito no título o projeto de apoiar-se na dialética materialista para compreender a cultura nacional.

Sodré participou de um grande debate teórico e político com Caio Prado Júnior sobre as nuances da formação social brasileira, sobre a dinâmica escravismo-feudalismo-capitalismo no Brasil. Pode falar mais sobre isso? Quem estava correto?

Sodré baseou-se no estudo da dinâmica interna da economia brasileira, ao passo que para Caio Prado as forças e relações de produção aqui instauradas seriam efeitos passivos do “sistema colonial”, levando-o a sustentar anacronicamente que o Brasil “participa desde seus primórdios”, “do sistema internacional do capitalismo”, para ele equivalente a “sistema mercantil internacional”. Ele confunde assim circulação de mercadorias com produção social.

Além desse debate, o que mais há de atual em sua obra?

Forjado por lúcido e constante interesse pelo destino da nação, seu pensamento era profundamente patriótico, mas por isso mesmo mantinha um olhar crítico sobre as mazelas e misérias que entorpeciam a sociedade brasileira.

Sodré encontrou uma imagem forte, extraída da cultura popular, para expressar os efeitos predatórios da sucessão de ciclos econômicos percorridos pela economia brasileira: “o nome que mais aparece nos mapas brasileiros das regiões ocupadas mais cedo é o de tapera, isto é ruína. Esse nome assinala tristemente um dos fenômenos mais característicos da história de nosso país: a marcha territorial da riqueza”.

Diferentemente dos Estados Unidos, onde “a ausência de passado feudal” associou “autonomia política” e “revolução burguesa”, abrindo espaço para amplo e pujante desenvolvimento das forças produtivas, em nosso país, a independência, “herdando escravismo e feudalismo, não tem traço algum de revolução burguesa”. Esta esboçou-se no século XIX, avançando lentamente; acelerou-se com o movimento de 1930, mas mantendo o latifúndio e conciliando com a dominação imperialista.

Segundo Marx, com efeito, não se pode caracterizar como capitalista o modo de produção dominante no continente europeu da virada do século XV para o XVI. Os produtores diretos, tanto a grande maioria de camponeses, quanto os membros das corporações de artes e ofícios, estavam ligados aos meios de produção (a terra e os instrumentos de trabalho); os assalariados eram pequena minoria de artesãos qualificados.

Entretanto, no espírito da dialética materialista, que não se atém a teses unilaterais, Sodré mostrou como a circulação de mercadorias reagiu sobre a base. Para ultrapassar a baixa produtividade agrária e a estreiteza do feudalismo, os portugueses participaram a fundo da expansão do comércio europeu durante os séculos finais da Idade Média e em seguida tomaram a iniciativa das grandes navegações oceânicas que deram origem ao sistema colonial da Era Moderna. Os navegantes que foram protagonistas dessas audaciosas iniciativas e os financistas que nelas investiram seu dinheiro receberam decisivo apoio da monarquia.

Precocemente centralizado por causa das guerras contra os mouros, apoiando-se de um lado na nobreza feudal, de outro nos interesses mercantis, o Estado português tornou-se o grande empreiteiro do negócio colonial. Respondendo ao aumento da demanda de açúcar, especiaria então rara no mercado europeu, ele estimulou a entrada na esfera produtiva de capitais mercantis até então aplicados no comércio marítimo e na caça aos escravos africanos. Nas ilhas atlânticas ocupadas pelos portugueses ao longo do século XV, instalaram-se técnicos e capatazes para controlar as plantações de cana de açúcar e enquadrar o trabalho dos escravos. Foi esse o protótipo da grande plantação introduzida no Brasil colonial. Sua base econômica era escravista, mas a apropriação da terra, dividida em capitanias hereditárias, cujos donatários distribuíam largas extensões de terra (as “sesmarias”) aos “homens de qualidade”, que dispusessem de recursos para explorá-las, obedecia ao regime feudal dominante em Portugal e transposto à “terra brasilis”.

Essa superestrutura jurídica não correspondia, porém, às relações escravistas da colônia. Como frisou Sodré, prevaleceram as condições objetivas do sistema de plantações. Os donatários foram logo substituídos por um governador geral, que representava o rei de Portugal na colônia. Manteve-se, entretanto, a divisão da terra em sesmarias. O modo de produção escravista prosperou lá onde se desenvolveram as atividades produtivas mais rentáveis: cana de açúcar, algodão, mineração, charque e café.

Em outras regiões do vasto território brasileiro, as zonas de pecuária do Nordeste e do Rio Grande do Sul, as de coleta florestal, as “fronteiras agrícolas”, as relações sociais de produção assumiram fortes traços feudais. A exploração do trabalho se baseava em laços de dependência pessoal, na posse da terra e do gado, quando não na coerção pura e simples. Naquelas em que as atividades escravistas entraram em decadência após um auge de prosperidade, a abolição sem reforma agrária concomitante deixou a massa dos alforriados em precárias condições de existência. Perante o avanço do movimento abolicionista, os fazendeiros de café instituíram o “colonato”, chamando camponeses pobres imigrados da Europa para trabalhar nos cafezais mediante remuneração parcial em dinheiro e partilha do que produzissem.

Não há interpretação marxista do Brasil de maior peso político do que a legada por Sodré: ela fundamenta o programa nacional-democrático, a principal contribuição teórica dos comunistas para a revolução brasileira. Seus objetivos centrais, desenvolvimento autônomo da economia, reforma agrária, ampla mobilização popular, permanecem no centro de toda e qualquer visão transformadora da sociedade brasileira. O programa apontava para a perspectiva da aliança das forças de esquerda com a burguesia nacional. Essa aliança era considerada tão somente uma possibilidade objetiva, condicionada pela correlação de forças entre o campo nacional popular e o bloco reacionário formado pelos latifundiários e pela burguesia pró-imperialista. Embora economicamente bloqueada pela dominação imperialista, a burguesia temia ser suplantada pela dinâmica das lutas sociais, portanto hesitava sempre entre aliar-se com a classe operária e demais forças populares para levar adiante um programa nacional-democrático (expresso, na conjuntura de 1963-1964, pelas “reformas de base” do presidente João Goulart) ou ao contrário, associar-se com os grandes interesses agroexportadores, aceitando a presença dominante dos trustes imperialistas. Sabemos quão sombrias e destrutivas foram as consequências de ter prevalecido o segundo termo dessa alternativa histórica.

Serviço:

Curso Pensadores Nacionalistas Brasileiros
Inscrições a partir de 15 de novembro de 2024
Na plataforma https://grabois.eadbox.com/
Custo: R$ 78,00