Observatório Internacional: um ano de Milei – Argentina afunda na pobreza
Pesquisadora do Observatório Internacional da Fundação Maurício Grabois, Ana Prestes avalia o primeiro ano de governo de Javier Milei na Argentina. Foto: Carta Capital.
No último dia 10 de dezembro, coincidentemente Dia Internacional dos Direitos Humanos, completou-se um ano do governo de Javier Milei na Argentina, que tem sido uma verdadeira afronta aos direitos humanos e à dignidade humana.
Milei foi eleito presidente como cabeça de chapa da aliança de ultradireita “La Libertad Avanza” (LLA) e seu projeto era, nas palavras do própio, ser “uma toupeira infiltrada para destruir o Estado nacional por dentro”. Algo que tem conseguido fazer.
A imagem mais forte de sua campanha foi a de uma motosserra, como símbolo da vindoura destruição do aparato estatal e daqueles que ele chama de “casta política”. Os maiores meios de comunicação do país, como o Grupo Clarín e o La Nación, estiveram na sua retaguarda ao longo deste um ano de gestão e ajudaram sobremaneira na tergiversação e falseamento de uma realidade revelada pelos desastrosos dados de fome, pobreza e desemprego.
Nos primeiros meses de seu governo, Milei priorizou uma profunda ofensiva contra o Estado, os trabalhadores e a população mais pobre e vulnerável com um ajuste fiscal inédito. Começou com os ataques às pensões de aposentados e aos salários dos trabalhadores do Estado, a liberação do mercado cambial e uma abertura comercial irrestrita que provocou uma desvalorização brutal da moeda nacional. Fechou 13 ministérios, demitiu 30 mil funcionários públicos e, além das pensões, reduziu drasticamente os recursos destinados para educação, saúde, ciência e tecnologia, cultura e desenvolvimento social. Em termos gerais, o governo Milei aplicou um forte ajuste econômico com um custo social elevadíssimo, para não dizer criminoso. Tarifas do serviço público de fornecimento de água, luz, gás e transporte sofreram altas absurdas e a capacidade de consumo da população em geral despencou.
Leia mais: Observatório Internacional: A deterioração das condições de integração da América do Sul
Os dois instrumentos legais utilizados para dar fundamento às mudanças foram o Decreto de Necessidade e Urgência (DNU) e a chamada “Lei de Bases” com mais de seiscentos artigos, mas que por fim sobreviveu com duzentos, após muitos embates no parlamento argentino.
A estratégia de Milei foi, desde o princípio, promover rupturas institucionais, mesmo que as condicionantes para um giro autoritário não estivessem necessariamente dadas, como o apoio das Forças Armadas ou uma mobilização de massas realmente pujante em seu respaldo. O viés autoritário veio através das políticas do Ministério de Segurança, liderado por Patricia Bullrich, que restringiu ao máximo e reprimiu com força bruta os protestos dos sindicatos, movimentos sociais e da oposição em geral. Além disso, seu Ministério vem realizando perseguição política e judicial contra dirigentes destas mobilizações.
Os números revelados em inúmeros artigos sobre a passagem destes 12 meses de gestão de Milei revelam o ataque à população mais pobre. A pobreza alcançou 52,9% da população, marcando 11% a mais do que no segundo semestre de 2023. São 5 milhões de novos pobres. Segundo o Observatório Social da Universidade Católica Argentina (UCA), metade da população está pobre, o que corresponde a 23 milhões de pessoas. Já o Centro para a Recuperação Argentina da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de Buenos Aires (UBA) afirma que a indigência alcançou seis milhões de pessoas, com 2,5 milhões de novos indigentes em todo o país. A pobreza entre os menores de 18 anos chega aos impressionantes 65,5%. Entre as crianças, segundo dados da UNICEF, 1 milhão de meninos e meninas vão dormir sem comer e 1,5 milhão saltam alguma das refeições diárias por impossibilidade dos pais em provê-las.
Leia mais: Observatório Internacional: Cláudia Sheinbaum vai governar com as mulheres no México
O desemprego geral passou de 6,2% para 7,6%. Observados os dados específicos sobre mulheres, o desemprego chegou a 8,4%. De novembro de 2023 até agosto de 2024 foram perdidos mais de 261 mil postos, segundo os dados da Superintendência de Riscos do Trabalho (RIT). Recentemente, ganhou visibilidade a demissão de mais de 300 pessoas por telefone da empresa de cosméticos Avon, a maioria trabalhadoras mulheres com mais de 20 anos de trabalho. Ao todo, são mais de um milhão de desempregados em todo o país, com destaque também para a paralisação de obras públicas e o desemprego na área da construção civil.
Uma das medidas que mais chocaram a população, diante do cenário aterrador, foi a suspensão da entrega de medicamentos gratuitos aos aposentados que recebem as pensões mais baixas. Isto acontece pela primeira vez desde a redemocratização do país e condena à morte milhões de aposentados que têm se manifestado nas ruas do país e recebido forte repressão em seus protestos.
Em relação aos direitos sexuais e reprodutivos, em um ano, o governo zerou os recursos para compra e distribuição das medicações para implementação da Lei de Interrupção Voluntária e Legal da Gravidez e ameaçou revogar a Lei sancionada em 2020, com Milei sempre se referindo ao tema do aborto como uma “agenda sangrenta”, tanto em eventos nacionais como internacionais.
Certamente as eleições legislativas de outubro de 2025 trarão respostas sobre o ânimo da população argentina com a motosserra de Milei. Além dos dados econômicos aqui expostos, no plano externo, a Argentina se aproximou como nunca dos EUA, em especial com o Comando Sul, em estreita relação com Laura Richardson que comanda a unidade militar estadunidense para América Central, América do Sul e Caribe. Ao mesmo tempo que se afastou de parceiros tradicionais, como o Brasil e de iniciativas do Sul Global como o BRICS Plus.
Ana Prestes é pesquisadora do Observatório Internacional, Grupo de Pesquisa da Fundação Maurício Grabois, e Secretária de Relações Internacionais do PCdoB.
Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.