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    América Latina

    Comunista Jeannette Jara vence 1º turno da eleição presidencial no Chile

    O segundo turno, em dezembro, será disputado contra o candidato da extrema direita, José Antonio Kast, em meio à tendência de que grande parte dos votos da direita tradicional e da ultradireita migre para ele

    POR: Theófilo Rodrigues

    6 min de leitura

    Em Conchalí, na Região Metropolitana de Santiago, a candidata do Partido Comunista, Jeannette Jara, vota no 1º turno das eleições presidenciais do Chile (16/11/2025). Os chilenos também foram às urnas para escolher deputados, senadores e autoridades municipais. Crédito: Facebook/Jeannette Jara – Reprodução.
    Em Conchalí, na Região Metropolitana de Santiago, a candidata do Partido Comunista, Jeannette Jara, vota no 1º turno das eleições presidenciais do Chile (16/11/2025). Os chilenos também foram às urnas para escolher deputados, senadores e autoridades municipais. Crédito: Facebook/Jeannette Jara – Reprodução.

    A candidata do Partido Comunista do Chile (PCCh), Jeannette Jara, venceu o primeiro turno da eleição presidencial realizada neste domingo (16), com 26,85% dos votos. Em segundo lugar apareceu o representante da extrema direita, José Antonio Kast, do Partido Republicano, que obteve 23,92%. Os dois disputarão o segundo turno em 14 de dezembro.

    Atualmente ministra do Trabalho no governo de Gabriel Boric, Jara foi a principal articuladora de duas das políticas sociais mais emblemáticas dessa gestão: a redução da jornada laboral de 45 para 40 horas semanais e o reajuste do salário mínimo, medidas que buscaram reconstruir direitos historicamente negados à classe trabalhadora chilena desde a ditadura de Pinochet. Advogada e militante comunista de longa trajetória, Jara também foi subsecretária de Previdência Social durante o governo da ex-presidenta Michelle Bachelet, participando de esforços de reconstrução do sistema público frente ao avanço dos fundos privados de pensão.

    O campo conservador se apresentou fragmentado, com três outros candidatos da direita – Johannes Kaiser, Evelyn Matthei e Franco Parisi – disputando fatias do eleitorado que, historicamente, tenderão a convergir para Kast no segundo turno.

    Resultado oficial do primeiro turno no Chile, com percentuais de votação e perfil político de cada candidato.
    Fonte: SERVEL – Serviço Eleitoral do Chile, dados de 17/11/2025 (99,99% apurado).

    Apesar da vitória de Jara no primeiro turno, a direita assegurou maioria tanto na Câmara quanto no Senado, criando um cenário legislativo adverso para qualquer agenda progressista no próximo governo.

    Para consultar os resultados oficiais da eleição de 16 de novembro para presidente, deputados e senadores, acesse a apuração completa no site do SERVEL

    Segundo turno

    A disputa marcada para 14 de dezembro será decisiva para o futuro político do Chile. A esquerda enfrenta agora um cenário mais desafiador: a tendência é que a maior parte dos votos da direita tradicional e da ultradireita seja canalizada para Kast, fortalecendo sua tentativa de restaurar uma agenda neoliberal e autoritária que remete aos pilares estruturais herdados da ditadura.

    Ao mesmo tempo, a campanha de Jara deverá investir na mobilização popular, no diálogo com trabalhadores, estudantes e movimentos sociais que, desde a rebelião de 2019, lutam por um país mais justo, com direitos sociais universais e um Estado ativo na superação das desigualdades.

    José Antonio Kast, representante da extrema direita chilena e líder do Partido Republicano, tem entre as propostas o “Escudo Fronterizo”, voltada ao endurecimento das políticas migratórias e ao aumento do controle militar na fronteira do Chile. Crédito: Facebook/José Antonio Kast – Reprodução.

    Disputa geopolítica na América Latina

    A eleição chilena extrapola as fronteiras nacionais e assume importância estratégica para a geopolítica progressista da América Latina. Uma vitória de Jeannette Jara significaria consolidar um bloco de esquerda democrática e soberana na região, alinhada a governos como os de Brasil, Venezuela, Cuba, México, Uruguai e Colômbia, reforçando pautas de integração regional, justiça social, reconstrução do Estado social, sustentabilidade e soberania energética.

    Por outro lado, uma eventual vitória de Kast aprofundaria a virada conservadora que conta com Javier Milei na Argentina e, mais recentemente, com Rodrigo Paz na Bolívia, fortalecendo um novo ciclo da direita continental, com implicações diretas para a integração regional, os direitos sociais e a resistência aos interesses geopolíticos dos EUA no Cone Sul.

    Uma comunista na presidência

    A vitória de Jeannette Jara traz à tona um aspecto pouco explorado pelas análises políticas convencionais. Jara é um quadro histórico do Partido Comunista – e isso não é um detalhe menor, mas um elemento histórico de grande peso. É amplamente conhecido que Partidos Comunistas governam países como Cuba, China, Coreia do Norte, Laos e Vietnã; contudo, em todos esses casos, a chegada ao poder ocorreu como resultado de processos revolucionários, guerras nacionais ou lutas de libertação que romperam com a ordem anterior.

    Também existem experiências nas quais Partidos Comunistas participam de governos progressistas dentro de democracias liberais, ocupando ministérios e posições estratégicas – casos como Brasil, Colômbia, Uruguai, África do Sul, Espanha e o próprio Chile. Nessas situações, embora exerçam influência importante, não são a força central do Executivo.

    O que está em jogo no Chile, porém, é de outra natureza. Em nenhuma democracia liberal contemporânea do Ocidente um Partido Comunista elegeu diretamente o chefe de Estado pelo voto popular. A eventual vitória de Jeannette Jara representaria, portanto, um marco inédito no cenário internacional, abrindo uma nova possibilidade histórica: a de um Partido Comunista chegar ao governo nacional por meio de um processo eleitoral plural e competitivo, em um país que foi, precisamente, laboratório do neoliberalismo mundial.

    No período eleitoral, Jara se afastou um pouco da simbologia comunista para ampliar seu público. Mas isso não significa dizer que abriu mão de sua história.

    Tratar-se-ia não apenas de uma vitória eleitoral, mas de um acontecimento político de alcance global, com implicações para a esquerda internacional, para o pensamento marxista e para o debate sobre formas eleitorais de transição e governo no século XXI.

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    Theófilo Rodrigues é professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UCAM. É coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Cultura & Sociedade da Fundação Maurício Grabois.

    Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial dFMG.