Terras raras são um conjunto de 17 elementos químicos associados a minerais críticos, que ocorrem na natureza e são fundamentais para a fabricação de alta tecnologia, como a construção de chips e semicondutores. Nenhum equipamento moderno consegue funcionar sem esses minerais críticos. Isso explica o desespero do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em buscar um acordo com a China envolvendo as terras raras — assim como suas ameaças de invasão da Groenlândia e do Canadá, que possuem esses minerais.
Nota Técnica: Terras raras e minerais críticos na estratégia de desenvolvimento do Brasil
Para entender o funcionamento do mundo hoje, é fundamental compreender a geopolítica das terras raras. Os EUA têm clareza do papel estratégico desses minerais e farão o possível para ter acesso a eles. A China está em uma posição estratégica de jogo, com a maior reserva (70%) e capacidade de processamento de quase toda a cadeia produtiva (90%) que envolve esses minerais: agrega valor e exporta o produto industrializado para os Estados Unidos.
Guerra comercial de Trump e a vantagem estratégica da China
Quando Trump impôs taxas aduaneiras que chegaram a 120%, a China respondeu taticamente, afetando setores como o da produção da soja estadunidense, agricultores que são a base do trumpismo. O ápice foi a aplicação pela China de uma taxa de 100% a 120% sobre todos os produtos dos EUA e o bloqueio do acesso às terras raras, impondo controle de exportações sobre esses minerais.
A China não só conseguiu superar seus impasses internos, criados com o bullying tecnológico iniciado pelos EUA em 2017, mas possui essa grande carta na manga, um instrumento estratégico fundamental para diminuir sua dependência do mercado dos EUA, tanto para exportar produtos, quanto para importar tecnologia nova. Se os norte-americanos quiserem negociar, terão que negociar nos termos chineses.
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Os Estados Unidos têm outro problema: não possuem a mesma capacidade que a China de processamento desses minerais, uma situação que eles próprios criaram. Poderiam manter uma relação de benefício mútuo, mudando os termos das relações, mas decidiram confrontar a China sem possuir terras raras, nem as cadeias produtivas desse setor.
Dada a complexidade dessa cadeia, para que os Estados Unidos atinjam algum nível de independência em relação a isso, terão primeiro que se acertar com a China, jogar o jogo que os chineses querem. Além disso, precisam de uma nova revolução industrial capaz de criar as condições objetivas para processar as terras raras em seu próprio território. Países como os Estados Unidos não têm mais condições de entregar uma revolução industrial desse porte devido à financeirização de sua economia, que não permite o nível de investimento necessário para esse tipo de inovação tecnológica.

Amostras de terras raras como praseodímio, cério, lantânio, neodímio, samário e gadolínio, usados na produção de motores elétricos, chips, lasers, sistemas de orientação e outras tecnologias críticas que definem poder econômico e militar no século XXI. Foto: Peggy Greb / U.S. Department of Agriculture — Domínio Público (Wikimedia Commons)
Estratégia nacional, política externa e o uso das terras raras no Brasil
Recentemente, passamos por uma situação em que duas figuras brasileiras de extrema-direita foram para os EUA num exílio autoimposto e tentaram operar contra os interesses do Brasil: Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo – neto do ex-presidente Figueiredo, o último ditador do regime militar.
Em tese, eles conseguiram que o Brasil fosse taxado em 50% sobre uma série de produtos, o que nos entregou a bandeira da questão nacional e da soberania, altamente funcional para nós que defendemos um projeto nacional estratégico, assim como para o enfrentamento da extrema-direita. O que nos diferencia da extrema-direita não é sermos moralmente superiores, mas o fato de sermos patriotas de verdade: defendemos os interesses e a inserção soberana do Brasil no mundo, enquanto eles querem que o Brasil se torne um apêndice dos Estados Unidos.
A Argentina está assinando acordos com os Estados Unidos que lembram os tratados desiguais que a China assinou com as potências estrangeiras que a invadiram, desde as Guerras do Ópio (1839–1842). A China perdeu a guerra e teve que assinar tratados que resultaram na entrega de Hong Kong, das Ilhas Kowloon e de setores de cidades como Xangai. A Argentina passa pela mesma situação: está entregando o seu destino aos Estados Unidos.
No fundo, é isso que a extrema-direita deseja para o Brasil. Eles contavam que Trump faria o que eles queriam. Acreditavam que o presidente Lula e sua equipe ministerial não conseguiriam conversar com Trump, ou com o chefe do Departamento de Estado, Marco Rubio, pensavam que os canais estavam fechados para a negociação.
Mas Trump não está preocupado com Bolsonaro, ele tem uma estratégia clara: a rendição do comércio internacional, gerar um caos funcional à sua governança e a garantia de acesso a esses minerais críticos. O Brasil é o segundo país do mundo com mais terras raras: 20% das reservas mundiais. Por isso, o Trump procurou Lula e rasgou elogios a ele que, por sua vez, teve a postura de um estadista — diferente do Bolsonaro, que disse “I love you” quando viu o Trump na ONU.
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Evidente que o interesse de Trump no Brasil não é o Lula, ele quer demarcar a América Latina como área de influência dos EUA. Por isso o envio de tropas para a costa do Caribe, com armas apontadas para a Venezuela e a Colômbia. Existem fatos que demonstram uma ameaça aberta à soberania dos países latino-americanos que não acontecia desde a era do presidente Ronald Reagan (1981-1989). Com Trump, o problema voltou a ser a América Latina.
Com o Brasil em particular, o interesse é grande. Gostemos ou não de sermos produtores de commodities, um país que produz alimentos na quantidade do Brasil tem peso na geopolítica mundial. Produzimos alimentos, petróleo, soja, minério de ferro, e temos minerais críticos. A cartada de Trump com o Brasil é clara: derrubar todas as tarifas, desde que consiga acesso às terras raras. Esse é o jogo, não há nada além disso sendo negociado. Não se trata de libertar Bolsonaro ou Carla Zambelli. Pelo contrário, prevejo inclusive a extradição de Eduardo “Bananinha” e Paulo Figueiredo. Com acesso às terras raras, os americanos os descartam. Esse é o ponto da relação.
O que o Brasil deve fazer diante dessa situação? Primeiro, temos que nos adaptar à nova realidade de um mundo marcado pelo aumento exponencial do protecionismo. Não adianta querer apelar para a Organização Mundial do Comércio (OMC) ou G20, pois isso já acabou. O cenário atual é de conflito, onde quem pode mais, leva. É necessária clareza sobre essa nova ordem mundial ultra protecionista: as tarifas, assim como o dólar, viraram uma arma de destruição em massa para tentar fazer os países se ajoelharem. O Brasil, em primeiro lugar, deve se acostumar a esse admirável mundo novo — um mundo marcado por sanções e tarifas.
É um sonho que o Brasil veja essas tarifas como uma oportunidade para abrir ciclos de substituição de importações e usá-las como motor para a reindustrialização. Contudo, isso é uma abstração. No mundo real, o Brasil deve se acostumar ao cenário atual e não entregar facilmente o acesso às terras raras.
Pelo contrário, o momento exige uma abordagem em outro nível com os chineses. Devemos buscar com eles a partilha de tecnologias que nos capacitem a construir nossas próprias cadeias produtivas para os minerais críticos. O Brasil deve visar o esforço de uma nova revolução industrial, semelhante ao esforço que os EUA deveriam fazer para processar os minerais críticos.
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Dada a centralidade desses minerais no mundo, precisamos observar essa realidade e construir uma estratégia nacional de como lidar com essa riqueza. Temos que continuar negociando com os Estados Unidos, mas tirando o máximo de concessões deles e fazendo o mínimo de concessões para eles. Essa é a regra do jogo.
Buscar uma abordagem com a China em relação à transferência de tecnologia é difícil. Os chineses só fazem isso para países confiáveis. Tendo em vista que no próximo ano haverá eleição, há o risco de a extrema-direita voltar ao poder no Brasil e os chineses não transferem tecnologia para um país que pode eleger um governo contrário aos seus interesses.
O ideal é a mobilização de parcelas da nossa sociedade com a finalidade de construir cadeias produtivas e uma revolução industrial envolvendo as terras raras brasileiras. A partir desse momento, teremos condições de nos acostumar com o novo normal: um país sob sanções, como já somos. Ao mesmo tempo, teremos condições de dialogar em pé de igualdade com os Estados Unidos a partir da nossa capacidade de processar esses minerais em nosso próprio território. Isso seria uma arma política e estratégica muito forte.
Assista a íntegra do programa Meia Noite em Pequim:
Elias Jabbour é professor associado da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ, foi consultor-sênior do Novo Banco de Desenvolvimento (Banco dos BRICS) e é presidente do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos. É autor, pela Boitempo, com Alberto Gabriele de “China: o socialismo do século XXI”. Vencedor do Special Book Award of China 2022.
*Análise publicada originalmente no programa Meia Noite em Pequim (TV Grabois) em 26/11/2025. O texto é uma adaptação feita pela Redação com suporte de IA, a partir do conteúdo do vídeo.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.