O retorno de Donald Trump ao poder nos Estados Unidos marcou o cenário internacional em 2025, movimentando o tabuleiro da geopolítica internacional. O primeiro ano da gestão do republicano foi marcado por uma tentativa de retomada de hegemonia dos Estados Unidos por meio de medidas protecionistas unilaterais, como as taxas aplicadas pela Casa Branca a diversos países, incluindo o Brasil, em um momento de multipolaridade, com a emergência internacional de países do Sul Global, como China e Rússia.
Big Techs
A volta da extrema direita ao poder nos EUA se deu a partir de uma aliança com as Big Techs lideradas por Jeff Bezos, Elon Musk e Mark Zuckerberg.
Além de apoiarem financeiramente a campanha republicana às eleições, os bilionários se destacaram na posse presidencial em apoio à nova administração. Musk chegou a ocupar um cargo no governo federal, no novo Ministério de Eficiência Governamental (Department of Government Efficiency ou DOGE), de onde comandou uma série de demissões no setor público. Apesar da amizade com o presidente republicano, ele desembarcou do governo em maio.

Empresários do setor de tecnologia, incluindo Mark Zuckerberg (Meta), Jeff Bezos (Amazon), Sundar Pichai (Google), Elon Musk (X e Tesla) e Tim Cook (Apple), estiveram entre os presentes na cerimônia de posse de Donald Trump. Imagem: Congresso dos Estados Unidos / Domínio Público.
Após sua eleição, Trump defendeu abertamente anexar a Groenlândia, o Canadá e o Golfo do México, criando tensões com países com quem os EUA mantêm alianças comerciais, caso de Canadá e México. Os ataques também se voltaram novamente para a América Latina e para a Ásia, onde Trump retomou a investida contra a China iniciada em seu governo anterior.
Tarifaço, guerra comercial e impactos no Brasil
A guerra tarifária de Donald Trump teve início em abril, com o anúncio de uma “taxa universal” de 10% aplicada sobre todas as importações dos EUA. Em julho, o presidente dos EUA elevou o tom contra o Brasil com a assinatura do decreto presidencial “Enfrentando as ameaças ao Brasil por parte do governo dos Estados Unidos” (Executive Order: Addressing Threats to the United States by the Government of Brazil), que impõe uma tarifa adicional de 40% sobre importações brasileiras.

No início do seu segundo mandato, Donald Trump assinou diversas ordens executivas. Entre elas, em 4 de fevereiro de 2025, determinou a retirada dos Estados Unidos de certas organizações da ONU, encerrou seu financiamento e ordenou a revisão do apoio norte-americano a organismos internacionais. Foto: The White House / Flickr
Somada à taxa universal de 10%, as tarifas impostas ao Brasil chegaram a 50% no início de agosto. O decreto que sobretaxa os produtos brasileiros utilizou a Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional (IEEPA). Criada após a declaração de emergência nacional no início do governo Trump, a IEEPA confere ao presidente ampla autoridade para regulamentar uma variedade de transações econômicas. Na prática, esse mecanismo evita que a medida passe pelo processo legislativo normal, que exigiria a aprovação do Congresso norte-americano para impor sanções ou barreiras comerciais permanentes contra outros países.
Assista à análise de Ana Prestes sobre as tratativas do Brasil em relação ao tarifaço
O ataque contra a soberania brasileira ficou evidente a partir da articulação bolsonarista, em uma tentativa encabeçada por Eduardo Bolsonaro, junto ao governo dos EUA, de condicionar a aplicação de novas tarifas ao Brasil como forma de pressionar pela anistia ao pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro, pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, a partir do julgamento que culminou em sua prisão em setembro.

Eduardo Bolsonaro com boné MAGA em homenagem a Donald Trump (Foto: Reprodução / Instagram)
Contra Trump e os sabujos, a resposta do Brasil foi de soberania e democracia, como analisou o presidente da Fundação Maurício Grabois, Walter Sorrentino, a partir do posicionamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva:
“O Brasil é um país soberano, com instituições independentes, e não aceitará ser tutelado por ninguém. […] Qualquer elevação unilateral de tarifas será respondida com base na Lei de Reciprocidade Econômica”, respondeu Lula ao ataque dos EUA.
“Ações institucionais à parte, em momentos como este, a mobilização da sociedade civil torna-se vital. Cabe também aos setores produtivos unirem-se ao governo contra uma tarifa de 50% sobre as exportações brasileiras para os EUA que golpeia a economia, ameaça o empresariado e coloca em risco milhares de empregos”, destacou Sorrentino.

São Paulo (SP), 10/07/2025 – Cartaz com os rostos do presidente Donald Trump e do ex-presidente Jair Bolsonaro, acompanhado da frase “Inimigos do povo”, durante protesto por justiça tributária na Avenida Paulista. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil
Nesse mesmo sentido, Ronald Freitas, membro do Comitê Central do PCdoB e coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Estado e Instituições da FMG, analisou que as ameaças de Trump à soberania brasileira devem ser levadas a sério e respondidas à altura.
O debate sobre a taxação atravessou a abertura do Ciclo de Debates para o 16º Congresso do PCdoB realizado pela Fundação Maurício Grabois. Na mesa de abertura, o cenário analisado pelos integrantes daquela mesa foi de que Trump estava promovendo uma guerra híbrida contra o Brasil para atingir o Brics.
“O governo Trump nada mais é que a tentativa de reação à perda do poder relativo dos EUA frente à economia mundial. A reação do governo Trump, que não é só do governo Trump, mas desse movimento neofacista no mundo, é uma reação à crise do capitalismo, a essas contradições que não têm condições de se resolver no marco da democracia”, destacou o economista Davidson Magalhães, professor da Universidade do Estado da Bahia (Uneb).
A partir da posição firme de soberania o presidente Lula conseguiu estabelecer negociações com o presidente dos Estados Unidos após o encontro entre os dois líderes na Assembleia Geral da ONU em Nova York.
Se a reação do Brasil foi altiva, o posicionamento da China expôs o declínio da hegemonia dos Estados Unidos. Diferente do cenário do governo anterior de Donald Trump, que tentou impor um bullying tecnológico aos chineses, os avanços do socialismo na corrida pela soberania tecnológica redefiniram a relação entre os dois países, com base na hegemonia chinesa no processamento das terras raras, centrais na disputa da fronteira tecnológica.
Assista ao programa Meia Noite em Pequim sobre a geopolítica das terras raras:
Ataques à América Latina
A relação de hostilidade do novo governo dos Estados Unidos com os países da América Latina foi escancarada desde o início de seu governo, com a nomeação de Marco Rubio para o Departamento de Estado, equivalente ao Ministério das Relações Exteriores, notório apoiador de intervenções e conspirações contra governos progressistas na América do Sul e Central.
Em sua coluna, Miguel Manso analisa que a Doutrina Monroe, historicamente utilizada para justificar intervenções no Hemisfério Ocidental, “ressurge sob Trump em uma forma mais radical, como evidenciado por declarações de seu círculo próximo e sua visão de América para os americanos – entendida como um projeto imperialista de dominação continental das Américas”.
O cenário se tornou mais crítico a partir de agosto, quando Trump enviou oito navios de guerra para a costa da Venezuela sob a justificativa de combater cartéis de drogas latino-americanos, classificados como organizações terroristas por Washington, atitude que Ana Prestes, pesquisadora do Observatório Internacional, Grupo de Pesquisa da Fundação Maurício Grabois, e Secretária de Relações Internacionais do PCdoB, liga diretamente à atuação de Marco Rubio.
A escalada dos Estados Unidos contra a Venezuela se intensificou nas primeiras semanas de dezembro, com o envio de navios para a costa venezuelana e a apreensão de um petroleiro venezuelano que se dirigia à Cuba. Em meio a essa investida o almirante responsável pelas forças militares dos Estados Unidos na América Latina, Alvin Holsey deixou o cargo, anunciando sua aposentadoria na sexta-feira (12), dois anos antes do previsto.

Marco Rubio em encontro com o almirante Alvin Holsey, comandante do Comando Sul dos EUA, que coordena operações militares na América Latina e no Caribe, nesta sexta-feira, 29 agosto de 2025. Foto: Senior Airman Christopher Bermudez / SOUTHCOM Public Affairs
A Secretaria de Relações Internacionais do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) se manifestou no dia 8 de dezembro denunciando a ameaça imperialista do governo dos EUA contra o presidente eleito Nicolás Maduro, “enquanto envia poderosos navios para a costa venezuelana, destrói embarcações, assassina tripulações e fecha o espaço aéreo do país, violando frontalmente todas as normas do direito internacional”.
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O PCdoB já havia alertado em agosto para as implicações da escalada dos EUA com a Venezuela em pronunciamento da Executiva Nacional que convocava “os povos e países da América Latina e Caribe a construírem a mais firme unidade diante da ofensiva imperialista contra a região”. O comunicado de dezembro reitera esse posicionamento e enfatiza que “defender a Venezuela é defender a soberania de toda a América Latina e Caribe”.