“De tudo o que há no Brasil, nele tem pra vender”

“A feira de Caruaru
Faz gosto da gente ver
De tudo que há no mundo
Nela tem pra vender…”
A Feira de Caruaru. Luiz Gonzaga.

O subtítulo acima é uma paródia da linda canção “A Feira de Caruaru”, imortalizada na voz do Rei do Baião, e que cabe bem aos neoliberais instalados nas diversas áreas e esferas dos governos no Brasil da atualidade. Na música original, Gonzaga retrata uma época em que as feiras populares atraiam gente de todos os lugares em busca de diversos produtos e serviços à venda por preços populares.

Os mais diversos itens, alguns que nos são desconhecidos (como “mubília de tamburête, feita do tronco do mulungú”) e outros que, na atualidade, podem soar engraçados (carça de arvorada, que é pra matuto não andá nú) são discorridos na canção e nos ajudam a compreender a importância destas feiras nos aspectos econômico, social e cultural.

Apesar do tom nostálgico, essas feiras ocorriam de forma muito precária por todo o país, praticamente à margem dos devidos controles fitossanitários e de uma estrutura básica capaz de garantir as boas práticas de manejo dos alimentos. 

Ademais, “os mecanismos de comercialização de hortigranjeiros no Brasil passavam por um processo de estrangulamento, por conta, sobretudo, da precariedade dos equipamentos disponíveis e da falta de regulamentação para o setor” (CUNHA, 2006).

Hoje em dia, apesar de boa parte das mercadorias descritas por Gonzaga em sua música não serem mais comercializadas, as feiras continuam exercendo grande protagonismo nas sociedades, em novo formato.

As “Centrais de Abastecimento”, por exemplo, foram resultado de uma decisão política tomada pelo Estado Nacional desenvolvimentista, visando uma melhor distribuição de produtos hortifrutigranjeiros, tendo em vista o vertiginoso crescimento de vários centros urbanos no país.

 Os mercados tradicionais, tal como a Feira de Caruaru, já não mais suportavam uma demanda crescente por esses gêneros alimentícios por parte da população urbana em ascensão. Muitos desses produtos agrícolas são altamente perecíveis e necessitavam de uma estrutura de comercialização que fosse mais dinâmica e eficiente.

 

Feira de Caruaru, década de 40

Figura 1: Feira de Caruaru, provavelmente na década de 1940, é uma das mais tradicionais do Brasil, patrimônio imaterial de Pernambuco. Fonte: IBGE. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/biblioteca-catalogo.html?id=445152&view=detalhes. Acessado em 17 de nov. 2020.

De acordo com a Abracem (2011) no final da década de 1960, “o Governo Federal identificou um grande estrangulamento no sistema de comercialização de hortigranjeiros. Era uma atividade praticamente marginal. Tão marginal que a comercialização se dava na rua, literalmente”.

As perdas ocasionadas pela deterioração desses produtos, pelo fato de ficarem ao relento, eram enormes. Isso tudo ocasionava grandes prejuízos aos produtores, sobretudo aos menos capitalizados. Isso sem falar do problema viário, com caminhões carregando esses produtos de forma dispersa por todas as cidades, muitas vezes colapsando o trânsito local.

Diante desse caos, o Programa Estratégico de Desenvolvimento de 1970 e o I Plano de Desenvolvimento estabeleceram como prioridade a construção dessas Centrais de Abastecimento nos principais conglomerados urbanos do país.

A partir de então, foram constituídos “em todas as capitais brasileiras e nas principais cidades de cada Estado “o chamado Sistema Nacional de Centrais de Abastecimento – SINAC, cuja gestão ficou por conta da Cobal – Companhia Brasileira de Alimentos (hoje Conab)”.

O Estado brasileiro e a promoção de um sistema nacional de abastecimento

“Fumo de rolo arreio de cangalha
Eu tenho pra vender, quem quer comprar
Bolo de milho broa e cocada
Eu tenho pra vender, quem quer comprar
Pé de moleque, alecrim, canela
Moleque sai daqui me deixa trabalhar (…)
Feira de Mangaio. Sivuca.

A história da Conab remonta a um período anterior ainda à Cobal. Foi durante o governo nacionalista e desenvolvimentista de Getúlio Vargas, que se criou, através do Decreto-lei n° 5.212 de 21 de janeiro de 1943, a empresa pública federal Companhia de Financiamento da Produção (CFP). A CFP foi, portanto, o embrião de todo esse processo.

A Conab nasce através da fusão da CFP com mais duas outras estatais: a Cobal e a Companhia Brasileira de Armazenamento (Cibrazem). Trata-se, portanto, de uma longa trajetória que se confunde e se entrelaça com o desenvolvimento da agricultura brasileira.

Com sede em Brasília, vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), as atividades da Conab foram iniciadas em 1º de janeiro de 1991, com capital 100% do Tesouro Nacional, já com o intuito de se “enxugar” a máquina pública, reunindo as três companhias citadas em apenas uma. De acordo com o site institucional da empresa, a Conab:

“está presente em todas as regiões brasileiras, com superintendências nos 26 estados e no Distrito Federal, além de mais de 90 Unidades Armazenadoras (UA), como armazéns convencionais, graneleiros, portuários, etc., que são capazes de estocar diversos produtos agrícolas e garantir o suprimento alimentar da população. Sua missão é promover a garantia de renda ao produtor rural, a segurança alimentar e nutricional e a regularidade do abastecimento, gerando inteligência para a agropecuária e participando da formulação e execução das políticas públicas”. (…)

“A Conab possui importância estratégica ao oferecer ao Governo Federal informações técnicas para embasar a sua tomada de decisão quanto à elaboração de políticas voltadas à agricultura. Para isso, fornece informações detalhadas e atualizadas sobre a produção agropecuária nacional, por meio de levantamentos de previsão de safras, de custos de produção e armazenagem, de posicionamento dos estoques e de indicadores de mercado, além de estudos técnicos que viabilizam a análise do quadro de oferta e demanda, dentre outros dados. Seus estudos e pesquisas, bem como informações sobre as ações da empresa, estão disponíveis para toda a sociedade em seu portal institucional e possibilitam a difusão geral dos dados e informações produzidos. Além disso, a Companhia tem a responsabilidade de executar estratégias de inclusão social, que são adotadas pelo Governo Federal, com ênfase na geração de emprego e renda. Ela também participa, como órgão executor, de programas e ações governamentais que contribuam para o bem-estar de comunidades que estejam em situação de insegurança alimentar e nutricional” [2].

Mas é ainda com a Cobal, em 1972, que foram inauguradas no país as primeiras empresas denominadas de Centrais de Abastecimento, sendo 21 Ceasas, 34 mercados atacadistas urbanos, 32 mercados atacadistas rurais (mercados do produtor) e vários mercados varejistas, entre esses, “26 hortomercados, oito módulos de abastecimento, quatro feiras cobertas, seis centros de abastecimento e mais de uma centena de sacolões e varejões” (ABRACEN, 2011).

Ainda de acordo com a Abracem (2011), as Ceasas “eram economias mistas, sendo acionista a União, os estados e os municípios onde se localizavam as sedes. Em apenas três, a União não era majoritária (Distrito Federal, Minas Gerais e Bahia)”. Nesse formato, foram projetadas as primeiras Ceasas no âmbito do I PND – Plano Nacional de Desenvolvimento (1972-1974) nas seguintes cidades: 

 

Criação dos Ceasas

Tabela 1: Adaptado de: http://abracen.org.br/wp-content/uploads/2014/05/manual.pdf. 

Já a partir do II PND, compreendido entre os anos de 1975 e 1979, 21 outras Ceasas foram criadas: Manaus, Campinas, Maringá, Belém, Goiânia e Maceió (1975); Curitiba, Campina Grande, Natal e Teresina (1976); Vitória, Mossoró e São Luís (1977); Foz do Iguaçu, Florianópolis, Anápolis, Uberlândia e Novo Hamburgo (1978); e, por fim, já em 1979, Juiz de Fora, Campos dos Goytacazes e Campo Grande.

Com o apoio decisivo do Estado Nacional, criou-se um admirável sistema nacional de abastecimento, em um país de dimensões continentais. Esse sistema é elogiado pela FAO e outros organismos internacionais que o indicam como modelo a ser seguido por outros países. Até o início da década de 1980 ainda se viu prosperar a construção de novas Ceasas, sobretudo no interior, mas a expansão parou por aí. A política brasileira começaria a ser abastecida pelo ideário neoliberal e, consequentemente, pelos ataques à participação do Estado nos rumos da nação.

Todo esse planejamento estatal começava a ecoar, portanto, como um insulto aos neoliberais, sempre ávidos por privatizações. O laissez-faire apregoado pelos agentes do mercado é quase que um mantra, um “bezerro de ouro” a ser louvado permanentemente.

Termos como “sistema nacional de abastecimento”, “Plano Nacional de Desenvolvimento” e tudo aquilo que remeta a alguma atividade planejada e levada adiante pelo Estado, provoca verdadeira repulsa ao neoliberalismo.

Nesse sentido, a partir dos anos 1980, começa a ocorrer a tentativa de desmonte de todas as conquistas relacionadas a esse exitoso e consagrado sistema de abastecimento e distribuição.

Já em 1985, com a posse de José Sarney, houve forte pressão dos privatistas em torno da entrega das empresas estatais para o controle da iniciativa privada, dentre elas as Ceasas. Em 1986 foi anunciado a privatização das 21 Ceasas, através do Decreto n.º 93.611.

Esse Decreto, “autorizava a Cobal a transferir o controle acionário para os respectivos estados e municípios. Determinava, ainda, nos casos de não concordância dos governos estaduais, que as Ceasas poderiam ser transferidas para a iniciativa privada” (ABRACEN, 2011). Como a atividade comercial já era privada, não houve interesse do mercado em assumir os custos da parte administrativa e da infraestrutura.

Em 1987, um novo Decreto era editado, dessa vezes determinando que todas as ações da Cobal passassem para a União, para que, em seguida, fossem transferidas para os respectivos estados. Essa descentralização foi imediatamente questionada pelo Departamento de Centrais de Abastecimento (Decen), que assim se posicionou:

“Em suma, assim procedendo estaríamos minimizando o risco de se cometer, quem sabe, um erro histórico, uma vez que, pela nossa interpretação do Decreto (o 93.611), o mesmo abre perspectivas para mais de um tipo de negociação com os estados, municípios e iniciativa privada, o que sem sombra de dúvida evidencia a possibilidade de, num futuro não muito distante, se ter perdida por completo a unidade sistêmica do Sinac. Aí, o que teremos será um conjunto de Ceasas funcionando cada uma de maneira diferente e isolada, o que dificultará sensivelmente o estabelecimento de qualquer política de interesse do Governo Federal e/ ou dos Ministérios, como padronização, classificação, embalagens, inspeção, tabelamento de preços etc.” “Como consequência também, não resta a menor dúvida que diversas Ceasas abrirão os seus estatutos sociais, permitindo a compra e venda de hortigranjeiros em total desacordo com os objetivos que nortearam a criação do programa e em evidente concorrência com os usuários – que em última análise são os agentes que pagam as suas despesas – além de inevitavelmente se revelarem menos eficientes do que aqueles, pois prevalecerão interesses políticos e demagógicos. Neste particular, as injunções que hoje são tantas, possivelmente se revelarão ainda mais acirradas, nas disputas de cargos e empreguismo nas Ceasas. Além disso, também a série histórica relativa às estatísticas hortigranjeiras trabalhadas pela Cobal há aproximadamente 10 anos, e da maior valia para programas e atividades de instituições como o próprio Ministério da Agricultura, corre o risco de ser interrompida [3].”

Na prática, era o fim do fim do Sistema Nacional de Centrais de Abastecimento. Um sistema que fora constituído ao longo de décadas, de forma sistêmica e integrada aos diversos elos de uma complexa cadeia.

Nos anos neoliberais que marcaram os governos Collor e FHC, ainda que malograda as tentativas de privatizações, o que se viu foi o abandono do comércio de produtos hortifrutigranjeiros por parte do governo federal.

Nos governos Lula houve importante retomada do esforço de revitalização de um sistema nacional de abastecimento através da criação do Programa Brasileiro de Modernização do Mercado Hortigranjeiro (Prohort), por meio da Portaria do MAPA nº 171, de 29/03/2005, resultado da reivindicação das próprias Ceasas. A operacionalização ficou a cargo da Conab. Em 2014, já no governo Dilma, o Prohort é ampliado em suas funções pela Portaria nº 339, de 11/04/2014 (MOURÃO & MAGALHÃES, 2009).

De acordo com a Conab, através de seu site institucional, o Prohort tinha:

“(…) por finalidade contribuir para o desenvolvimento e modernização do setor hortigranjeiro nacional, proporcionando maior interação entre os diversos agentes governamentais envolvidos e os integrantes da cadeia de produção e distribuição, além de buscar a melhoria e a ampliação das funções dos mercados atacadistas”[4].

Entre as principais ferramentas que dispunha o Prohort, pode-se destacar os sistemas de informações com os dados da comercialização de produtos hortifrutigranjeiros nas principais Ceasas do país, permitindo o “acompanhamento de preços, análises de mercado, consulta de séries históricas, identificação das regiões produtoras, entre outros estudos técnicos”[5].

Mas essa retomada do sistema de abastecimento nacional foi bruscamente interrompida com o golpe de 2016 e a volta dos neoliberais ao governo central. O que se assiste, a partir de então, é uma ofensiva para se privatizar as Ceasas e desconstituir o sistema público de abastecimento.

“Quem dá mais?”: O balcão ilícito dos vendilhões neoliberais

É dia de feira
Quarta-feira, sexta feira
Não importa a feira
É dia de feira
A Feira. O Rappa.

Para a corrente neoliberal que dá os rumos na economia brasileira, todo dia é dia de feira. É liquidação permanente de todo o patrimônio nacional, independentemente de seu aspecto estratégico ou importância social.

Ao invés de se promover a expansão do sistema nacional de centrais de abastecimento a todos as capitais do país e demais cidades polos, em parceria com a iniciativa privada, o que se assiste é a liquidação daquelas que já existem e cumprem papel estratégico para toda sociedade.

Para ilustrar a ânsia privatista dos neoliberais, nada melhor que a fala do Ministro da Economia do governo Bolsonaro, Paulo Guedes, que, ao apresentar o secretário especial de Desestatização e Desinvestimento, Salim Mattar, a um grupo de investidores em Dallas, nos EUA, disse que privatizará “tudo o que puder”. E foi além: “Ele vai vender tudo que nós temos. Do palácio do presidente à casa que eu deveria morar e tudo que pudermos vender. Vamos tentar vender a Petrobras, o Banco do Brasil, ou no mínimo fazer uma fusão. Tentar unir o Banco do Brasil com o Bank of America. Já fundimos Boeing e Embraer”.

Apesar de não estarem no topo das prioridades dos investidores estrangeiros, as Centrais de Abastecimento constam nesta lista e o plano de entrega das Ceasas à iniciativa privada já começou há tempos. Algumas em estágio mais avançado que outras, a depender dos governos locais.

 A maior de todas as Ceasas, a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), responsável por aproximadamente 30% de todos os produtos comercializados no comércio varejista de alimentos no Brasil e terceiro maior centro de distribuição de alimentos do mundo, é a menina dos olhos dos privatistas no setor.

De enorme importância estratégica ao país e, sobretudo ao estado de São Paulo, a Ceagesp é a maior central de abastecimento da América Latina e está instalada em uma área de 700 mil metros quadrados na capital paulista. Os produtos comercializados pela estatal são provenientes de quase 1500 municípios, de 23 Estados brasileiros e de outros 24 países, o que demonstra ainda mais sua relevância social.

Mesmo com toda esse protagonismo, no início do mandato do presidente Jair Bolsonaro foi anunciada a devolução do controle da estatal para o estado de São Paulo. Mas já em meados de 2019, o governo federal a incluiu em uma relação de várias outras empresas que seriam privatizadas.

Presidente da Ceagesp por seis anos, de 2009 a 2015, Maurici Morais é enfático no alerta de que “a companhia vai a leilão sem que se discuta em profundidade as questões estratégicas do Estado sobre o abastecimento de comida”[6].

Segundo Morais, em entrevista concedida ao Jornal Brasil de Fato, “para o governo do Estado é uma manobra para liberar uma área onde ele tem interesse de implantar não sei o quê, ou seja, é só negócio imobiliário. Para o governo federal, é superávit primário. Se livrar de coisas que dão prejuízo ou que na cabeça deles não é atividade-fim de governo”.

Nesta mesma matéria, o professor Walter Belik, da faculdade de Economia da Unicamp e especialista em abastecimento, alerta sobre a importância da presença do Estado no setor, tanto nas questões de controle de qualidade quanto na variedade de ofertas. Na Ceagesp são comercializados cerca de quinhentos produtos diferentes. E prossegue:

“Do ponto de visto urbano, é importante para a manutenção dos pequenos comércios, por exemplo, feiras livres, quitandas, açougues etc. Não podemos favorecer a concentração do varejo de alimentos. Então, o atacado que serve a esses equipamentos deve ser mantido incorporando outras funções como inocuidade, controle, rastreabilidade, oferta de orgânicos, produtos de cadeias curtas de abastecimentos, produtos de especialidades regionais e culturais”.

 

Figura 2: Galpão da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp). Foto: Claudio Belli/Valor.

Em outubro de 2019, o governador João Doria justificou a privatização da Ceagesp alegando não ser “função do estado cuidar de ações e atividades, como o abastecimento e distribuição de alimentos, que podem ser melhor desenvolvidas pela iniciativa privada”[7].

Não por acaso, é o mesmo que governador que, em um programa de televisão, debochou ao perguntar se “alguém pensa que pobre, humilde, miserável, infelizmente, pode ter hábito alimentar”. De acordo com o neoliberal Dória, se o pobre “se alimentar, tem que dizer ‘graças a Deus’”.

Obviamente, uma Central de Abastecimento do porte de uma Ceagesp não teria nenhum papel na melhoria da dieta da população pois, segundo este mesmo governador, “pobre não tem hábito alimentar”[8], ou seja, deveria agradecer o que lhe aparecer para comer.

A “sensibilidade” no trato com as políticas que envolvem o papel do Estado na garantia dos direitos básicos da população não é novidade entre os neoliberais. No final de outubro de 2020, o governo federal anunciou um ex-comandante da Rota (Ronda Ostensiva Tobias de Aguiar) Ricardo Augusto Nascimento de Mello Araújo, como novo diretor-presidente da Ceagesp. O coronel da reserva também administrará outras 12 unidades atacadistas e 10 unidades de armazenagem ativas, espalhadas pelo interior do Estado de São Paulo com o objetivo de fazê-la dar lucro. “Devemos mostrar quem é a Ceagesp”[9], disse o ex-comandante da Rota.

As Centrais de Abastecimento de Minas Gerais (Ceasa Minas) é outra estatal de grande importância estratégica para os mineiros. Possui 500 mil metros quadrados de área construída por onde circulam aproximadamente 50 mil pessoas diariamente. Estima-se que passam por seus galpões 80% dos alimentos consumidos diariamente na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Em audiência da Comissão de Agropecuária e Agroindústria da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), realizada no dia 27 de novembro de 2019, comerciantes, trabalhadores e produtores rurais repudiaram a proposta de privatização da Ceasa Minas proposta pelos governos neoliberais de Bolsonaro e do governador Romeu Zema.

Para Luisa Santos, assessora do Sindicato dos Carregadores dos Mercados Livres de Produtos e Hortifrutigranjeiros (Sindicar-MG), “o Ceasa Minas atende a premissas da Constituição Federal: segurança alimentar, abastecimento, garantia de renda ao pequeno produtor e geração de empregos”.

O então presidente da Cooperativa dos Produtores de Hortifrutigranjeiros de Minas, José Antônio Silveira, assim se pronunciou nessa ocasião: “O governo federal, para justificar a privatização, está sucateando a Ceasa. Os investimentos foram bloqueados. Temos problemas até com lâmpadas quebradas que não são trocadas, sendo que temos dinheiro para fazer isso” [10].

As demais centrais de abastecimento passam pela mesma agonia. Postos estratégicos, erguidos com o suor do povo brasileiro através de uma política levada à cabo pelo Estado Nacional há décadas, estão sendo literalmente desabastecidas para justificar a suas entregas de mãos beijadas ao livre mercado.

[1] Ver mais em: http://www.ceasa.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1.

[2] Disponível em: https://www.conab.gov.br/institucional. Acessado em 12 de nov. 2020.

[3] Parecer de 15/12/86 (menos de um mês após o decreto 93.611) assinado pelo gerente, à época, do Decen – Departamento de Centrais de Abastecimento – Ivan Moreira da Silva.

[4] Ver em: https://www.conab.gov.br/info-agro/hortigranjeiros-prohort.

[5] Ver mais em: https://www.conab.gov.br/info-agro/hortigranjeiros-prohort?view=default.

[6] Ver em: https://www.brasildefato.com.br/2019/08/27/privatizacao-da-ceagesp-pode-criar-monopolio-privado-de-abastecimento

[7] Ver mais em: https://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/governo-anuncia-acoes-para-ceagesp-e-investimento-de-empresa-do-setor-eletrico/.

[8] Ver mais em: https://www.cartacapital.com.br/politica/o-pobre-tem-fome-o-pobre-nao-tem-habito-alimentar-diz-doria/.

[9] Ver mais em: https://noticias.r7.com/sao-paulo/ex-comandante-da-rota-e-o-novo-diretor-presidente-da-ceagesp-28102020.

[10] Ver mais em: https://www.almg.gov.br/acompanhe/noticias/arquivos/2019/11/27_comissao_agropecuaria_ceasa.html. 

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:

ABRACEN. Associação Brasileira das Centrais de Abastecimento. Manual Operacional das Ceasas do Brasil. 2011. Disponível em: http://abracen.org.br/wp-content/uploads/2014/05/manual.pdf. Acessado em: 15 nov. 2020.

CUNHA, A. R. A. A. Dimensões estratégicas e dilemas das Centrais de Abastecimento. Revista de Política Agrícola. No. 4. 2006. Brasília.

MOURÃO, I.; MAGALHÃES, J. Breve História do Mercado atacadista de hortigranjeiros no Brasil. Revista de Administração Municipal do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), n. 9; 2009.

*Luciano Rezende Moreira é doutor na área de melhoramento genético de plantas (UFV), mestre em entomologia (UFV) e especialista em Manejo Integrado de Pragas (UFLA). É graduado em agronomia (UFV), geografia (Uerj) e administração pública (UFF). Atualmente é professor no Instituto Federal de Brasília (IFB). É diretor da Fundação Maurício Grabois.