Em 7 de dezembro de 2006, o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, declarou como inconstitucionais os dispositivos da Lei nº 9096/95 que instituíam a chamada cláusula de barreira. Esta pretendia impedir o funcionamento parlamentar, bem como restringir fortemente o acesso ao Fundo Partidário e à propaganda na TV, dos partidos políticos que não obtiveram, em 1º de outubro de 2006, na eleição para a Câmara dos Deputados “o apoio de, no mínimo, cinco por cento dos votos apurados, não computados os brancos e os nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados, com um mínimo de dois por cento do total de cada um deles”.

À luz do resultado do pleito de 2006, as seguintes agremiações não sofreriam quaisquer restrições: Partido dos Trabalhadores – PT, com 14,94% dos votos, elegendo 83 deputados federais; Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB, com 14,51%, elegendo 89 deputados federais; Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB, com 13,76%, e 66 deputados federais; Partido da Frente Liberal – PFL, com 10,88%, 65 deputados federais; Partido Progressista – PP, com 7,11%, 41 deputados federais; Partido Socialista Brasileiro – PSB, com 6,21%, 27 deputados federais; Partido Democrático Trabalhista – PDT, com 5,19%, 24 deputados federais.

Atingidos pela cláusula de barreira estariam 22 partidos, dentre os quais: Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, com 4,72% dos votos, elegendo 22 deputados; Partido Liberal – PL, 4,35%, 23 deputados; Partido Popular Socialista – PPS, 3,99%, 22 deputados; Partido Verde – PV, 3,65%, 13 deputados; Partido Comunista do Brasil – PCdoB, 2,12%, 13 deputados; Partido Socialismo e Liberdade – PSOL, 1,23%, 03 deputados.

No Supremo Tribunal Federal, prevaleceu o entendimento de que os constrangimentos previstos na Lei nº 9096/95 feriam a Constituição, tendo em vista que esta não prevê limites à atuação parlamentar de agremiações partidárias. Ademais, as discriminações criadas, no acesso ao Fundo Partidário e à propaganda na TV, foram consideradas incompatíveis com o princípio da proporcionalidade e com a liberdade de organização partidária, protegida constitucionalmente. Contudo, tão logo dirimida a controvérsia, retorna o tema ao debate, por força de Proposta de Emenda à Constituição apresentada pelo senador Marco Maciel (PEC nº 2/2007), que busca acrescentar um parágrafo ao artigo 17 da Constituição, assim escrito:

“Para fins de funcionamento parlamentar, a lei poderá estabelecer distinções entre os partidos que obtenham um mínimo de cinco por cento de todos os votos válidos nas eleições para a Câmara dos Deputados, distribuídos em, pelos menos, um terço dos Estados, com um mínimo de dois por cento dos votos válidos de cada um desses Estados na mesma eleição, e os partidos que não atinjam esse patamar”.

O propósito do presente artigo é registrar os principais aspectos do julgamento do STF, preparando o novo período de debates que se avizinha, com a tramitação da PEC acima citada.

As teses contra a cláusula de barreira prevista na Lei nº 9096/95

Um dos principais objetivos da Lei nº 9096/95 era o estreitamento do quadro partidário, supostamente para facilitar a formação de maiorias parlamentares e reforçar a governabilidade. Assim, formou-se um entendimento inicial de que a cláusula de barreira significaria um aperfeiçoamento do nosso sistema político. Contudo, a importação acrítica de modelos de outros países não oferece os melhores caminhos. Por exemplo, a experiência alemã ocorre no âmbito de um regime parlamentarista, no qual a excessiva fragmentação do quadro partidário afeta profundamente, e de maneira imediata, a governabilidade. O mesmo não ocorre no regime presidencialista, em que os governos não são constituídos pelo Parlamento, e sim por vontade direta do povo. Olhando para o Brasil e refletindo sobre as características dos nossos processos históricos, constatamos que não são os pequenos partidos que dificultam a formação de maiorias parlamentares no Congresso, mas sim a inexistência de uma clara hegemonia política em uma sociedade extremamente desigual e complexa. Todos os governos, após a redemocratização, construíram maiorias parlamentares, ressalvados os momentos de crises – as quais jamais derivaram da ação exclusiva de pequenos partidos. Logo, a pluralidade partidária não é uma ameaça ao Estado Democrático de Direito, muito ao contrário.

Em outro plano de análise, é fundamental sublinhar não haver em nosso sistema constitucional amparo para a criação de deputados de “segunda classe” ou “zumbis”. Basta analisar os artigos 44 e seguintes da Constituição. Destacamos especialmente o seu art. 58, § 1º, que assegura, na composição das Mesas e das Comissões, a proporcionalidade entre os vários partidos presentes nas Casas Parlamentares. A privação total do funcionamento parlamentar levaria a uma insustentável contradição: um partido não poderia atuar no Congresso Nacional, mas manteria a legitimidade para atuar perante o STF, provocando ações diretas de inconstitucionalidade, ou para exercer a Chefia do Poder Executivo. Ou seja, um partido seria menos representativo do que os demais no âmbito interno do Parlamento, e igualmente representativo no que se refere ao controle concentrado de constitucionalidade ou ao exercício do governo. Tudo isso se resume na conclusão de que “funcionamento parlamentar de acordo com a lei” (art. 17, IV, da Constituição) jamais poderia ser interpretado como proibição ao dito funcionamento.

Ademais, a aplicação da cláusula de barreira implicaria a determinação de institutos de direito parlamentar por uma norma estranha a esse âmbito. Com efeito, é assente na Constituição ser competência privativa da Câmara ou do Senado estabelecer as normas de seu funcionamento no respectivo Regimento Interno, veiculado por Resolução aprovada unicamente no âmbito da Casa, sem ser encaminhada à revisão da outra Casa legislativa, nem à sanção presidencial.

Ressalte-se, ainda, que a cláusula de barreira significaria uma quebra de isonomia entre os parlamentares pertencentes aos quadros dos partidos que a ultrapassaram e aqueles dos partidos que não conseguiram superar a tal cláusula. Entretanto, não havia qualquer suporte constitucional para tal discriminação, à vista do Estatuto dos Parlamentares veiculado pela Constituição. Essa quebra de isonomia estender-se-ia ao seu eleitorado. Os votos daqueles que sufragaram os deputados “zumbis” teriam um valor menor do que os votos daqueles que sufragaram os deputados eleitos por partidos que alcançaram a cláusula de barreira. Assim, estaria sendo infringido diretamente o mandamento do artigo 14 da Constituição Federal, segundo o qual os votos têm “valor igual para todos”.

Finalmente, lembramos que um sistema político democrático protege os direitos das minorias políticas e preserva a possibilidade de elas se transformarem em maiorias, disputando com “igualdade de chances” as sucessivas eleições. Assim sendo, não seria compatível com os princípios da igualdade de chances e da proporcionalidade que determinados partidos ficassem com 99% do Fundo Partidário e tivessem dez vezes mais tempo de propaganda partidária que os demais, uma vez que isso impediria que as minorias de hoje se convertessem nas maiorias de amanhã.

Esse conjunto de teses pode ser assim sintetizado:
– O pluralismo político pressupõe a proteção à manifestação das minorias políticas;
– a liberdade de organização de partidos políticos exige um sistema de concorrência partidária compatível com o princípio da igualdade de chances;
– a cláusula de barreira caracteriza quebra da isonomia entre os parlamentares eleitos por partidos que a tenham alcançado e aqueles vinculados a partidos que não a atingiram;
– com a adoção da cláusula de barreira, configura-se distorção da vontade popular à vista da diminuição do valor do voto daqueles que sufragaram parlamentares de partidos que não a alcançaram;
– havia evidente desproporcionalidade na Lei nº 9096/95 ao fixar as cotas do Fundo Partidário e os tempos de propaganda partidária, graduando-as de modo a violar o princípio da igualdade de chances.

O julgamento no STF

O exame da constitucionalidade da cláusula de barreira foi efetuado com o julgamento das ADins nºs 1351, 1354 e 2677. O relator, ministro Marco Aurélio, ao proferir seu voto, assim fundamentou seu ponto de vista:

“(…) sob o ângulo do pluripartidarismo, da representatividade dos diversos segmentos nacionais, é dado perceber a ênfase atribuída pela Carta Federal às minorias. No tocante às comissões permanentes e temporárias da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, o § 1º do artigo 58 do Diploma Maior assegura sem distinguir, considerada a votação obtida, o número de eleitos, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam da respectiva Casa (…).

A Constituição Federal atribui ainda legitimidade aos partidos políticos para provocarem a jurisdição constitucional concentrada, sendo suficiente, contar, para tanto, com um único representante em qualquer das Casas do Congresso. Em última análise, as previsões constitucionais encerram a neutralização da ditadura da maioria, afastando do cenário nacional óptica hegemônica e, portanto, totalitária. Concretizam, em termos de garantias, o pluralismo político tão inerente ao sistema proporcional, sendo com elas incompatível regramento estritamente legal a resultar em condições de exercício e gozo a partir da gradação dos votos obtidos. Aliás, surge incongruente admitir que partido sem funcionamento parlamentar seja, a um só tempo, legitimado para a propositura das ações direta de inconstitucionalidade e declaratória de constitucionalidade, não tendo atuação na Casa Legislativa, mas agindo via credenciamento popular no âmbito do Judiciário, tudo acontecendo – repito – sem que existente a restrição constitucional.

(…) Aliás, para aqueles preocupados com a proliferação dos partidos políticos, há de levar-se em conta que o enxugamento do rol é automático, presente a vontade do povo, de quem emana o poder. Se o partido político não eleger representante, é óbvio que não se poderá cogitar de funcionamento parlamentar. (…) Ainda no tocante à razoabilidade, mostra-se imprópria a existência de partidos políticos com deputados eleitos e sem o desempenho parlamentar cabível, cumprindo ter presente que, a persistirem partidos e parlamentares a eles integrados, haverá, em termos de funcionamento parlamentar, o esvaziamento da atuação das minorias.

(…) Nos dias de hoje, tem-se exemplo marcante da extravagância da disciplina legal. O histórico e fidedigno Partido Comunista do Brasil logrou obter 2,12% da totalidade dos votos para a Câmara dos Deputados, significando esta percentagem substancial votação – um milhão, novecentos e oitenta e dois mil, trezentos e vinte e três votos em noventa e três milhões, seiscentos e vinte e cinco mil, oitocentos e cinqüenta e oito votos –, perfazendo a percentagem de dois por cento dos votos em nove Estados – Acre, Amazonas, Piauí, Rio Grande do Sul, Ceará, Maranhão, Bahia, Pernambuco e Amapá – e elegendo 13 deputados. Conta hoje com integrante integrante a presidir a Câmara dos Deputados – o deputado Aldo Rebelo. Pois bem, ante a incidência do artigo 13, na próxima legislatura, de duas, uma: ou o deputado Aldo Rebelo migra para outro partido, em condenável polivalência político–ideológica, ou terá que desistir de concorrer à reeleição, esta última admitida pelo Supremo desde que se trate de nova legislatura – muito embora o § 4º do artigo 57 da Carta contenha cláusula vedando “a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subseqüente”. Mais ainda: o atual Vice-Presidente da República, José Alencar, é do Partido Republicano Brasileiro – PRB. Foi reeleito. O Partido não veio a atender às exigências legais nas últimas eleições, elegendo 1 deputado. Contará com integrante Vice-Presidente da República, mas com deputado órfão, sem endosso partidário, na Câmara dos Deputados.

(…) Esta Corte é chamada a pronunciar-se sobre a matéria a partir da Constituição Federal. Descabe empunhar a bandeira leiga da condenação dos chamados partidos de aluguel, o preconceito, mesmo porque não se pode ter como a revelá-los partidos, para exemplificar, como o Partido Popular Socialista – PPS, o Partido Comunista do Brasil – PCdoB, o Partido Verde – PV e o Partido Socialismo e Liberdade – PSOL, sendo que este último, aliás, é condenado a não subsistir sem que tenha experimentado espaço de tempo indispensável a lograr grau de acatamento maior frente ao eleitorado. (…) A dose é cavalar, implicando a potencialização do objeto visado em detrimento de princípios constitucionais.

Possíveis circunstâncias reinantes, possíveis desvios de finalidade hão de ser combatidos de forma razoável, sem a colocação em segundo plano de valores inerentes à democracia, a um Estado Democrático de Direito. Levem em conta ainda que o funcionamento parlamentar não o é apenas nas Assembléias e Câmaras, alcançando o Senado da República e neste os seguintes partidos, da ala excluída, elegeram nas últimas eleições senadores – sem contar aqueles que se encontram em meio ao mandato: Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, 3 senadores; Partido Comunista do Brasil – PCdoB, 1 senador; Partido Renovador Trabalhista Brasileiro – PRTB, 1 senador; Partido Popular Socialista – PPS, 1 senador; e Partido Liberal – PL, 1 senador.

Indaga-se: ter-se-á dois pesos e duas medidas com funcionamento parlamentar no Senado e ausência nas demais Casas Legislativas? Se positiva a resposta, o sistema estará capenga, distinguindo-se onde o legislador não distinguiu.

Que fique ressaltado, em verdadeira profissão de fé, em verdadeiro alerta a desavisados, encontrar-se subjacente a toda esta discussão o ponto nevrálgico concernente à proteção dos direitos individuais e das minorias, que não se contrapõe aos princípios que regem o governo da maioria – cuja finalidade é o alcance do bem-estar público, a partir da vontade da maioria, desde que respeitados os direitos dos setores minoritários, não se constituindo, de forma alguma, em via de opressão destes últimos.

No Estado Democrático de Direito, a nenhuma maioria, organizada em torno de qualquer ideário ou finalidade – por mais louvável que se mostre –, é dado tirar ou restringir os direitos e liberdades fundamentais dos grupos minoritários dentre os quais estão a liberdade de se expressar, de se organizar, de denunciar, de discordar e de se fazer representar nas decisões que influem nos destinos da sociedade como um todo, enfim, de participar plenamente da vida pública, inclusive fiscalizando os atos determinados pela maioria. Ao reverso, dos governos democráticos espera-se que resguardem as prerrogativas e a identidade própria daqueles que, até numericamente em desvantagem, porventura requeiram mais da força do Estado como anteparo para que lhe esteja preservada a identidade cultural ou, no limite, para que continue existindo.

Aliás, a diversidade deve ser entendida não como ameaça, mas como fator de crescimento, como vantagem adicional para qualquer comunidade que tende a enriquecer-se com essas diferenças. O desafio do Estado moderno, de organização das mais complexas, não é elidir as minorias, mas reconhecê-las e, assim o fazendo, viabilizar meios para assegurar-lhes os direitos constitucionais. Para tanto, entre outros procedimentos, há de fomentar diuturnamente o aprendizado da tolerância como valor maior, de modo a possibilitar a convivência harmônica entre desiguais. Nesse aspecto, é importante sublinhar, o Brasil se afigura como exemplo para o mundo.

Democracia que não legitima esse convívio não merece tal status, pois, na verdade, revela a face despótica da inflexibilidade, da intransigência, atributos que, normalmente afetos a regimes autoritários, acabam conduzindo à escravidão da minoria pela maioria. Alfim, no Estado Democrático de Direito, paradoxal é não admitir e não acolher a desigualdade, o direito de ser diferente, de não formar com a maioria. Mais: o Estado Democrático de Direito constitui-se, em si mesmo – e, sob certo ponto de vista, principalmente –, instrumento de defesa das minorias. Esse foi o entendimento adotado, levando o Supremo a garantir a criação de Comissão Parlamentar de Inquérito pela vontade de um terço – e não da maioria – dos parlamentares, no julgamento do Mandado de Segurança nº 24.831-9/DF, relatado pelo ministro Celso de Mello e cujo acórdão foi publicado no Diário da Justiça de 4 de agosto de 2006. É de repetir até a exaustão, se preciso for: Democracia não é a ditadura da maioria! De tão óbvio, pode haver o risco de passar despercebido o fato de não subsistir o regime democrático sem a manutenção das minorias, sem a garantia da existência destas, preservados os direitos fundamentais assegurados constitucionalmente”.

Com variações de ênfase e/ou agregando outros argumentos, os demais ministros do STF trilharam o mesmo caminho, resultando na preservação do funcionamento parlamentar de todos os partidos que elegeram deputados e/ou senadores, bem como na manutenção das regras antes vigentes para acesso ao Fundo Partidário e ao tempo de propaganda na TV.

As novas batalhas

A decisão do STF representou uma grande vitória para os que crêem em um sistema partidário verdadeiramente plural, que não esmague as minorias políticas. Contudo, as forças hegemônicas no Congresso Nacional reiniciaram, logo no começo de 2007, a batalha pela consagração de suas concepções. Obtiveram importante vitória no último dia 15 de fevereiro, quando, apesar da resistência do bloco PCdoB-PSB-PDT-PAN-PMN e do PSOL, conseguiram aprovar, na Câmara, em regime de urgência, nova sistemática de partilha do Fundo Partidário, por intermédio do PL 84/2007:
Artigo 1º. Inclua-se o artigo 41-A na Lei n º 9.096/95, com a seguinte redação: “Art. 41-A. Cinco por cento do total do Fundo Partidário será destacado para entrega, em partes iguais, a todos os partidos que tenham seus estatutos registrados no Tribunal Superior Eleitoral e noventa e cinco por cento do total do Fundo Partidário serão distribuídos aos mesmos, na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados”.

Artigo 2º. Revogam-se o inciso V do artigo 56, e o inciso II do artigo 57 da Lei nº 9.096/95.
Como se constata, manteve-se a insistência em um caminho já refutado pelo STF, com uma enorme assimetria na distribuição dos recursos do Fundo (95% a 5%). Provavelmente, após o debate no Senado e sobrevindo a sanção presidencial, novamente os partidos prejudicados irão ao STF, repisando as teses já ali apresentadas.

Todavia, a batalha mais expressiva ocorrerá com a tramitação da PEC nº 02/2007, de autoria do senador Marco Maciel, transcrita no início deste artigo. A proposição, além de padecer dos mesmos pecados políticos cometidos pela Lei nº 9096/95, é juridicamente equivocada. Com efeito, ao admitir a possibilidade de partidos serem privados de funcionamento parlamentar, reproduz a idéia de ser cabível a existência de parlamentares de “primeira e de segunda classe”, rechaçada pelo STF. Com isso, admitir-se-ia a caracterização de eleitores de segunda classe ou, no caso do Senado, de até mesmo Estados de segunda classe – quando representados por senadores privados da plena atuação parlamentar.

O fato de agora buscar-se a mudança da Constituição não altera, em essência, o debate já efetuado a propósito da Lei nº 9096/95. Se aprovada a PEC em exame, haverá a necessidade de cotejá-la com outras regras constitucionais, detectando-se contradições (inclusive com cláusulas pétreas) que, seguramente, serão levadas ao STF. Assim, longe de resolver a questão e estabilizar a organização partidária, a PEC causará mais tensões e poderá inviabilizar a tramitação de partes mais substantivas da reforma política. Neste contexto, é importante iniciar desde logo o movimento de resistência contra a PEC em foco. Isso abrange a apresentação de alternativas que melhorem o sistema partidário, sem eliminar virtudes imprescindíveis em uma democracia, tais como o pluralismo, a proteção à representação das minorias e a possibilidade de estas se transformarem em maiorias.

Neste passo, considero que o primeiro tema a ser discutido, no âmbito de uma reforma política democrática, deva ser a fidelidade partidária que, entre outros efeitos, conduz a uma progressiva diminuição do número de partidos, atingindo as “legendas de aluguel” (grandes ou pequenas) – destituídas de história, de identidade e de ideário. Movido por essa visão, apresentei à Câmara dos Deputados a PEC nº 04/2007, dispondo sobre a perda de mandatos por infidelidade partidária. Acredito ser esta a via adequada para obtenção de uma reorganização dos partidos políticos, sem erguer barreiras contra a democracia.

Flávio Dino, deputado federal (PCdoB/MA), membro da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, professor de Direito (UFMA e IDP).

EDIÇÃO 88, FEV/MAR, 2007, PÁGINAS 48, 49, 50, 51, 52