Fomos levados ao pelourinho das palavras.
Ao açoite público sob a luz impiedosa da tarde.
Arrastados pelas ruas.
Atados às patas dos cavalos.

O sangue, o sal, a carne em postas,
exposta ao sol para o horror dos olhos:
a aterradora pedagogia do medo
gritando no alto dos postes da imensa Vila Rica.

De onde brota a sinistra raiz desse ódio?
Do édito
– que não concebe a recusa.
Dos punhos de renda
– que rejeitam a mão que a moenda mastigou.
Do senhor
– que não tolera o gesto insubmisso.
Da voz
– que arma a mão do feitor.

Essa que maneja a lava da palavra
e dissolve com seu fogo os passos que cumprimos.
Sonham, senhores e áulicos, nos converter em cinzas
e nos lançar aos ventos definitivos.

Mas, dobramos a esquina e nos recompomos
na voz de um peão
que ecoa a força dos séculos,
na pedra da praça e nos redime.

Sitiados pelo silêncio
– o silêncio aqui são os rios da palavra morta
ditada à diário ante os nossos olhos –  
rompemos o submisso idioma do conformismo.
Invadimos a terra cercada e os espaços do mando.

Recriamos o espaço das ruas
( e das redes virtuais que a ordem não captura…)
carregamos pelas ruas bandeiras de liberdade.
Desafiamos o pelourinho.
Já não dobramos o dorso,
já não baixamos os olhos.
Com o corpo coberto de cicatrizes,
Portando estrelas no peito,
nos olhos a invencível vocação de mar
nós, os primitivos,
voltamos
e somos milhões.

 

Hamilton Pereira (Pedro Tierra) poeta,  publicou entre outros livros: Poemas do Povo da Noite; Água de Rebelião; Dies Irae; Missa da Terra sem-males em parceria com Pedro Casaldáliga e Martin Coplas.