Há pouco mais de um século, isto é, justamente no ano de 1826 os antecessores de Mr. Truman se declaravam solidários com os insurretos gregos, que se batiam pelas armas contra o despotismo turco. Foi no momento em que a América ainda se achava sob a impressão de suas próprias lutas pela independência nacional. Detalhe interessante — o primeiro navio de guerra a vapor que a Grécia revolucionária pôde empregar na guerra nacional libertadora foi proporcionado pelos Estados Unidos. Os gregos lembram sempre esse fato histórico. Parece, no entanto, que os epígonos dos grandes defensores da liberdade do outro lado do Atlântico, há muito esqueceram esse pequeno fato histórico, como tantos outros do mesmo gênero. No presente, enviam suas armas, — aperfeiçoadas ao máximo, para esmagar um pequeno povo heróico que, depois de ter estado na vanguarda da epopeia dos povos contra o fascismo e o nazismo, enfrenta novo invasor estrangeiro, fiel à sua longa tradição de luta pela independência nacional.

A Revolução de 1821-1828

A insurreição nacional grega de 1821 a 1828 provocou uma onda geral de entusiasmo na Europa e em toda parte, entre os liberais da época e os amigos da liberdade. Cantada por Vitor Hugo, tocou também profundamente o coração de Puchkine e a sensibilidade delicada de Byron, que por ela sacrificou a vida. Dos dezembristas russos aos carbonários italianos e os liberais espanhóis, toda a Europa democrática e progressista de então reconheceu e sentiu nesta insurreição um dos acontecimentos precursores do levante popular de 1848. Friedrich Engels, então jovem estudante, impressionou-se de tal forma pelos feitos dos gregos que consagrou uma peça de teatro à revolta dos helenos, conforme o demonstram documentos inéditos, recentemente publicados pelos arquivos Marx—Engels em Moscou. Parece mesmo que Engels, nesta ocasião, aprendeu a língua neo-helênica. Esta insurreição, dirigida contra o despotismo turco, levantava-se no fundo contra todo despotismo e, em conseqüência, contra a Santa-Aliança, A isto se deve atribuir o fato de que a Conferência de Verona, na Itália, que se realizou alguns meses depois do começo da revolução grega, a considerasse como “a obra da conspiração internacional anárquica, e não um produto da vontade própria dos gregos”.

O caráter profundamente democrático da revolução grega reflete-se em suas primeiras leis orgânicas (Constituições de Épidaure, 1823, e de Trizine, 1824), nas quais ficaram estabelecidos os direitos do homem e do cidadão como base da organização do Estado independente.

Um decreto do Senado do Peloponeso — corpo representativo criado logo após o inicio da revolução — datado de 25 de março, de 1822, no segundo ano portanto da revolução, leva-nos às mesmas conclusões.

Este decreto, expedido de Tripolitza, capital do Peloponeso, dirigido às províncias, diz claramente:

“Ordenamos aos habitantes de vossa província, a todos os que têm em seu poder turcos ou pessoas de outras nacionalidades, compradas ou capturadas, homens ou mulheres, deixá-los livres e não lhes causar dificuldades, porque o homem não tem direito algum sobre seus semelhantes, os seres racionais”.
Ao nosso ver, isto caracteriza, de forma clara, o que foi a insurreição nacional dos helenos de 1821 a 1828.

Esta insurreição, agrária e popular por seu conteúdo, tão nitidamente revolucionária e democrática, não levou, entretanto, senão ao seu contrário, isto é, à monarquia absoluta. Os pequenos senhores feudais gregos, que viam desaparecer suas prerrogativas e seus privilégios, esqueceram a pátria — como é costume entre as classes exploradoras dominantes — por seus interesses pessoais de classe. Seu reacionarismo aliado aos interesses estrangeiros, contraditórios e rivais, conseguiu inverter o equilíbrio das forças, até então existente, abolindo todos os direitos constitucionais, todas as liberdades populares e chegou, desta forma, primeiro à ditadura de Capodistria (diplomata grego, originário de Corfu, morto em Nauplie em 1831, que estava a serviço da Santa-Aliança), e mais tarde à realeza. As grandes potências instalaram em Atenas um príncipe bávaro como rei, o famoso rei idiota Othon. O sangue derramado, os sacrifícios e as privações sofridos pelo valente povo grego, durante todos esses anos, serviram apenas para a criação dum Estado fantasma, cuja existência quotidiana dependia da “boa vontade das três grandes potências protetoras”, a Inglaterra, a França e a Rússia tsarista. A rivalidade entre estas grandes potências nos negócios gregos tornou-se a causa da maior Infelicidade para nosso povo. Uma vez colocada sua liberdade nacional nos mãos dos Palmerston, Guizot, etc., a Grécia nada mais foi que um simples joguete dos “grandes”; deram-lhe como destino, sobretudo por causa de sua posição estratégica, servir os imperialismos em desenvolvimento, os quais — ora unidos, ora em oposição, mas sempre infelicitando a Grécia gravitavam em volta do Oriente Próximo.

A Escravização Política

Toda a história moderna de nossa pátria, desde a revolução de 1821 até nossos dias, não passa de uma sucessão de intervenções brutais e dominações estrangeiras. A monarquia absoluta bávara foi instaurada contra a vontade nacional: toda a oposição liberal foi dura e atrozmente esmagada. Os trabalhadores do campo ficaram privados de qualquer parcela na partilha das chamadas “terras nacionais”, isto é, das terras que haviam pertencido aos tiranos turcos. Estas terras foram distribuídas aos favoritos da realeza, a fim de criar desta forma uma base social para a monarquia artificialmente implantada no país. O porto do Pireu foi ocupado em 1854, na guerra da Criméia, para impedir a Grécia a pegar em armas contra os turcos.

Em 1862, o rei Othon foi escorraçado do trono da Grécia. Diz-se que ele nunca compreendeu porque os gregos não o quiseram mais e a seu cortejo de especialistas, conselheiros e organizadores bávaros. Na verdade, que povo ingrato: não querer seguir os conselhos dos bons alemães! Entretanto, as grandes potências “protetoras” acorreram imediatamente e uma nova realeza foi imposta aos gregos: desta vez, foi um príncipe dinamarquês, nada idiota, que foi nomeado rei dos gregos, sob o nome de Georges I. Para não ser obrigado a seguir a sorte de seu predecessor, o rei Georges I mostrou-se bastante constitucional . Em 1897 foi imposto à Grécia um controle econômico internacional, violando assim todo princípio de soberania nacional, Por meio de demonstrações de suas esquadras, as potências protetoras impediram que Creta se unisse à Grécia em 1896 e, pelos mesmos meios, fizeram questão de salvar a monarquia de uma queda certa, por ocasião do levante popular de 1909. Durante a primeira guerra mundial, os imperialistas lançaram-se ainda mais abertamente sobre a Grécia, provocando uma guerra civil. Uns tinham como agentes o rei Constantino e sua mulher, irmã do Kaiser (país do atual rei), e as ilhas da Grécia como portos de reabastecimento clandestino para os submarinos alemães; os outros intervieram pelas armas, forçando a Grécia a se colocar de seu lado nas aventuras guerreiras que em 1922 acabaram na terrível catástrofe da Ásia Menor. Um milhão de gregos, perseguidos pelos turcos, viram-se obrigados a deixar sua terra natal. Foi a primeira vez, desde a antiguidade, que os gregos foram obrigados a concentrar-se. Esta concentração, embora tenha sido o resultado de um fracasso e tivesse conseqüências prejudiciais, muito contribuiu para o desenvolvimento posterior da vida grega; em particular, aliada à troca das populações efetuada depois da guerra, contribuiu para criar a maior homogeneidade nacional na Grécia do Norte.

A monarquia absoluta, primeiro, e depois a realeza constitucional, ambas impostas por interesses estrangeiros, não serviam e defendiam senão estes interesses estrangeiros, quer do ponto de vista político, quer do ponto de vista econômico e financeiro; de maneira que cada etapa da evolução da consciência .nacional grega sempre se chocava com estes obstáculos e foi sempre obrigada a se defender deles ou atacá-los como trincheiras do domínio estrangeiro. Primeiro a aristocracia agrária, depois a burguesia liberal, serviram por sua vez a política da subordinação às grandes potências. Seus interesses específicos de classe e de casta confundiam-se internamente com os interesses e os objetivos estrangeiros. Deve-se a este fato os pretextos “formais das intervenções, fazendo com que estas classes e estas castas agissem, nos momentos críticos, para elas e seus amos, mas em nome da nação, como classes representativas. Devem-se também a este fato, as recentes declarações do sr. Tsaldaris na ONU, segundo as quais as tropas estrangeiras encontram-se na Grécia “convidadas pelo governo helênico”.

A Escravização Econômica

A intervenção estrangeira manifesta-se bem claramente no domínio da atividade econômica. Empréstimos concluídos em Londres, Paris e Nova York, marcam os pontos essenciais de uma política de subordinação, que coloca a Grécia no nível das semi-colônias. Foi desta forma que, sobre os dois primeiros empréstimos, chamados “empréstimos da libertação, realizados em Londres, junto a Rothschild e Hambro, de uma soma nominal de 2 milhões de libras esterlinas, apenas 200.000 libras esterlinas chegaram até ao tesouro grego De um’outro empréstimo, de 45 milhões de francos, destinado a apoiar – a monarquia e os mercenários bávaros, apenas algumas migalhas entraram nos cofres públicos. Em 1875, recomeça a atividade do capital estrangeiro. Infiltração muito mais profunda desta vez. Capitais franceses açambarcam as minas de Laurium. Outros entram no país sob a forma de empréstimo para a construção da estrada de ferro Atenas-Thessalia. Mais tarde são as concessões a capitais franceses e ingleses para a construção das estradas de ferro do Peloponeso e da Grécia ocidental. À medida que a questão do Oriente chegava a seu ponto culminante e que os antagonismos para a partilha do Império otomano se acentuavam, a Grécia era obrigada a aceitar novas colocações de capital, isto é, novos empréstimos lhe eram impostos para seu rearmamento. As condições destes empréstimos eram arrasadoras. A derrota de 1897, que teve como conseqüência o fracasso do controle internacional, assim como as guerras balcânicas (1912 a 1913), a primeira guerra mundial e a guerra na Ásia Menor, que terminou em catástrofe, levaram o país a um verdadeiro desastre. Na véspera da segunda guerra mundial, 30% do orçamento anual eram consagrados aos juros e amortizações dos títulos da dívida grega. Se juntarmos a isto as despesas, lucros e seguros dos capitais estrangeiros, chegaremos a uma soma quase equivalente a receita total líquida.

Para completar este quadro, devemos acrescentar algumas referências importantes. Toda a colocação de capitais estrangeiros na Grécia era ao mesmo tempo uma concessão e um monopólio. Foi desta maneira que os capitais ingleses conseguiram o atual monopólio da produção e distribuição de eletricidade em Atenas, dos bondes desta mesma cidade, do “metro” de Atenas-Pireu, assim como dos ônibus e Atenas e subúrbios. Os bondes de Salônica pertencem a uma sociedade francesa. Os portos de Cândia, Chios, Samos e Volos são concessões a capitais estrangeiras. Os trabalhos de irrigação nos vales de Serres e Axios são concessões a capitais ingleses e americanos; a companhia de telefones é estrangeira. A empresa de águas de Atenas, Ulen & Cia., é americana. O lago e os pântanos de Copaís foram saneados por uma empresa inglesa. E assim por diante. Mesmo a localização de centenas de milhares de refugiados de 1922, não passou de uma empreitada capitalista americana que assim construiu aldeias em massa. Estas concessões e estes monopólios impediram o país de beneficiar-se da concorrência dos capitais do mercado financeiro. A Grécia não conheceu jamais lei da diminuição dos juros; sempre teve a taxa de desconto mais alta da Europa e uma taxa de exploração do trabalho verdadeiramente colonial. Não foi por acaso que em seguida à Libertação em novembro de 1944, um oficial inglês da Missão Econômica teve a audácia de dizer ao Ministro do Trabalho do primeiro governo de União Nacional, que os salários que este tinha fixado, de acordo com os representantes dos operários e dos industriais, eram inaceitáveis, e que na África se pagava muito menos aos negros.

No entanto, a Grécia possui um subsolo rico em minério de ferro, de chumbo, bauxita, linhito; mas nunca teve ocasião de proceder à exploração industrial destas matérias primas.

A Consciência Nacional

Este predomínio estrangeiro sobre o país e a tendência a torná-lo um país dependente, semi-colonial, contribuíram evidentemente para a formação e o desenvolvimento de uma consciência nacional que se manifestou através de revoltas populares. Estas revoltas têm dois aspectos simultâneos: um tendente à criação de condições necessárias para uma vida progressista no interior do país e a outra visando uma vida nacional independente, do ponto de vista das relações externas. Este duplo aspecto da consciência moderna grega explica-se pelo que acabamos de expor e é uma conseqüência direta do fato de ter sido sempre o país tratado como semi-colônia. Diz uma velha canção popular grega:

Os grandes traficantes
Vendem as nações
Como se fossem rebanhos.
Atraiçoam, rindo, a terra.
Mas aqui, entre nós, sobre estas montanhas jamais conquistadas.
São as armas quem têm a palavra.
É velha, esta canção, mas nada perdeu de sua atualidade. Em 1843, um levante dos elementos progressistas do exército, ao lado da revolta popular, impôs a Constituição. Em 1862, um outro levante, mais amplo, derrubou a monarquia do rei Othon. 0 ano de 1909 marca o advento do liberalismo progressista, que, no entanto, só levou a compromissos com a reação. A ala esquerda deste liberalismo declara-se democrática e socialista. Sob a pressão dos interesses estrangeiros, sobretudo, violentas lutas internas conduziram a uma guerra civil e, através de guerras externas e de derrotas (1922), à derrubada da realeza. A primeira república grega surge em 1924. Há já alguns anos que o proletariado grego intervém na vida social e política como força independente. O liberalismo não demora como em toda parte do mundo, a se aliar aos partidos monarquistas contra as forças populares. A crise econômica e política acentua-se. Passa-se à restauração da realeza pela ditadura de Kondylis (1935) e à ditadura de Metaxas e do rei Georges I (1936).

A Guerra Anti-Fascista

A invasão mussoliniana, em outubro de 1940, encontrou uma Grécia não preparada, cujo governo ditatorial não tinha nenhuma vontade de resistir verdadeiramente às tropas fascistas. É bem conhecido que o general Metaxas sempre foi pró-alemão e muito ligado aos círculos militares alemães e hitleristas. Foi pois a vontade do povo que forçou o governo de então a enfrentar o invasor fascista. Foi este povo que, em trajes civis, quase sem armas, obrigou os italianos a se retirarem do território grego; este mesmo povo marchou de vitória em vitória, na Albânia, apesar de dispor de meios bem inferiores aos do inimigo. Exemplo admirável do que pode fazer um povo cioso de sua liberdade e sua independência nacional. Admirável exemplo também de que não se consegue fazer de um povo civilizado e humano uma nação de bárbaros guerreiros, mesmo depois de vinte anos de tirania, e isto é dito em honra do fraternal povo italiano: ele não desejava a guerra. Por seu lado, os gregos sabiam muito bem que combatendo Mussolini, combatiam a ditadura em seu próprio país, o fascismo e o nazismo em todos os países. Fato que a ditadura bem compreendia e que de modo nenhum desejava: seus interesses não coincidiam com Os interesses da pátria, coisa bem claramente demonstrada na resposta dada pelo Ministro da Ordem Pública, Maniadakis, aos deportados anti-fascistas que pediam sua mobilização para se bater contra o invasor, pela independência da Grécia, nesse momento critico em que todas as forças eram indispensáveis à pátria. Eles afastavam toda divergência política, colocando acima de tudo a pátria, sua independência, sua liberdade e sua honra. A resposta de Maniadakis foi a seguinte:

“A pátria não necessita de vós: desejais combater o fascismo, enquanto a pátria não combate o fascismo de Mussolini e sim a nação italiana, como tal”.
A pequena Grécia ainda resistiu três semanas aos alemães, apesar das ordens do Estado Maior. A semana de maio de 1941, em que milhares de pára-quedistas alemães foram jogados na batalha de Creta, ficou para sempre gravada na memória dos hitleristas.

“Odiamos os gregos, assim como os iugoslavos e os dos noruegueses, diziam eles, mais que a quaisquer outros povos: sereis completamente riscados do mapa da Europa. O Fuhrer disse”.

A Resistência da E.A.M.

A ocupação produziu uma grande reviravolta em toda a nação. Os partidos políticos ou aceitaram a colaboração camuflada com os alemães, como o partido populista de Tsaldaris, e lhes forneceram dois governos de quislings, ou conservaram-se passivos. Aliás, Tsaldaris, comparecendo como testemunha num processo, depois da guerra, aproveitou a ocasião para declarar que “não era obrigação dos partidos políticos fazerem resistência”. E, na verdade, não foram os velhos partidos que a fizeram. A única Resistência eficaz foi a que emanou diretamente do povo, a Resistência da E.A.M. e da ELAS. Aos poucos, esta resistência reuniu toda a nação. Mobilizou a consciência nacional em todos os setores; unificou as forças, valorizou todas as possibilidades. Coordenou a luta nos campos e montanhas com a luta nas cidades, a luta militar e a luta política.

Seria longo falar aqui da obra puramente construtiva do Conselho Nacional (Parlamento da Resistência) e do PEEA (Governo Provisório da Resistência) nos territórios libertados. Desejamos apenas ressaltar estes preceitos:

“Todos os poderes emanam do povo e são exercidos pelo povo. A administração e a justiça populares são instituições fundamentais da vida pública dos gregos.
Todos os gregos, homens e mulheres, gozam dos mesmos direitos políticos e civis.
O trabalho é uma função social fundamental e cria direitos para o gozo de todos os bens da vida”.
É a este povo que tanto lutou e tudo sacrificou, que outros senhores estrangeiros querem escravizar para melhor poder utilizar seu valor estratégico em suas aventuras imperialistas. É este mesmo povo que luta e diz não aos novos conquistadores e a seus mercenários, como se bateu até à vitória contra os sultões do passado e os hitleristas de ontem. Este é um povo que se bate sempre na vanguarda, na grande luta pela paz, pela independência das nações, por uma humanidade mais feliz. Uma humanidade que se lembrará com reconhecimento de todos os seus defensores, em qualquer lado do oceano em que se encontrem, mas que hão de expulsar as grandes traficantes de povos com suas bombas atômicas e seus mercenários