Há poucos dias, terminou em Pequim o processo judicial contra o chamado "bando dos quatro" e o grupo dos altos escalões militares da época da Revolução Cultural.

Os preparativos para esse processo judicial desenvolvido segundo um roteiro cuidadosamente elaborado, duraram quatro anos, desde outubro de 1976, quando "os quatro" foram presos. Tão longo período não está ligado à "acumulação de todas as provas", como declararam os procuradores da Justiça em Pequim, mas ao fato de que Deng Xiaoping e seu grupo tiveram dificuldade em desenvolver o processo sem consolidar fortemente as suas posições e sem uma longa e profunda manipulação da opinião pública. Antes do julgamento, Deng empreendeu uma série de depurações na alta direção do Partido e do Estado, levando ao poder pessoas da sua confiança, a maior parte das quais tinha sido derrubada e condenada tempos atrás.

Com o objetivo de ampliar e reforçar a base social de seu poder, paralelamente a essas depurações ele reabilitou não apenas todos os quadros golpeados pela Revolução Cultural, mas também muitos dos elementos feudais, capitalistas e contra-revolucionários, derrotados pela Revolução Chinesa. Os que ainda estavam vivos reconquistaram os direitos e privilégios econômicos. Alguns foram novamente colocados na direção das fábricas que haviam possuído e em diversos órgãos do poder.

Deng precisava assegurar, ao mesmo tempo, o apoio externo, o que encontrou no fortalecimento da aliança com o imperialismo norte-americano e na ajuda econômica de bilhões de dólares que o grande capital internacional lhe concedeu.

Quando acabaram todos esses preparativos, Deng levantou o pano e começou no palco a representação da farsa por ele denominada de "processo judicial contra o bando dos quatro".
Pelas informações fornecidas através da imprensa, pela acusação do procurador, bem como pela decisão do tribunal, tornou-se claro que Deng e seu grupo, por meio do golpe no "bando dos quatro", visavam de fato a Mao Tsetung. Da maneira como se desenvolveu o julgamento e pelo que nele se disse, resultou que esse não foi o julgamento dos vivos, mas dos mortos – de Mao, de Kang Sheng e outros.

O tribunal condenou "os quatro" como criminosos e não pela política que haviam seguido. Agiu assim porque, se fizesse diferentemente, deveria também mostrar a que política eles se tinham oposto. Eis a razão pela qual os forjadores do julgamento de Pequim não lhe deram um caráter político, apesar de ter a Revolução Cultural, que eles quiseram condenar, caráter político.

Os "quatro" não atuaram fora da linha de Mao e da Grande Revolução Cultural Proletária. O Partido do Trabalho da Albânia exprimiu sua própria opinião sobre esse evento, que não foi revolução, nem grande, nem cultural, nem proletária, mas uma explosão caótica, um putsch palaciano, dirigido por elementos não-marxistas visando a liquidar outros elementos antimarxistas que tinham tomado o poder. Devido a isto, durante a Revolução Cultural ocorreram golpes e enfrentamentos, repressões e abusos. Mas, tais coisas, na China de hoje, não ocorrem em menor número. Nos quatro cantos desse país estão em curso, atualmente, muitos julgamentos contra os diversos oposicionistas do grupo no poder. A economia, que entrou completamente nos trilhos do capitalismo, se encontra no caos. A produção caiu e a insatisfação das massas aumentou.

"Deng preserva especialmente aquela parte do pensamento de Mao Tsetung na qual melhor se evidenciam as idéias burguesas e capitalistas”.

Deng Xiao-ping e seus pares jogaram Mao por terra no atual julgamento, desde o início até o fim. As afirmações de que ele tivera 70% de bom e 30% de mau são palavras vazias, especulações e demagogia vulgar. Condenam Mao, contudo preservam o pensamento de Mao Tsetung porque é a ideologia do caminho capitalista da China e dos seus objetivos de convertê-la numa superpotência. Deng preserva especialmente aquela parte do pensamento de Mao Tsetung na qual melhor se evidenciam as idéias burguesas e capitalistas. E ainda mais, resguarda o pensamento de Mao Tsetung para mascarar aos olhos do povo a guerra total que trava contra Mao Tsetung, incluindo o importante papel por ele desempenhado na vitória da Revolução democrática e antiimperialista na China.

Deng e seu grupo continuam apresentando o pensamento de Mao Tsetung como marxismo-leninismo. Todavia, esta pretensão não tem nenhuma base, é completamente absurda. O Partido do Trabalho da Albânia desmascarou semelhante blefe e tem ressaltado que o pensamento de Mao Tsetung não é marxismo-leninismo, mas uma ideologia antimarxista. As especulações da atual direção chinesa sobre o suposto conteúdo marxista-leninista do pensamento de Mao Tsetung têm por objetivo apresentar os planos e a atividade contra-revolucionários dessa direção, dentro e fora do país, como revolucionários.
Deng procura conservar o pensamento de Mao Tsetung porque presentemente não tem, de reserva, nenhuma outra ideologia, além de alguns slogans pragmáticos tais como "as quatro modernizações", "o gato branco e o gato preto" e algum outro do mesmo jaez. O pensamento de Mao Tsetung foi e continua sendo a ideologia da totalidade dos grupos e frações na China; é, como pretendem os próprios dirigentes chineses, produto de todos, de Mao, de Chu En-lai, de Deng Xiao-ping, de Liu Shao-shi. Por esse motivo, o pensamento de Mao Tsetung tomou-se na China a bandeira de cada grupo e fração e tem servido de cobertura para qualquer putsch palaciano.

Considerado em seu conjunto, o julgamento foi um acerto de contas e uma luta entre grupos rivais pelo poder.
Em Pequim, desenvolveram-se de fato dois julgamentos: um aberto, contra "os quatro" e o grupo militar e, outro, dissimulado, contra Mao, Chu, Ie e Hua Kuo-feng.
O julgamento aberto pôde transcorrer segundo a orquestração de Deng, mas o encoberto deparou com muitas dificuldades, pois representava as grandes rivalidades no seio da atual direção.
Nessas rivalidades estavam implicadas não apenas algumas pessoas, mas grupos de milhões, políticas diversas em diferentes períodos, pondo em risco interesses particulares pelo poder. Também ambições formuladas claramente ou não por muitos grupos em luta caótica e sem princípios, por vários setores de militares, "senhores de guerra modernos", por grupos que aprovavam Mao, bem como por outros que o condenavam. O grupo de Ie, em alguns problemas, está de acordo com Hua e contra Deng; o de Hua é pró-Mao e oposto a Deng; o de Deng é contrário a Mao, Ie e Hua, pró-Liu Shao-shi, supostamente pró-Chu En-lai. No final das contas, é o grupo dos mais jovens aquele que Deng empurra à frente, grupo que tenta estabilizar-se para instaurar o seu poder.

As "cem flores e cem escolas" de Mao Tsetung florescem, estão em desenvolvimento e em luta. Mao justamente previra que suas idéias ecléticas seriam utilizadas tanto pelos direitistas como pelos esquerdistas.

O desenrolar do julgamento revelou nitidamente que Deng tencionava golpear também Hua Kuo-feng e seu grupo, precisamente as pessoas que derrubaram "o bando dos quatro" e o reabilitaram. Ele desejava tirar de Hua o direito de se manter como o herdeiro escolhido pelo próprio Mao e como o intérprete autêntico do pensamento de Mao Tsetung. Contudo, queria fazê-lo, não cortando cabeças, como os velhos imperadores, mas com base na "lei", desacreditando-o, em primeiro lugar, politicamente. Dessa forma, Deng finge apiedar-se de Hua pela ajuda que este lhe deu, criando ao mesmo tempo para si uma imagem "democrática" do agrado da América e do Ocidente, que se apresentam como "defensores dos direitos humanos".

Para Deng Siao-ping, Hua é o "gato preto".
Deng utiliza as conhecidas táticas chinesas, incitando uns e outros a dizerem que "Hua foi liquidado, que pediu demissão". Prepara desse modo a opinião pública, tateia o pulso político das pessoas, tanto no exterior como no interior do país.

Hua Kuo-feng apresenta-se como um maoísta integral moderado, enquanto Deng é tido como reacionário, fascista, vingativo e antimaoísta. Hua é pela amizade com o Japão e a Europa Unida, Deng é pró-norte-americano, belicista e a favor da ocupação dos países do Sudeste Asiático. Quem vencerá? Com esses elementos no poder, nem a China, nem a revolução, nem a verdadeira paz triunfarão. São dirigentes que representam o hegemonismo chinês, instrumentos do imperialismo mundial.
Um dos alvos do processo foi o Exército.

Condenando os principais comandantes do período da Revolução Cultural, Deng Xiao-ping visava a redimensionar o poder político do Exército, reduzir seu peso nas decisões políticas e, em geral, na vida da China. Com o intento de evitar a reação dos Estados-Maiores, sobretudo do Corpo de Oficiais, ele acusou os ex-generais de terem querido assassinar Mao, precisamente Mao que defendia os privilégios dos militares e tornara o Exército a força política decisiva do país, uma força com mais peso que o próprio Partido e o Poder constituído.

Todavia, os cálculos feitos no início do julgamento não resultaram exatos no final. O tribunal não comprovou as acusações. O chamado complô dos militares para assassinar Mao ficou nebuloso.
Os objetivos estabelecidos pelo tribunal para si não foram alcançados em nenhum sentido. O clã de Hua Kuo-feng, embora muito debilitado atualmente nos altos foros do Partido, do Poder e do Exército, ainda encontra apoio nas dezenas de milhares e milhões de quadros intermediários e inferiores projetados pela Revolução Cultural, os quais sentem, compreendem e vêem que a depuração iniciada por Deng nos escalões superiores da hierarquia chinesa descerá e os expulsará. O mesmo percebem os militares. Depois dos altos chefes, chegará a vez dos que estão mais abaixo. Nessas condições, pelas suas tradições militaristas, não permitirão que seu poder político seja corroído aos poucos e se feche nas casernas. E mais, isto também não é possível pelo fato de a política da atual direção ter como objetivo primordial a modernização do Exército e sua transformação em uma grande força de choque em nível das superpotências. A construção dos complexos industrial-militares atribui ao Exército um papel de primeira ordem em toda a vida econômica, política e social do país.

"(…) O adiamento da aplicação da pena, assim como as hesitações relacionadas com a organização do julgamento, demonstram que na China sempre atuaram poderes de diversas forças políticas e que as mãos de Deng ainda não estão completamente livres para agir como quiser…"

O sentimento de vingança, não só política, como pessoal, evidenciou-se nos esforços dos juízes e na vasta campanha da imprensa no sentido de caracterizar os acusados como criminosos comuns, como aventureiros. Todas as baterias voltaram-se principalmente contra Chiang Ching. Não obstante, este objetivo também não foi alcançado. Pelo que a agência Nova China transmitiu e pelas imagens apresentadas pela televisão chinesa, a viúva de Mao não só não baixou a cabeça, como atacou abertamente os que a julgavam, chamando-os de camarilha revisionista, traidores, agentes do Kuomintang. As pessoas viram na TV não uma pessoa abatida e arrependida, porém a arbitrariedade dos juízes que não a deixaram falar e a brutalidade dos policiais que a algemaram e pegaram à força com o fim de retirá-la da sala.

Segundo a decisão do tribunal, somente Chiang Ching e Chang Chun-chiao foram condenados à morte, mas lhes deram um prazo de dois anos para se arrependerem e salvarem a cabeça. Os outros, conforme as acusações a eles feitas, receberam sentenças relativamente baixas, sobretudo os militares. À primeira vista, é como se isso estivesse de acordo com as tradições chinesas; entretanto, o adiamento da aplicação da pena, assim como as hesitações relacionadas com a organização do julgamento, demonstram que na China sempre atuaram poderes de diversas forças políticas e que as mãos de Deng ainda não estão completamente livres para agir como quiser. O processo de Pequim foi um autodesmascaramento dos revisionistas chineses, porque ressaltou ainda mais toda a putrefação do sistema político capitalista e da base ideológica burguesa que têm predominado na China. O caos, a grave situação e os crimes pelos quais a atual equipe no poder culpa apenas a Revolução Cultural e as pessoas que a desencadearam e dirigiram, sem poupar sequer o falecido Mao, constituem o resultado do curso contra-revolucionário e do caminho capitalista adotado nesse país.

A China, quase um continente, desde sua libertação até hoje, não encontrou nenhuma estabilidade, nem conseguiu construir uma estrutura político-econômica e estatal-organizativa estável, de qualquer natureza que fosse.

No começo, utilizou o slogan de "nova democracia", mais tarde batizada de "socialismo" e mesmo de "ditadura do proletariado". Mas, na verdade, a estrutura do novo Estado chinês foi, e se manteve, uma estrutura feudal-burguesa. Na prática, não foram feitos esforços por renovar essas estruturas, porque faltava clareza política e ideológica que orientasse essa renovação. Os dirigentes da República Popular da China, desde a sua fundação, não eram marxistas-leninistas; os objetivos que perseguiam para desenvolver o país e a economia no caminho burguês-capitalista, são, até hoje, obscuros. Lutava-se usando fórmulas, citações. Tateava-se o terreno, os sistemas, sem se concentrar em nenhum deles. Esforçavam-se por mostrar aquilo que não eram. A China vivia e vive à base de medidas tomadas de um dia para outro.

"Cada grupo ou indivíduo tinha sua via nebulosa, indefinida, mas predominava em todos o sentimento de vingança, de derrubada de um grupo por outro. Este caminho ainda prossegue”.

Nesse nevoeiro, nesta falta de clareza político-ideológica, desenvolviam-se as rivalidades dos diversos grupos que se batiam pelo Poder, pelo domínio sobre a Nação. Cada grupo ou indivíduo tinha sua via nebulosa, indefinida, mas predominava em todos o sentimento de vingança, de derrubada de um grupo por outro. Este caminho ainda prossegue. Também o grupo de Mao Tsetung e Chu En-lai nadava nessas águas. Apesar disso, era o grupo mais positivo, o que se esforçou e fez algo capenga, mas fez alguma coisa pela China. O grupo de Liu Shao-shi era o mais reacionário. Atualmente, a camarilha de Deng não passa de feudal-fascista, ultra-reacionária.

Deng, com seus seguidores, parece estar nos primeiros camarotes, recebe e acompanha visitantes, pronuncia discursos e ameaça. O país, no entanto, está sendo desacreditado, tanto no interior como no exterior. Todos duvidam dele. Sua economia, recuperada por Mao e Chu En-lai, acha-se em péssimas condições. Mente a direção atual ao jogar a culpa nos "quatro".

"Um grupo tomará o Poder, derrubando o seu rival. O que caiu fará novo complô para derrotar o dominante, até que o povo chinês se torne consciente e ponha fim ao caos apregoado por Mao Tsetung.”

A China encontra-se numa encruzilhada. Vive no caos, na anarquia, na insegurança. Cada passo de seus dirigentes é não só pragmático, mas conjuntural, tanto para a situação interna, como para a externa. Sua política é sem princípios, anacrônica, feudal, prepotente. Já não engana ninguém quando se apresenta como "democrática" e menos ainda como "socialista".

Se se pode utilizar uma imagem, a China assemelha-se a uma casa velha e grande, sem alicerces sólidos, construída sem plano e sem estrutura. Cada terremoto político faz desabar partes inteiras. Os construtores que chegam para repará-la são ainda piores e a destroem completamente.
A megalomania do "grande Estado chinês" não pesa na atual política mundial, as idéias de Deng e de Hua estão condenadas ao fracasso. O imperialismo e o hegemonismo, seja americano, soviético, chinês ou das demais potências capitalistas, são odiados e combatidos pelos povos do mundo.
Vivemos o século das grandes crises mundiais capitalistas-revisionistas, o século das lutas de libertação e das revoluções.

Os inimigos externos da China procuram saqueá-la, fazendo investimentos com grandes lucros para eles. Há, em relação a esse país, dúvidas e falta de confiança. Nem a própria China sabe onde tem a cabeça e os pés. Para os adversários do povo chinês, o caos é desejável. Agora, nem a América, nem a burguesia reacionária temem a China. A União Soviética tem mais medo de Lech Walesa do que de Deng Xiao-ping. O processo de Pequim refletiu e confirmou tal situação. O grupo de Deng e também o de Hua condenaram "os quatro" e vários militares como "criminosos comuns e conspiradores", mas eles condenaram realmente toda a política e o sistema econômico-social da China, desde a libertação em 1949. E quem condenou essa política e esse sistema? Os mesmos que os construíram.
Embora o processo de Pequim apareça como o encerramento de um capítulo da luta pelo Poder, na verdade não terminou a luta entre os diversos clãs, nem se liquidaram as inimizades e a divisão política interna do país. O processo atiça ainda mais esse conflito e cria condições para seu acirramento ulterior. Assim como a Revolução Cultural lançou as bases da luta entre os clãs atuais, o julgamento dos "quatro" abre caminho aos embates
entre os novos clãs que, algumas vezes, se unirão, outras se dividirão e, em certas oportunidades, se matarão uns aos outros. Um grupo tomará o Poder, derrubando o seu rival. O que caiu fará novo complô para derrotar o dominante, até que o povo chinês se torne consciente e ponha fim ao caos apregoado por Mao Tsetung.

Agora, as velharias capitalistas avassalam a China. Mas a história as condenou. A China da juventude revolucionária não pode concordar que as vitórias avançadas sejam sepultadas na lama atirada pelos ambiciosos e prepotentes grupos de aproveitadores.
Os marxistas-leninistas e todas as pessoas progressistas do mundo têm esperanças de que a China revolucionária liquide, na luta, o grande caos em que seus inimigos internos e externos a lançaram.
 
* Artigo publicado no jornal Zeri I Popullit (“A Voz do Povo”), órgão do Partido do Trabalho da Albânia, no dia 3 de fevereiro de 1981.

EDIÇÃO 2, JUNHO, 1981, PÁGINAS 19, 20, 21, 22, 23