Amiúdam-se as visitas de altos representantes do mundo dos negócios, dos círculos políticos e esquemas militaristas das grandes potências ao nosso país. Aqui já estiveram numerosos elementos da equipe governamental de Reagan, inclusive seu vice-presidente. Generais nem se fala, chegam uns após outros. Atualmente, temos entre nós o general John Mc Ennery, do exército norte-americano, presidente da chamada Junta Inter-americana de Defesa. E o banqueiro Alden Clausen, também presidente, mas do Banco Mundial, o BIRD.

De modo geral, os visitantes realizam conversações a portas cerradas, entre quatro paredes, nos escalões superiores da Administração brasileira. Ao final, dizem umas poucas palavras que mal disfarçam os verdadeiros objetivos de suas missões, e se marcham. Os assuntos tratados são, ao que parece, segredos de Estado, não admitem publicidade.

Indubitavelmente os banqueiros e generais ou os políticos da Casa Branca não vêm discutir a diminuição dos juros nos Estados Unidos, cujas taxas em elevação se refletem negativamente no custo do dinheiro em toda parte; nem o fim do comércio desigual e sujeito, cada dia, a mais restrições protecionistas na América do Norte; nem medidas destinadas a pôr termo à interferência nos assuntos internos dos demais países do Continente; nem também os ataques à liberdade e aos direitos humanos provindos de governos militares; ou ainda a manutenção da paz seriamente ameaçada pela política belicista e agressiva dos imperialistas. Nada disso. Washington e os banqueiros internacionais, em tais questões, pensam de maneira radicalmente oposta. Não pretendem afrouxar a corda que aperta o pescoço dos povos por eles subjugados. Tampouco estimular a defesa da democracia e da paz. Representam a política de reação, de guerra, de dominação econômica do mundo, que inclui a exploração feroz de mão-de-obra barata e a espoliação das riquezas de outros países. É a lógica, e a prática, do Estado monopolista do grande capital.

Mc Ennery veio tratar "da luta contra o comunismo", conforme declarou o general Ferreira Marques, do exército brasileiro. De passagem por São Paulo, onde veio encontrar-se com Salim Maluf, referiu-se à situação "muito grave" da América Central, e ao papel que ele diz caber à Junta Inter-americana de Defesa: "participar de missões (melhor diria, de agressões) quando convocada pelos países membros", entre os quais, é evidente, preponderam os pontos de vista do Pentágono. Segundo Mc Ennery, a União Soviética (por sinal também imperialista) estaria ameaçando, com seu "comunismo", os interesses das nações do Hemisfério. Impunha-se, portanto, o combate ao comunismo, o que significa cercear as liberdades, perseguir os patriotas, esmagar a luta libertadora das massas oprimidas da América Latina. Nesse sentido, veio sondar a possibilidade do envio de tropas brasileiras ou do apoio formal do Brasil para a intervenção em EI Salvador. Idêntica atividade ele e seus parceiros realizam em Paraguai, Argentina, Chile.

Os Estados Unidos são o sustentáculo principal do governo retrógrado e imposto de EI Salvador. Os "conselheiros" norte-americanos, os técnicos no combate à guerrilha – as "tropas especializadas" – já se encontram em ação nas terras salvadorenhas. Mas não bastam. E surge uma dificuldade nada desprezível: o ódio sagrado e histórico que o povo de El Salvador dedica aos intervencionistas ianques. Por isso, os EEUU intentam camuflar sua atuação militar de larga envergadura com a participação, mesmo simbólica, de tropas da América Latina. O que, aliás, já fizeram, em 1965, em São Domingos, desgraçadamente com a presença de soldados brasileiros.

Por que a intervenção? Acaso é o comunismo que se levanta em armas na Nicarágua, em EI Salvador, na Guatemala? Nesses países, ao que se saiba, nem sequer existem verdadeiros partidos comunistas. O motivo é bem outro. Os povos do Caribe e da América Latina erguem-se e derramam o seu sangue lutando pela independência de suas pátrias, contra a brutal exploração que sofrem por parte dos monopólios norte-americanos e de seus aliados internos. A situação naqueles países chegou a um ponto crítico. A crise social aprofundou-se como nunca, ali impera a fome, a falta de trabalho, a carência total de terra para os que nela labutam, o atraso e a ignorância. E junto com estes males, a ausência completa de liberdade, o terrorismo oficial contra o povo. Criou-se uma situação insustentável, conseqüência direta da orientação antinacional e antipopular do capital estrangeiro associado com o latifúndio e a burguesia crioulos. Contra este estado de coisas tornou-se inevitável a violência revolucionária das massas. É para esmagar a ferro e fogo esta justa luta e manter o povo oprimido e explorado que os Estados Unidos intervêm e pedem a ajuda de governos arbitrários do Continente. Alden Clausen, por sua vez, veio fiscalizar o comportamento da economia e das finanças brasileiras. Reuniu-se com os ministros da área econômica, que lhe prestaram os esclarecimentos solicitados. Ao terminar o encontro, Clausen declarou: “o BIRD aprova totalmente a política econômica do governo brasileiro". Pudera! Até hoje essa política privilegia o capital financeiro internacional em prejuízo dos reais interesses da nação.

O Brasil mantém em dia seus compromissos com o capital estrangeiro, compromissos contraídos à revelia da nação e sob um regime que não permite contestação ou escolha de opção diferente. É certo que o país não chegou ainda ao ponto mais baixo de ter de
pedir moratória. Por enquanto, entrega o que tem às multinacionais e aos credores maiores. E submete imensos contingentes do povo a privações sem conta, à redução do seu já baixíssimo nível de existência, a fim de "economizar" divisas e angariar recursos destinados ao pagamento das obrigações no exterior. Faltam meios de vida e de trabalho para milhões de brasileiros; todavia os banqueiros de Londres, Nova Iorque, Paris, Berna etc., recebem pontualmente do Brasil, em juros e dividendos, alguns bilhões de dólares. Mas Alden Clausen não ficou na verificação do débito e crédito das contas externas brasileiras e na avaliação da perspectiva dos anos vindouros. Esta era apenas uma parte da incumbência que trazia. Veio também, e talvez principalmente, examinar as possibilidades de ser assegurado ao capital estrangeiro uma fatia substancial do projeto Carajás. "Excelente projeto – afirmou – no qual o banco está interessado". O banco é uma forma de ele dizer: os grandes monopólios e os consórcios financeiros internacionais. O governo brasileiro já há algum tempo deu as boas vindas à "cooperação" estrangeira nesse empreendimento. Trata-se, porém, de precisar melhor a participação alienígena, de forma a reservar-lhe a "parte do leão". É o que Clausen pretende.
Convém assinalar que o governo brasileiro decidiu apressar a execução do projeto. E isto não é casual. Antônio Ermírio de Morais, apesar dos privilégios de que desfruta como membro da grande burguesia monopolista, declarou que essa pressa tem relação com o entreguismo. Dizendo-se favorável "à execução do projeto Carajás em prazo mais longo, mas com o capital nacional, e não em curto e médio prazos com capital estrangeiro", o dirigente do grupo Votorantin explicou: no futuro, o governo "vai fazer projetos de exportação a preços favorecidos". E enfatizou: "A pressa é diretamente proporcional à entrega, ou seja, quanto mais depressa se faz o projeto, mais depressa se faz a entrega para o capital estrangeiro".

O Brasil descobriu na serra dos Carajás um filão de riquezas incalculáveis, que bem poderiam contribuir para o progresso independente da nação e o melhoramento das condições de vida do seu povo. Acontece que o país, submetido a uma política impatriótica e desastrada, não defende seu patrimônio nativo. Os governantes alienam as riquezas naturais, que vão engrossar os haveres dos exploradores imperialistas. "Entrarão dólares", dizem esses governantes. Sim, dólares dos quais, muitas vezes, nem a cor se vê – figuram na conta-corrente do balanço de pagamentos, destinados a saldar dívidas e a atender à remessa de lucros para o exterior.

Na década de 1950, também descobrimos uma valiosa reserva de ferro e manganês no Amapá. Os argumentos usados na época quanto a seu aproveitamento eram idênticos aos de hoje: explorá-la para obter dólares. A United Steel Corp., através de seus testas-de-ferro, apossou-se dessa riqueza. Construímos estradas e portos destinados a sua exportação. Em duas décadas, a reserva esgotou-se, toda ela foi parar, a preço de banana, nos Estados Unidos. E que ganhamos com isso? Os dólares entraram e saíram com a mesma rapidez sem deixar proveito de qualquer natureza, salvo para os testas-de-ferro daquela empresa e para os entreguistas qualificados. O Amapá continua tão pobre como antes. Somente que agora com sua geografia alterada pelos imensos buracos que ficaram em seu solo.

Visitantes… Visitantes ilustres, dizem as autoridades. Indesejáveis, contesta a maioria da nação, ansiosa de liberdade, de independência, de autêntico progresso nacional.

EDIÇÃO 4, MAIO, 1982, PÁGINAS 3, 4, 5