Parte da população manifesta, às vezes de maneira violenta, discordâncias com o regime existente. Isso acontece quando os dirigentes do Estado albanês promovem a democratização da vida do país. Pouco a pouco, a Albânia vai mudando de rumo.

Há muitas indagações entre os amigos e defensores do pequeno país à margem do Adriático. Que se passa? Como explicar os acontecimentos que ali se verificam? Existe semelhança com a linha da Perestroika de Gorbachev?

Nós, do Partido Comunista do Brasil, PCdoB, que sempre apoiamos a luta corajosa e até heróica do povo albanês, cheia de sacrifícios, solidária e internacionalista, temos o dever, como marxistas-leninistas, de opinar sobre o assunto em questão.

A derrota mundial do socialismo atinge também a Albânia

Começamos perguntando: pode um pequeno país, atrasado, sozinho, construir o socialismo e avançar para o comunismo? Somos de opinião que, do ponto de vista teórico, isso é inconcebível. Marx e Engels, os fundadores da ciência social, afirmaram na sua época que a revolução socialista para ser vitoriosa deveria ocorrer simultaneamente nos países mais desenvolvidos. Com a passagem do capitalismo à etapa imperialista, Lênin demonstrou que se tornara possível a revolução em alguns países, ou mesmo, num só país. Esse só país, afinal, era a Rússia que possuía o maior território e imensas riquezas no conjunto do mundo. A vida comprovou a justeza do pensamento dialético leninista. Arrostando enormes dificuldades e intervenções militares estrangeiras, a velha Rússia transformou-se radicalmente. O socialismo vingou e chegou a expandir-se a outros países. Foi golpeado mortalmente, faz mais de três décadas, em virtude do desvio oportunista da orientação de Kruschev e de erros na construção socialista.

Na época atual, o pensamento de Lênin acerca da possibilidade da vitória do socialismo num único país continua válido. Mas aplicável tão-somente a país de grande porte, ainda que medianamente desenvolvido, e contando com o ascenso do movimento revolucionário mundial. A reação está mais concentrada, a pressão política, econômica e ideológica muito mais forte. Tampouco há perspectiva em curto ou médio prazos de sério conflito militar entre as grandes potências.

Nas condições do mundo de hoje, é praticamente impossível o triunfo do verdadeiro socialismo num pequeno país. Seria efêmero, sem possibilidades de consolidar-se. Isso não significa que as pequenas nações estejam impossibilitadas de lutar pelo socialismo. Todo movimento radical consequente sustenta essa bandeira. Mas sua estratégia deverá visar à conquista de governos de tipo popular-democrático, revolucionários, buscando formas intermediárias de aproximação dos objetivos mais altos e abrangendo áreas maiores de motivação revolucionária.

Ora, a Albânia socialista surgiu no seio de uma grande comunidade de nações avançadas, tendo a União Soviética como base principal. Em tais condições, podia aceitar, apesar do seu tamanho e do seu atraso, o desafio histórico de realizar o socialismo. E assim procedeu. Embora com contratempos, que não foram poucos, alcançou importantes êxitos. A reação propala que a Albânia é muito atrasada. No entanto, em relação ao atraso da época da Revolução, avançou bastante, sob um regime social novo. Onde não havia linhas férreas, escolas superiores e mesmo primárias em número considerável, indústria de qualquer espécie, desenvolvimento urbano, hospitais e habitações decentes para o povo, erigiram-se obras de relativa importância que deram nova feição àquele país. As condições de vida da população melhoraram sensivelmente. A expectativa da existência humana passou de 38 anos para nível superior a 70. E mais: a revolução albanesa defendeu a unidade nacional, a identidade de um povo que sempre esteve ameaçado na sua soberania. Nenhum outro regime teria conseguido tais realizações.

Acontece que a comunidade socialista, na qual se incluía a Albânia, desapareceu há muito tempo. O movimento socialista revolucionário sofreu uma derrota de caráter histórico, com a traição de Kruschev e companhia. Afundou-se a base material da revolução proletária. Daí em diante, afrouxaram-se os laços internacionalistas. Voltou à cena o chauvinismo grão-russo. Os revisionistas soviéticos chegaram à insensatez de romper relações com a Albânia. Durante alguns anos, porém, ainda subsistiram formas de intercâmbio entre países europeus e também asiáticos que possibilitavam, embora precariamente, a sobrevivência de regimes como o albanês. Mas desabou a tempestade no Leste da Europa e a URSS, com a Perestroika, aderiu sem reservas ao campo contra-revolucionário. Como país socialista, a Albânia ficou só, no velho Continente. Atacada por todos os lados. Enfrentando séria adversidade econômica. E carregando o ônus de erros cometidos na construção da nova vida. Em tais condições, poderá a Albânia manter-se como nação socialista?

As mudanças em curso na Albânia

Embora respeitando a opinião de camaradas albaneses, que continuam falando em regime socialista, somos de opinião que, na atualidade, o socialismo científico é irrealizável na Albânia. Seria um milagre, e não acreditamos em milagres. Faltam condições reais, mínimas, de sustentação de um sistema de padrão superior.

Muitas mudanças vêm sendo efetuadas nesse país. Umas, positivas; outras, de conteúdo duvidoso. Alcançam todas as esferas da vida nacional, tendo em vista atender exigências do momento presente. Várias dessas medidas são destinadas a corrigir erros e a retificar concepções desfocadas do socialismo. Ao mesmo tempo, assentam as bases de funcionamento de um novo sistema, em que pesem as declarações em contrário dos dirigentes albaneses. Envolvem questões de ordem política, jurídica, econômica e social. A democratização do país passa a ser o objetivo fundamental. Em consequência, estabelece-se o Estado de Direito, muito próximo do modelo institucional da burguesia.

Promovem-se eleições competitivas abarcando diversos partidos e organizações de massas, o que pode conduzir à alternância de forças políticas no Poder com a substituição do governo socialista. Dá-se nova orientação à atividade das empresas estatais, que em vários aspectos se assemelha ao sistema de autogestão. Permitem-se os investimentos de capital estrangeiro em forma de joint-ventures, bem como concessão de créditos do exterior. Caminha-se no sentido de alargar a esfera da ação do mercado.

Não se pode dizer que tais medidas, de modo geral, sejam de fundo socialista. Têm outro conteúdo. Algumas justificam-se tendo em conta a atual situação da Albânia. Seria uma forma de tentar sair da crise econômica e política em que o país se vê envolvido.

Contudo, na alteração de rumo, há certas tendências perigosas, inaceitáveis para o movimento revolucionário internacional. Estão ligadas à ofensiva ideológica do inimigo de classe, o imperialismo e seus sócios. Situação adversa à atual transição

As transformações que se operam na Albânia não se fazem num clima internacional democrático e pacífico. Bem ao contrário. O sistema capitalista decadente realiza uma gigantesca campanha anticomunista, em particular depois dos acontecimentos do Leste europeu. Essa campanha raivosa visa a destruir o socialismo em toda parte, e não apenas esse regime, mas tudo o que é progressista no mundo. Trata de instigar os povos a hostilizarem o comunismo. Procura incutir a idéia de que o socialismo fracassou, de que nada deu certo sob o governo proletário-revolucionário, de que a teoria marxista perdeu sua validade. Simultaneamente, proclama a pretensa superioridade do capitalismo como o melhor sistema de vida para os trabalhadores e o povo.

Um país como a Albânia, cercado por adversários hostis, e sem recursos suficientes para satisfazer de imediato os anseios de bem-estar e progresso da população, em especial as reivindicações das novas gerações, é bastante vulnerável a essa propaganda, que ganha adeptos. Surgem manifestações de descontentamento em vários pontos do país. Estruturam-se partidos políticos de oposição. Seus aderentes reclamam não apenas democracia, mas o fim do governo comunista. Querem a destruição dos símbolos e das referências identificados com o comunismo. Por enquanto não são maioria, mas podem crescer com o apoio de fora, sobretudo se predominar o liberalismo no campo político. É evidente que se aprofunda a luta de classes. O apelo à unidade do povo em defesa da independência nacional tem sua razão de ser. Mas é bom ter em conta que em situações como essa, a nação se divide.

Concessões admissíveis, mas não de princípios

São compreensíveis as dificuldades políticas que o governo e o PTA defrontam. Entende-se a abertura que tentam fazer junto a entidades e governos europeus. Concessões são admissíveis. O que não se compreende é uma linha de conduta que se confunda com as posições enganosas dos imperialistas. O discurso do camarada Ramiz Alia, na ONU, em alguns trechos, vai nessa direção. Ele diz que do balanço anual daquela entidade pode-se concluir que "finalmente a humanidade, às portas do século XXI, pode guiar-se na solução dos conflitos pela razão e não pelo recurso à força, pela cooperação e não pela confrontação, pelo bom entendimento e não pela desconfiança". Nada disso corresponde à realidade. A política do imperialismo é, e será sempre, a de utilizar a força e não a razão, de empregar a violência contra os povos, de ir ao confronto bélico para impor a defesa de seus interesses rapaces. Foi isso o que fizeram os Estados Unidos ao agredir o Panamá, ao intervir militarmente em Granada e matar o seu presidente, ao hostilizar permanentemente Cuba e seu regime revolucionário, ao financiar mercenários para derrubar o governo da Nicarágua. Ramiz afirma também: se "pode valorizar e considerar como promissoras as mudanças que se produziram nas relações entre os Estados Unidos e a União Soviética, os acordos que firmaram em relação ao desarme e, em geral, sua maneira de considerar a segurança recíproca e geral".

As forças progressistas, antiimperialistas, pensam de outra maneira. Julgam com inteira razão que os acordos soviético-norte-americanos não passam de conluio contra os povos e contra a paz, sobretudo contra o movimento revolucionário. Mais adiante, o dirigente albanês elogia a unificação imperialista da Alemanha. "A reunificação alemã por via pacífica (o grifo é nosso) é um bom exemplo para a solução de outros problemas análogos". E aduz: "Tais soluções contribuem muito para a democratização das relações internacionais, para o fortalecimento da paz e da segurança, para a criação das condições adequadas a uma cooperação sincera (o grifo é nosso) e construtiva entre os povos". Isso também disseram os analistas da burguesia, e nem todos. A unificação é vista pelos povos esclarecidos como um verdadeiro anchluss (anexação), lança nuvens sombrias sobre o futuro da Europa e do mundo.

Em tempo algum o imperialismo germânico contribuiu para a efetiva democratização das relações internacionais, sempre tentou sua hegemonia pelos mais bárbaros meios. A primeira vítima do banditismo desse imperialismo tem sido o povo alemão. Ramiz Alia, com uma visão muito unilateral e deformada dos acontecimentos do Golfo Pérsico, condena unicamente o Iraque. Não diz uma palavra sobre o problema maior do Oriente Médio que é a guerra incitada por Bush e seus iguais. Centenas de milhares de soldados norte-americanos em territórios árabes estão atacando e transformando o deserto e as cidades iraquianas num mar de sangue. O objetivo? Apossar-se das imensas reservas de petróleo a fim de garantir sua hegemonia mundial e de amenizar a profunda crise em que se debatem os Estados Unidos. As forças democráticas, no mundo inteiro, inclusive nos EUA, protestam contra a atitude guerreira de Bush, exigem paz e respeito aos direitos dos povos.

Que pretenderia o camarada Ramiz Alia com semelhante discurso que soa em falsete no movimento revolucionário? Ganhar as boas graças do imperialismo? Ele tem presente a difícil situação do seu país. Cabe-lhe o direito de tentar ajuda e apoio no exterior para salvaguardar a liberdade e a independência de sua pátria. Mas não pode fazer concessões que sacrifiquem os nossos princípios. Nem alinhar-se com as posições do inimigo de classe. Além do mais, o imperialismo não ajudará a Albânia a sair das dificuldades, enquanto esta mantiver no alto a bandeira do marxismo-leninismo, das conquistas obtidas pela revolução.

O anti-stalinismo, marca registrada da ofensiva reacionária

Desperta a atenção, na conduta do governo albanês, a decisão de retirar da praça pública a estátua de Stalin. Isso foi feito na calada da noite e por imposição de estudantes anticomunistas. Surpreende essa atitude governamental. A retirada, e mesmo a derrubada de monumentos consagrados a Stalin, converteu-se numa atividade ferozmente antidemocrática dos revisionistas e dos fascistas. Assim ocorreu na União Soviética, na Hungria (quando da contra-revolução, em 1956), em vários países do Leste europeu. O anti-stalinismo é marca registrada da ofensiva contra o progresso social.

Os marxistas-leninistas não são, nem podem ser, anti-stalinistas. Consideram que Stalin cometeu erros à frente da luta pela construção do socialismo. Alguns de certa gravidade. Tais erros precisam ser corrigidos sem contemplação. Tampouco endeusam, como no passado, o principal dirigente, depois de Lênin, do Partido Bolchevique. Entretanto, avaliam o papel de Stalin no plano histórico. E nesse terreno é inegável que prestou relevantes serviços à causa da revolução, aos interesses da paz e da democracia em todo o mundo. Foi chefe supremo da luta heróica contra o nazismo. Jamais capitulou frente ao inimigo imperialista por mais dura e difícil que fosse a situação. De suas mãos, em nenhum momento, caiu a bandeira gloriosa do socialismo.

Ao que parece, os camaradas albaneses se dissociam agora dessas opiniões que sempre defenderam intransigentemente. Por que tirar a estátua de Stalin da principal avenida de Tirana? Ela foi ali colocada por Enver Hoxha e seus companheiros da epopéia libertadora. Stalin não fez mal algum ao país das águias. Muito ao contrário. Em seu livro Com Stalin, o chefe da revolução albanesa afirma calorosamente que "ele foi amigo fiel do povo albanês".

Pode-se concordar não ser o momento apropriado de prestar homenagens a Stalin, nem de evocar suas idéias e opiniões a cada instante. Mas não o é igualmente de entrar na onda anticomunista dos renegados do socialismo e dos representantes dos monopólios imperialistas – os Kruschev, Gorbachev, Bush, Thatcher, Kohl et caterva – que tudo fazem para difamar a imagem daquele grande líder mundial e, por esse meio, atingir o movimento revolucionário dos explorados e oprimidos de todos os Continentes.

Preocupações justificáveis dos amigos da Albânia

Face ao quadro tumultuado da vida política albanesa, surgem preocupações sobre o futuro da Albânia. A par das afirmações de seus dirigentes de defesa do regime atual, ampliam-se as concessões aos opositores e contestadores do socialismo. Os que não concordam são chamados de conservadores tal como acontece na União Soviética. Muitos antigos e respeitados membros do Comitê Central do PTA vão sendo afastados de seus postos, sem maior explicação ao grande público. Para onde vai a Albânia? Defenderá um projeto popular revolucionário que, mesmo não sendo socialista, assegure a independência nacional, garanta as conquistas do povo que custaram sangue e sacrifícios? Ou, de concessão em concessão, será arrastada a um regime anticomunista? A marcha dos acontecimentos, contraditória, nem sempre é previsível, sobretudo quando falta clareza acerca de onde se pretende chegar.

Ao manifestar diferentes pontos de vista sobre a atualidade albanesa, reafirmamos nosso apoio à luta do povo albanês em defesa da independência de sua pátria, em favor da liberdade e do progresso social, contra todas as ingerências provocadoras das potências imperialistas que conspiram na sombra, e também abertamente, visando à derrubada do governo popular e à transformação da Albânia num cativeiro, dependente dos potentados do mundo.

EDIÇÃO 20, FEV/MAR/ABR, 1991, PÁGINAS 40, 41, 42, 43, 44