Ao fim da Segunda guerra mundial correspondeu o início da bipolaridade entre Leste e Oeste. A vitória da URSS socialista sobre o nazifascismo, liderando uma série de países do Leste europeu, que iniciavam o processo de construção do socialismo, marcou uma viragem na situação internacional. A URSS tornou-se uma grande potência. Tinha conseguido em menos de três décadas construir uma economia avançada. De 1913 a 1940, o volume da produção industrial soviética aumentou 7,7 vezes, passando do 5º ao 2º no mundo, do 4º para o 1º lugar da Europa. O índice de mecanização na agricultura era o maior do mundo. Logo após a guerra, passou a dominar a tecnologia de fabricação da bomba atômica e de hidrogênio. Também a revolução chinesa de 1949 colocou fora de órbita imperialista um grande país e milhões de pessoas.

Os EUA, por outro lado, saíram da guerra como potência imperialista hegemônica. Não só a Alemanha e o Japão, mas também a Itália e a França, estavam arrasados. Quando o Japão já estava derrotado, os americanos lançaram bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki provocando mais de 100 mil mortes e outro tanto de feridos. Para impedir o contínuo crescimento do socialismo e das forças que lutavam pela independência nacional, democracia e paz, promoveram a "guerra-fria". Em 1949 criaram a OTAN e, através dela, concentraram tropas, bases e equipamentos militares na Europa. A armada americana espalhou-se pelos oceanos, construiu bases militares pelos continentes. Dessa época vem também uma série de organismos e instituições econômicas, financeiras e comerciais através dos quais os EUA mantinham sua hegemonia. Surgiram o GATT e a OCDE. O BIRD (Banco Mundial) e o FMI tiveram seus papéis reforçados. O dólar colocou-se como padrão monetário internacional.

Neste cenário que dominou o mundo por uns dez anos, a bipolarização entre o Leste e o Oeste expressava a luta entre sistemas opostos, socialismo e capitalismo. O pêndulo pendia para o primeiro.

“A bipolaridade passou a confrontar duas potências imperialistas”

Aí pelos meados dos anos 1950 tem início o processo de transição (volta) do socialismo ao capitalismo na URSS e nos países do Leste europeu. Essa derrota, de caráter histórico, abalou profundamente o movimento revolucionário. Desagrega-se o campo socialista. O imperialismo adquiria um novo fôlego e, temporariamente, saía daquela situação que foi caracterizada como "crise geral do capitalismo". O Pacto de Varsóvia, aliança militar liderada pela URSS, surgida em 1955, e o CAME (Conselho de Ajuda Mútua Econômica) garantiam hegemonia da URSS sobre os países do Leste e também cumpriam o papel de manter um certo equilíbrio internacional.

A bipolaridade continuava a existir, mas havia então mudado de caráter, expressava a contradição entre duas superpotências imperialistas. Apesar de os EUA se proclamarem defensores da paz e da democracia e do disfarce socialista usado pela URSS, esse período que durou mais de 3 décadas, foi marcado pela corrida armamentista, pela exploração e agressão aos povos, pela disputa imperialista de influência econômica e militar. Em nome da paz os EUA fizeram a guerra da Coréia e a do Vietnã, invadiram a República Dominicana, tentaram várias vezes derrubar o regime cubano. Os soviéticos invadiram a Tchecoslováquia e mais tarde o Afeganistão.

Mas, a roda não parou de girar. A URSS viria a completar seu processo de retorno ao capitalismo, acumulando uma série de contradições. Já em 1985 Gorbachev seria obrigado a reconhecer a crise e preparar terreno para a retirada.

Os EUA, que durante uns 25 anos após a guerra haviam experimentado uma situação de certa estabilidade, a partir dos anos 1970 viveriam graves problemas econômicos e acirrada concorrência internacional, agora por parte de uma Europa reconstituída e mais unificada, Alemanha à frente, e de um novo e poderoso Japão, apto a disputar, em pé de igualdade, espaços com os outros países ricos. A correlação de forças entre as potências imperialistas mais poderosas havia sofrido uma nova viragem ao se encerrarem os anos 1980. O mundo já não era mais o mesmo.

Nestas circunstâncias é que se realizou em Paris, no final do ano passado uma Conferência de Segurança e Cooperação Européia. As estrelas do evento foram os dirigentes das grandes potências capitalistas que, ao final, decretaram uma "nova ordem internacional" onde, conflitos e ameaças dariam lugar à paz, à cooperação para resolver os problemas comuns a toda a humanidade.

O guru da moda, F. Fukuyama, chegou mesmo a sugerir que "a história parece agora sinalizar em apenas uma direção: a do capitalismo" (1).

Por um momento tudo parecia resolvido mas, súbito, veio a guerra do Golfo, a destruição do Iraque e do Kuwait, mais de 100 mil árabes mortos por um aparato militar sofisticado e brutal. Foi imposta a "paz americana".

Afastado o perigo, garantido o petróleo, trata-se agora de, solidariamente, reconstruir aqueles países… A guerra trouxe novamente à baila discussões que pareciam vencidas. Qual sua verdadeira natureza? Estariam suas causas ligadas à luta pela manutenção da hegemonia e à crise americana? Como se comportam a Alemanha e o Japão e que papel lhes caberia no futuro? Por que a URSS apoiou a ação bélica dos EUA, seu rival durante tantos anos?

O debate sobre a nova situação do imperialismo é tão importante quanto a análise da experiência socialista passada. "Esquecer" a crítica do imperialismo, como muitos têm feito no campo da esquerda, significaria desorientar-se da ofensiva ideológica da burguesia e perder a perspectiva revolucionária.

O início dos anos 1970 marca uma mudança significativa no desenvolvimento do capitalismo monopolista americano, que passou a enfrentar dificuldades cada vez maiores.

O primeiro sinal veio em relação à balança comercial. Invertendo a tendência superavitária de então, os EUA passaram a acumular déficits crescentes que, com o tempo, se tornaram crônicos (ver tabela 1). Em certa medida, isso se deve à elevada dependência dos EUA em relação ao petróleo e as variações altistas que esse produto teve a partir de 1973. Os EUA importam 80% do petróleo que consomem e seu consumo é mais de 1/3 da produção mundial, apesar de a população americana ser apenas 6% da mundial.

Tabela 1 (p. 6)

Tabela 2 (p. 6)

Mesmo assim, os EUA continuavam a ter um saldo positivo em conta corrente porque os juros, dividendos e remessas vindas do exterior cobriam o déficit comercial. Mas, a partir de 1981, o balanço de pagamentos tornou-se negativo (ver tabela 2).

“Os EUA passaram de credores a maior país devedor de todo o planeta”.

Os problemas apareceram também no orçamento federal. O déficit público que era de US$ 59,6 bilhões em 1980 passou para US$ 221,1 bilhões em 1986, e tem previsão de atingir neste ano fiscal que se encerra em setembro, a cifra de US$ 318,12 bilhões. Para suprir o déficit, o governo emite títulos, e paga aos credores altas taxas de juros. Assim, os EUA acumulam astronômicas dívidas externa e interna. Marshall Robinson, professor da Universidade de Nova York, assim descreve o processo: "Em 1980 o resto do mundo devia aos EUA cerca de US$ 600 bilhões, e nós devíamos ao mundo em torno de 500 bilhões. Nos oito anos seguintes, as dívidas que as outras nações tinham conosco dobraram para cerca de US$ 1,2 trilhão, mas nossas dívidas para com elas mais que triplicavam, para cerca de USS 1,7 trilhão e nós nos transformamos numa nação devedora". Quanto à dívida pública ele diz: "Dez anos atrás, a dívida pública federal era de cerca de US$ 625 bilhões; hoje é de 2,1 trilhões. Nestes dez anos o governo mais que triplicou sua dívida, o que antes tinha levado 200 anos para acontecer" (2).

Diga-se de passagem que não estão aí incluídos os 600 bilhões de dólares devidos pelos governos estaduais e municipais. Em 1990 a dívida pública federal atingia já os US$ 2,3 trilhões. Passando de 26,6% a 42,5% do PNB, em 10 anos. A dívida federal bruta, que inclui além da dívida com o público, a dívida lançada nas contas do governo como seguridade social, por exemplo, passou dos US$ 3,1 trilhões em 1990; mais de 57% do PNB (3). Pelo menos 20% da dívida pública está nas mãos de estrangeiros.

O fato de os EUA terem se transformado em país devedor, com uma dívida externa de cerca de US$ 850 bilhões, enquanto o Japão e a Alemanha são Estados credores, tem grande significado econômico e também político. O que os EUA acumulam, interna e externamente, não é suficiente para garantir o crescimento econômico. Dependem de um fluxo, crescente e constante, de poupança externa. Importam capitais do Japão e da Europa, sobretudo. O gráfico A ilustra bem a evolução das posições exteriores dos três países.

Gráfico A (p. 7)

Analisando os motivos que teriam gerado tantas dificuldades à economia americana, o professor Celso Furtado afirma: "Nada contribui tanto para isto como o peso dos gastos feitos pelo governo dos EUA para montar um sistema defensivo, com instalações em todos os continentes. Em 1973, os gastos militares representavam 5,6% do PNB dos EUA. Estes gastos reduziam o papel de investimento do setor público em atividades econômicas e sociais. No decênio que se inicia em 1973, o crescimento da produtividade não passou da metade do que havia sido nos 10 anos anteriores. Essa desaceleração não impediu que os gastos militares chegassem a 6,6% do PNB em 1983" (4). Em 1981 os gastos militares equivaliam a 25% do orçamento, em 1987 chegaram perto dos 40%. O gasto per capita que era de US$ 2,25, em 1913, passou para US$ 250, em 1952, em 1980 para mais de US$ 600. E, em 1990, já andava pela casa dos US$ 1.400. Pelo menos 1/3 do que os EUA investem atualmente em ciência e tecnologia é destinado ao aperfeiçoamento militar.

A militarização da economia é um dos sinais mais evidentes do parasitismo e da decomposição do imperialismo americano. Está condicionada pela necessidade da luta hegemonista e de reprimir o movimento operário e de libertação dos povos. Apesar de criar empregos, encomendas, e de o comércio de armas ser extremamente lucrativo, propiciando o enriquecimento dos monopólios do setor, tomado em seu conjunto, o fenômeno da militarização da corrida armamentista, freia o desenvolvimento das forças produtivas, mina a base da reprodução ampliada. O que se gasta com o consumo militar improdutivo reduz os recursos da acumulação produtiva e não volta ao ciclo econômico. Para se ter uma idéia do que isto significa, o atual gasto militar dos EUA, também chamado de "dividendo da paz", equivale a algo como o PIB brasileiro.

“Problemas graves de caráter estrutural marcam decadência norte-americana”.

Após 1970 as crises cíclicas têm debilitado ainda mais a economia americana. A primeira, entre 1974-75, a segunda de 1980 a 1982 e a terceira e mais grave que começou em meados do ano passado. A primeira afetou também a Europa e Japão e a produção e o consumo, mas o sistema financeiro bancário que, como se sabe, é o coração do imperialismo. De 1981 a 1984, 170 bancos fecharam suas portas por dificuldades financeiras: de 1985 a 1990 nada menos de 1017 bancos fizeram o mesmo (5). O sistema bancário monopolizou-se mais ainda, e os gigantes enfrentam sérios problemas. O Citycorp, o número 1 dos EUA, teve um prejuízo de US$ 382 milhões no 4º trimestre de 1990; o Chase Manhattan, o nº 2, teve um prejuízo de US$ 334 milhões em 1990 e de US$ 665 milhões em 1989 (6). A GM, número 1 da indústria automobilística americana, que teve um lucro de US$ 4,2 bilhões em 1989, fechou o ano passado com um prejuízo de US$ 2 bilhões; a Ford no mesmo período teve seu lucro reduzido de US$ 3,8 bilhões para US$ 860 milhões (7). A inflação chegou a 6,1% em 1990, a maior desde 1981.

Gráfico B (p. 8)

Gráfico C (p. 8)

Na última década tornaram-se mais evidentes os problemas estruturais do capitalismo monopolista americano. São dificuldades crescentes da acumulação para a renovação do capital fixo (Ver gráficos comparados B e C). A partir de 1982, como mostra o gráfico D, inverteu-se a tendência ao crescimento da composição orgânica do capital cuja consequência é a queda da produtividade do trabalho (8). Em função disto caem sucessivamente as taxas de crescimento industrial (ver tabela 3), e os EUA vão perdendo a competitividade em setores de alta tecnologia. No período de 1980 a 1988 a participação americana no mercado internacional de fibras óticas caiu de 73% para 48%; no de semicondutores, de 60% para 30%; no de máquina-ferramenta de 18% para 7% (9) e o mais grave é que o mesmo acontece dentro dos EUA, como mostra a tabela 4.

Gráfico D (p. 9)

Alguns indicadores sociais mostram a gravidade da situação e o rebaixamento do nível de vida do povo norte-americano. Treze por cento da população, aproximadamente 32 milhões de pessoas, vivem abaixo do nível de pobreza, 40 milhões sem assistência à saúde. São 8 milhões de desempregados sem contar as pessoas que vivem de pequenos serviços temporários. Só no 2 semestre de 1990 perderam o emprego 780 mil trabalhadores (10).

Tabela 3 (p. 9)

Tabela 4 (p. 9)

Quando terminou a guerra do Golfo, um ufanismo simplificado tomou conta dos dirigentes americanos. Pensava-se que, como um passe de mágica, tudo estaria resolvido; no entanto, o conhecido economista J. K. Galbraith se encarregou de colocar a realidade em seu lugar: "O impacto positivo do final da guerra do Golfo não faz supor que vá se dar nenhuma mudança real no processo de recessão mundial que estamos vivendo (…) os anos 1980 foram não só de grandes déficits públicos, altas taxas de juros e declives dos investimentos e da produtividade como também se caracterizaram por uma especulação sem precedentes (…) uns poucos, já bem de situação, ficaram mais ricos; os menos beneficiados, ficaram mais pobres" (11).

A essa altura, poderíamos resumir algumas características que espelham a decadência do imperialismo norte-americano:

1- O parasitismo caracterizado pela exportação de capitais e pelo militarismo, que é uma propriedade orgânica do capital monopolista, levou a economia americana a ser cronicamente deficitária, devedora e dependente de energia e de capital do exterior.
2- O crescimento econômico tem sido lento, de tipo extensivo, entremeado de crises frequentes e graves, que sucedem a fase de reanimação e não de auge, propriamente dito. A reprodução ampliada vai se tornando mais difícil.
3- As crises cíclicas atingem o sistema produtivo, financeiro e monetário – a inflação crescente está presente em todas as fases do ciclo – e se entrelaçam com a crise de estrutura (energia, sobretudo). Piora o padrão de vida do povo.

“É difícil manter a hegemonia apoiada apenas no avanço do militarismo”.

Apesar da evidente decadência, os EUA continuam a ser a potência imperialista número 1 do mundo. Em valores absolutos, o PIB americano continua a ser o maior entre todos, ultrapassando os US$ 5 trilhões, embora percentualmente tenha perdido a metade de seu volume em relação ao Produto Mundial Bruto, do pós-guerra até hoje. Além disso, e o que é muito importante, os EUA detêm um grande controle sobre a comunicação. Chega-se a supor que algo em torno de 80% do fluxo de palavras e imagens que estão circulando no mundo se originam nos EUA. Mas, o que lhes garante o status de superpotência é antes de mais nada, o poderio bélico. Mísseis, satélites de informação militar e um vasto aparato de espionagem, aviões e helicópteros, carros de combate e tanques, bombas, navios e submarinos, armamentos leves ou pesados, convencionais ou nucleares, ofensivos e defensivos, de alta tecnologia, em grande quantidade, colocam os EUA ainda muito acima das outras potências, com capacidade de intervir rapidamente em todo o mundo, com alto poder de destruição e aniquilamento.

A situação do imperialismo americano é, em síntese, a seguinte: perdendo a hegemonia no campo econômico, vê-se obrigado a fortalecer o militarismo e, quanto mais desenvolve essa "manifestação vital do capitalismo", como dizia Lênin, mais aprofunda a crise econômica. Chega alquebrado ao fim do século, em condições bem diferentes da pujança do pós-guerra. A saída está na guerra para submeter concorrentes e povos que querem a liberdade. Porém, essa solução não é tão fácil. E a experiência histórica indica que o resultado pode ser outro. A história parece se repetir. No início do século Lênin, comentando as modificações na correlação de forças entre as potências imperialistas, escreveu: "Há meio século, a Alemanha era uma absoluta insignificância comparando a sua força capitalista com a da Inglaterra de então; o mesmo se poder dizer do Japão se o compararmos com a Rússia", e perguntava: "Será concebível que dentro de dez ou vinte anos permaneça invariável (grifo de Lênin) a correlação de forças entre as potências imperialistas? É absolutamente inconcebível" (12).

Após a Segunda Guerra Mundial, a lei do desenvolvimento desigual do capitalismo, na sua fase imperialista, continuou a atuar, de início lentamente mas, de 20 anos para cá, as modificações se fazem aos saltos.

O Japão se transformou muito rapidamente em país credor. O resto do mundo lhe deve mais de US$ 400 bilhões. Vem ocupando desde 1985 a posição de banqueiro do planeta. Em 1990, 7 bancos japoneses estavam entre os 10 maiores do mundo (Ver tabela 5). Ao mesmo tempo notificava-se a fusão dos bancos Mitsui e Taiyo Kobe, formando uma instituição que só ficaria atrás do gigante Dai-Tchi Kangyo em tamanho (13). Assim, já seriam 8.

Tabela 5 (p. 9)

O Japão funciona como um país-usina. Tem poucas matérias-primas, compra-as, transforma-as e vende produtos elaborados. Importa 85% do minério de ferro, 100% do alumínio, níquel e urânio, 73% do cobre, 56% do chumbo, 72% do carvão, 99% do petróleo, que processa. Destina à exportação uma pauta relativamente pouco diversificada de produtos, mas bastante competitiva (14).

A balança de pagamentos japonesa entre 1981 e 1990, acumulou um superávit de cerca de US$ 500 bilhões, quase o dobro da alemã (15). O PNB japonês é de US$ 2,8 trilhões, o segundo do mundo. Entre 1986 e 90 cresceu a uma média anual de 4%. De 1958 a 1988 o crescimento da economia foi de 1.114% (16).

O Japão é hoje o maior investidor do mundo. Em termos acumulados é o segundo. De 1951 a 1989 os seus investimentos somavam US$ 250 bilhões (os EUA até 1987 já tinham US$ 308,8 bilhões). Os japoneses hoje têm enormes rendimentos do capital que investiram no mundo, comparados aos alemães e americanos (Ver quadro I e gráfico E).

Quadro I (p. 10)

Gráfico E (p. 10)

O Japão vai crescendo em cima das dificuldades dos EUA. As marcas japonesas de automóveis já ocupam 32% do mercado americano. Contudo, o melhor exemplo dessa "invasão" japonesa talvez seja o caso do complexo financeiro-industrial Mitsubishi, cujo faturamento anual é de US$ 175 bilhões. Em outubro de 1989 comprou 51% da Rockefeller Center por US$ 850 milhões, em julho de 1990 mais 6,6% por US$ 110 milhões. Em janeiro de 1990 comprou o controle da Aristech Chemical Corp. por US$ 877 milhões. E mais, a maior parte da Verbatim de Eastman Kodak por US$ 200 milhões, lucrou US$ 400 milhões no negócio de uma usina elétrica na Virgínia, além de uma série de negócios de centenas de milhões de dólares até chegar ao ponto de ser o principal emprestador dos US$ 940 milhões da compra de um famoso campo de golfe na Califórnia! (17). Na Europa o número de indústrias japonesas até janeiro de 1991, era de 676.

“O Japão se prepara para se transformar numa grande potência militar”.

Quanto ao desenvolvimento científico e tecnológico, o articulista Phillipe Lefournier diz: "os japoneses pararam de imitar o mestre americano para ultrapassá-lo. Eles detêm o controle de setores-chave da nova revolução industrial: micro-processadores, circuitos impressos, cerâmica industrial… Eles estão à frente na super-condutividade (a Mitsubishi vem de lançar um navio sem hélice, movido a super-condutividade). Eles procuram passar à frente dos grandes computadores" (18). Ao mesmo tempo são introduzidos novos métodos de organização do trabalho (Kanban, JIT, TOC etc.) para uma jornada média de 2.600 horas/ano, de longe a maior do "mundo desenvolvido". Esse incremento da mais-valia absoluta e relativa tem permitido uma enorme acumulação capitalista (em nível individual inclusive, os homens mais ricos do mundo são os japoneses) e a retirada de um excedente de mais-valia (extraordinária) em relação a seus concorrentes internacionais.

Atualmente os japoneses preparam um salto na indústria aeronáutica. Imagina-se que num prazo relativamente curto estarão à altura das outras grandes potências nesse terreno. Embora mal disfarçadas, as intenções japonesas são de transformar o país numa grande potência militar e disputar a hegemonia mundial. Em entrevista recente, M. Motono, ex-assessor do primeiro-ministro japonês declarou: "A Europa e o Japão poderão, de certa forma, preencher os vazios deixados pelo enfraquecimento dos EUA e da URSS. O fator militar não deve ser superestimado. O Japão já se encontra em 3º lugar no tocante às despesas militares, mas isso não quer dizer grande coisa (!)…

Durante 40 anos o Japão pôde viver num quadro político onde os EUA garantiam sua segurança (…), mas isso criou um vazio na consciência política japonesa" (19). O ex-primeiro ministro Nakasone deu sua opinião sobre a lição que seu país deveria retirar da guerra do Golfo: "No nosso debate constitucional o Japão aprendeu que nós precisamos dar passos no sentido de acabar com as velhas limitações sobre o uso de nossas forças armadas" (20).

O professor F. A. Medianshy, da Universidade de Nova Gales do Sul, assim avaliou o processo de militarização em curso no Japão: "Nos últimos anos, (o Japão) investiu grandes recursos no desenvolvimento de seu exército. Consequentemente, sua reserva militar convencional atinge níveis comparáveis aos das superpotências. Por exemplo, seus aviões de combate tático brevemente atingirão número comparável aos aviões que defendem os EUA no continente. Suas forças navais logo terão três vezes o número de navios, do tipo contratorpedeiro de superfície, da Sétima Frota norte-americana" (21). A evolução comparada dos gastos militares dos últimos anos pode ser vista na tabela 6. A conclusão de tudo isto é que o Japão prepara a guerra.

GRÁFICO F (p. 11)

Tabela 6 (p. 11)

Também na Alemanha, H. Kohl fala em acabar com as limitações constitucionais para uso externo de forças militares. Isto reflete as ambições hegemonistas deste país que recentemente anexou a ex-RDA e avança para Leste no vácuo deixado pela URSS. Recentemente a Volkswagen ganhou a concorrência para explorar a Skoda Tcheca, maior fábrica de automóveis do Leste. A maior parte das joint-ventures soviéticas é com os alemães.

Porém, a Alemanha enfrenta sérios problemas para financiar essa nova partilha do Leste europeu e poderá entrar em crise num curto espaço de tempo. Em 1990 o déficit no orçamento público foi de US$ 100 bilhões (Ver gráfico F) e o endividamento interno chegou a US$ 900 bilhões. O superávit em conta corrente reduziu-se à metade.

Há uma profunda crise na ex-RDA, queda de 51% na produção industrial, desemprego de 3 milhões de pessoas para uma população economicamente ativa de 9 milhões. O desemprego em todo o país deve chegar aos 5 milhões de trabalhadores esse ano (22). A Alemanha, maior exportador do mundo, tem posição destacada numa Europa que vem tomando medidas protecionistas e facilitando o comércio regional com a pretensão de chegar à unificação econômica em 1992. Isso tem acirrado as contradições com os EUA. A Europa vive, entretanto, os graves problemas atuais do sistema imperialista. A região é altamente dependente de petróleo importado, o crescimento do PIB real caiu de 5% ao ano na década de 1960, para 1,2% na primeira metade de 1980. O desemprego saltou de uma média de 2% para cerca de 10%. No momento uma grave crise abala a Inglaterra cujo número de desempregados poderá atingir 2,5 milhões em 1991.

A URSS enfrenta a crise mais grave do sistema imperialista como um todo, que além de econômica é também política. Vem de recuo em recuo, tentando saídas que se enquadram no receituário do FMI, como mostra o chamado programa dos 500 dias: O país vai se integrando cada vez mais à economia do Ocidente, através de milhares de joint-ventures, através de zonas livres (semelhantes às ZPEs) e de empréstimos vultosos.

“Os oligopólios são o traço dominante do atual modo de ser do imperialismo”.

A fase de transição esgotou-se. Já não é mais possível manter um enorme orçamento militar, preços artificiais, câmbio irreal, a mesma taxa de emprego etc., com as formas disfarçadas de acumulação capitalista que vinham vigorando até então, incapazes de sustentar os subsídios concedidos pelo governo. Por isso a orientação mudou no sentido do capitalismo claro. Incentivo à iniciativa privada e ao mercado, liberalização de preços, desvalorização do rublo etc. Essas medidas têm piorado mais a situação. O desemprego, a carestia e a escassez de produtos são crescentes. O PIB caiu 2% em 1990, a produção industrial pode cair 25% este ano, a inflação está estimada em 20%. A produção e exportação de petróleo, que tem grande importância para a URSS, declinam bruscamente como mostram os gráficos G e H.

Gráficos G e H (p. 13)

A desintegração do império é evidente. O Pacto de Varsóvia e o CAME chegaram ao final. A luta nacional é aguda. A luta interna na República Russa e a situação do PCUS espelham um país dividido. Entretanto a URSS continua sendo uma grande potência imperialista. Tem a maior produção de aço do mundo, um PIB de US$ 1,5 trilhão, equivalente ao da Alemanha, tem um poderoso exército e equipamentos militares modernos e, exatamente daí, partem as resistências à redução do papel da URSS. Apesar do recuo, a URSS não pode ser considerada carta fora do baralho. Continuará a lutar por posições no cenário internacional.

De alguns anos para cá temos assistido a uma grande intensificação da exportação de capitais – tanto em investimentos diretos como em empréstimos e também a um incremento do comércio mundial. Os monopólios japoneses, americano e alemães, sobretudo esses três, vão espalhando tentáculos nas próprias metrópoles e no resto do mundo, multiplicando a internacionalização do capital e da produção. Vão se entrelaçando, formando os oligopólios ou companhias globais, nos principais setores da economia. Os grandes bancos dominam esse processo. Os oligopólios são o traço dominante do imperialismo atual, vão engolindo os monopólios menores. O capital japonês, que tem um alto grau de fusão do capital bancário com o industrial, joga papel destacado nesse processo. A oligopolização parece se dar primeiro dentro das próprias metrópoles. Houve, assim, uma modificação na direção do fluxo de capitais. Os japoneses têm o seu maior investimento na América do Norte e Europa. Em 1950 os EUA destinavam 49% de seus investimentos diretos e outros países capitalistas e 49% nos dependentes: já em 1982 a relação era 73,7% e 24% (23). A economia capitalista fica mais interdependente.

Mas, esse é um processo contraditório. Comporta a tendência "de aliança de todos os imperialistas e outra, que confronta uns capitalistas com outros" como analisou Lênin (24). A luta inter-imperialista entre EUA, Japão e Alemanha para assegurar e conquistar novos mercados para suas mercadorias vai se agudizando. Parece que todos descobriram, ao mesmo tempo, a chamada saída exportadora. As barreiras nacionais diminuíram por região. Vão se formando os "megablocos" econômicos encabeçados pelos EUA, Japão e Alemanha cuja lógica é a seguinte: o máximo de protecionismo próprio e o mínimo dos outros. E essa disputa se dá no quadro da crise energética, da inflação e do desemprego, do crescimento a pequenas taxas, da luta dos povos e países que lutam pela independência. Os oligopólios acirram as contradições do capitalismo.

A luta pela hegemonia se dá numa nova correlação de forças, dinâmica, entre uma superpotência decadente, duas potências econômicas sem ainda grande poderio militar e uma potência em queda livre. A aliança que os EUA conseguiram em torno de si na guerra do Golfo, não poderá durar muito.
F. Fukuyama, diante desse quadro, prevê "séculos de chatice", mas os fatos, por mais maquiados que estejam, não parecem apontar nessa direção. Ao que parece, a história dará razão a Lênin que, analisando uma situação semelhante, previu que "mesmo uma aliança geral de todas as potências imperialistas – só poder ser, inevitavelmente, 'tréguas' entre guerras. As alianças pacíficas preparam a guerra" (25) (grifos de Lênin).

Dilermando Toni é jornalista.

Notas:
(1) Revista Isto é Senhor de 06-03-1991.
(2) ROBINSON, Marshal "Os pouco inquietantes déficit americanos", em Economic Impact nº 3, 1990, dados de 1988.
(3) Revista Problemes Economiques, 20-02-1991.
(4) FURTADO, Celso. "La Natureza del centro cíclico principal", Revista da Cepal, dez/1990.
(5) Folha de São Paulo de 25-03-1991.
(6) A revista Business Week de 24-12-1990 comentou assim a particularidade da crise atual: This time around, de bank system has been under se vere earnings and regulatory pressure. This time around, debt burdens in the US economy are far higher.
(7) Revista Isto é Senhor de 27-02-1991.
(8) Por capital fixo entende-se a parte do capital produtivo que não transfere de uma só vez, e sim paulatinamente, valor ao produto. O capital fixo é o que se investe em máquinas, equipamentos e instalações industriais. É uma parte do capital constante. A composição orgânica do capital é a proporção entre o capital constante e o capital variável, ou seja, a relação entre o volume dos meios de produção e a força de trabalho.
(9) Periódico Le Monde Diplomatique, março de 1991.
(10) Periódico Le Monde Diplomatique, março de 1991.
(11) Jornal Vanguardia Obrera de 13 a 19-03-1991.
(12) LÊNIN, V. I. O Imperialismo, fase superior do capitalismo, OE, Vol. 1, pág. 664.
(13) Revista Business Week, 02-07-1990.
(14) Revista Problemes Economiques, 30-01-1991, artigo de Jean-Michel Dinand.
(15) Revista L'Expansion, 18 a 30-10-1990.
(16) Jornal Folha de São Paulo, 29-11-1990, artigo de Ignácio Rangel.
(17) Revista Business Week, 24-08-1990, artigo “Mighty Mitsubish is on the move – its hundreds of interdependent companies are building an empire that streches from Rochefeller to Riyadh”.
(18) Revista L'Expansion, 18 a 30-10-1990. A revista traz um quadro interessante, mostra, em cada período do desenvolvimento capitalista, o setor motriz, mais avançado, bem como o país que o dominava: 1º- de 1780 a 1850, têxteis e carvão, Inglaterra; 2°- de 1850 ao início do século, siderurgia e estradas de ferro, Alemanha; 3º- do começo do século a 1940, automóveis e eletricidade, EUA; 4º- dos meados do século até 1980, petróleo, química e aeronáutica, EUA; 5º- de 1980 até hoje, informática e biotecnologia, Japão e Europa.
(19) Jornal Folha de São Paulo, caderno especial "A nova desordem mundial", de 20-12-1990.
(20) Revista News Week, 11-03-1991.
(21) Jornal Folha de São Paulo, idem nota 19.
(22) Jornal Folha de São Paulo, 26-03-1991. A matéria diz que o ministro das Finanças, Theo Waigel, anunciou que o país vai entrar na sua maior crise desde 1949.
(23) Survey of Current Business, Agosto de 1982.
(24) LÊNIN, V. I. Informe sobre a política exterior de 14 de Maio de 1918.
(25) LÊNIN, V. I. O Imperialismo, fase superior do capitalismo.

EDIÇÃO 21, MAI/JUN/JUL, 1991, PÁGINAS 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13