Lançado no Brasil ao final de 1990, na esteira da guerra no Golfo, o Livro Por Uma História Profana da Palestina, já é hoje, com certeza, uma das melhores bibliografias para aqueles que querem uma noção básica do ponto de vista materialista, do antigo conflito árabe-israelense.
Lotfallah Soliman é um comunista egípcio, nascido em 1913. Sempre perseguido por suas idéias, ele ainda hoje se encontra exilado na França, pela absoluta falta de liberdades que vive seu país sob o governo de Hosni Mubarak.

Publicado pela conceituada Editora Brasiliense (213 páginas), o livro tem leitura agradável e rápida. Ricamente documentado com citações de importantes estudiosos do arabismo e do conflito árabe-israelense, o trabalho de Soliman aborda questões importantes e polêmicas, entre elas o projeto sionista antes do Congresso da Basiléia; as figuras do jogo político do Oriente Médio até a proclamação do Estado de Israel, como Palmerston, Herbert Samuel, Balfour etc; aborda a questão dos acordos da Agência Judaica com os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial; analisa as posições dos governos reacionários árabes em 1947 e as sucessivas guerras que ocorreram na Palestina com os israelenses (1948, 1956, 1967 e 1973).

Aproveitando uma frase de Issac Deutcher, "a vitória pode fazê-los cavar seu próprio túmulo", no capítulo VI Soliman mostra a capacidade da liderança árabe, que mesmo saindo eventualmente derrotada de uma guerra ainda pode se manter no poder. Foi assim com Gamal Abdal Nasser, no Egito e parece estar sendo assim novamente com o atual presidente do Iraque, Saddam Hussein.
É lamentável, mas em várias passagens há problemas de tradução e parece que o departamento de revisão ortográfica da brasiliense cochilou, tamanho número de erros de impressão. Mas nada disso, evidentemente, tirará a importância desta obra.

Nos capítulos finais, além de fazer uma análise da tática da OLP para a conquista dos seus objetivos estratégicos, sempre criticando os erros da liderança árabe, o livro ainda traz dois anexos importantes para o conhecimento histórico do Oriente Médio: as Declarações de Independência e Proclamação dos Estados de Israel (em 1948) e da Palestina (em 1988).

Na parte que trata dos acordos com os nazistas, ficará estarrecido o leitor com a quantidade de fatos e de atitudes concretas da parte da liderança sionista, que tudo fez para apressar a migração judaica para a Palestina. É de Ben Gurion, fundador do Estado de Israel, a seguinte frase: "(…) se me fosse dada a possibilidade de escolher entre salvar todas as crianças judias da Alemanha, levando-as para a Inglaterra ou salvar apenas metade delas levando-as para Eretz-Israel (grande Israel), eu optaria pelo segundo termo da alternativa, pois devemos considerar não só as vidas dessas crianças, mas igualmente a história do povo de Israel” (1) (sic, grifos nossos).
Por esses e tantos outros exemplos citados no livro, esta obra passa a ser de leitura obrigatória a todos os que querem emprestar sua solidariedade ao povo palestino e para os estudiosos da questão em geral.

Lejeune Mato Grosso de Carvalho

Um mosaico de lutas

O Século do Vento. Eduardo Galeano. Editora Nova Fronteira, 1988. 349 pp.

O Século do Vento encerra a trilogia Memória do Fogo. Revive para o leitor a história densa e vibrante da América, sobretudo da América Latina de 1900 a 1984, contada com originalidade através de pequenas notas cronológicas, desde ocorridos em pequenas aldeias até nas grandes cidades. Forma-se um mosaico de luta e de opressão, de rebeldia sem fim. O livro mostra que, desde cedo, o imperialismo norte-americano dominou minas e plantações, organizou massacres e contra-revoluções, patrocinou golpes e ditadores-generais tão sanguinários quanto servis, em todos os recantos da América Latina. Homens como Zapata, Pancho Villa, Sandino, Farabundo Marti, Che Guevara, Fidel Castro e outros protagonizaram movimentos em que camponeses, índios, proletários e intelectuais insurgiram-se, revolucionários, contra as garras que asfixiavam a liberdade e os direitos do povo.

Mas a América também é retratada pelo seu lado de emoção e sonho na arte de Diego Rivera e Orozco, na música de Gardel, Louis Armstrong e Chico Buarque, nas palavras inconformadas de Garcia Marques, John Reed e Pablo Neruda, na ousadia da vida de Isadora Duncan, Evita Perón e Olga Benário.

Eduardo Galeano, jornalista e escritor uruguaio, misturou história, documento e poesia em O Século do Vento. O resultado só pode apaixonar aqueles que buscam identificar-se com a tragédia e a grandeza que envolvem povos e nações latino-americanas.

Nádia Campeão

EDIÇÃO 22, AGO/SET/OUT, 1991, PÁGINAS 72