No início dos anos 1970, o cidadão polonês naturalizado norte-americano Zibgniew Brzezinski já era um renomado especialista em Política Internacional. Antes de tornar-se conselheiro do governo Carter para a Segurança Nacional, Brzezinski foi o cérebro de um seleto grupo de intelectuais e empresários que se pôs a imaginar um cenário mundial mais favorável aos Estados Unidos, atolados na Guerra do Vietnã e acossados por movimentos de libertação na África, Ásia e América Latina.

Daí saiu a chamada Trilateral, iniciativa das grandes potências industriais do Ocidente destinada a uma ordem mundial em torno do Eixo Washington-Berlim-Tóquio. Os cérebros da Trilateral planejavam estrangular seu grande adversário – o bloco soviético – não através de uma guerra nuclear de extermínio, nem um conflito regular de proporções até então inimagináveis. Brzezinski via longe: tinha noção do atraso tecnológico da URSS e de que o inimigo não suportaria uma corrida armamentista que significasse inversões cada vez maiores no complexo industrial-militar em detrimento da qualidade de vida do povo. A trilateral não contava quebrar o inimigo numa guerra, mas através da própria arma fornecida por Kruschev e que fora um dos marcos da ruptura soviética com o caminho revolucionário: a competição pacífica com o Imperialismo. Por fim o bloco soviético seria atraído para a esfera ocidental.

Desmembrado o império soviético, suas partes seriam incorporadas à nova ordem mundial na mesma divisão de interesse de Alemanha, Japão e Estados Unidos. A nova geografia internacional seria baseada na hegemonia militar norte-americana, que zelaria para que nenhuma outra nação ousasse alterar o status estabelecido. Os turbulentos acontecimentos da URSS e do Leste europeu subverteram o espetáculo e transformaram os protagonistas em espectadores. A partir daí Washington viu-se no pódium do universo, tendo a seu lado Tóquio e Berlim, a contemplar o mundo por ser conquistado. Era só tocar no plano já traçado. Moscou era o inimigo que não mais existia.

As economias do chamado terceiro mundo, inclusive América Latina, passariam por um estágio de subordinação ainda maior ao esquema dos três blocos, na condição de economias dependentes, complementares e integradas. Dependentes a partir do controle de tecnologia e de capital exercido de fora; da exportação de matéria-prima e da abertura do mercado para a colocação de produtos industrializados dos países centrais. Complementares porque desenvolveriam uma certa industrialização especializada e complementar ás necessidades do chamado Primeiro Mundo.
Exemplo: papel celulose, aço e petroquímica no Brasil; cobre, pescado e frutas no Chile; couros no Uruguai. Essas indústrias dependeriam sempre do mercado externo, sujeito a taxas alfandegárias, sobretaxações e outras medidas protecionistas da parte dos países exportadores.

De 1987 até 1990, por exemplo, vários produtos brasileiros foram sobretaxados nos EUA (papel, suco de laranja, calçados), em retaliação à reserva de mercado para informática e a não adoção de uma nova Lei de Patentes. Integradas, para melhor garantir a circulação de produtos dos oligopólios e o controle destes sobre as economias dos países dependentes. A integração do Canadá e México ao mercado norte-americano e a criação do Mercosul formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, marcam a criação dos grandes mercados continentais aqui, sob a liderança dos Estados Unidos. Collor eleito como chefe de uma seita neoliberal a serviço da nova ordem mundial

A nova situação mundial fez saltar para o primeiro plano os adeptos da seita neoliberal. Collor ganhou a eleição presidencial de 1989 emoldurando seu discurso no binômio abertura de mercado-privatização, além é claro, do combate à inflação. O Brasil visto por Collor é um país fechado ao mundo, a despeito de enviar para o exterior nas últimas três décadas mais de duzentos bilhões de dólares a título de pagamento da dívida externa; de o povo consumir medicamentos fabricados por laboratórios norte-americanos e europeus e ver televisão em aparelhos de marca japonesa. Segundo a lógica collorida, o Estado deve sair da atividade econômica desfazendo-se das empresas estatais.

Nos momentos de encruzilhada histórica dos povos surgem, às vezes simultaneamente, os heróis e os canalhas. Nessa sequência já se sucederam Zumbi e Domingos Jorge Velho; Tiradentes e Silvério dos Reis; Prestes (o da coluna) e Filinto Muller, entre outros. Uns emergem das camadas avançadas do povo ou são forjados no crepitar revolucionário das multidões, reconhecidos nos momentos de mais elevado nível de consciência das massas. Estes são os heróis. Outros, são urdidos nas tramas das elites, cavalgam a ignorância e o preconceito de parcelas do povo, brotam aparentemente do nada, não defendem propriamente uma causa, embora ordinariamente sirvam às piores. Estes são os canalhas. De tal matéria-prima constituiu-se o governo do Brasil nestes tempos de aflição.

O discurso ideológico dos governantes volta-se contra o Estado-Nação, acusado de responsável pelos males que nos afligem. Mas o “moderno” Collor não passa de submisso executor do que prescrevera Brzezinskki: “o Estado-Nação, enquanto unidade fundamental na vida organizada do homem, deixou de ser a principal força criativa: os Bancos internacionais e corporações multinacionais planejam e atuam em termos que levam muitas vantagens sobre o conceito político do Estado-Nação”.

Ontem, os traficantes de especiarias a serviço dos Estados forte massacravam povos tribais da África e América que, por não conhecerem o Estado, nada puderam além de uma resistência heróica. Hoje, Bancos e corporações representando poderosos Estados-Nação agem contra povos aos quais não reconhecem o direito à soberania Nacional. As visitas do senhor Camdessus e os computadores da IBM nos trarão mais felicidade do que trouxeram aos índios as caravelas dos senhores Colombo e Cabral?

Em seu relatório de 1988 sobre o progresso sócio-econômico na América Latina na área da ciência e tecnologia, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), assim abria o item sobre informática: “Sem dúvida, o acontecimento regional mais importante nesse campo ocorreu no Brasil, país que adotou uma política coerente de apoio ao setor nacional da indústria de computação, reservando o seguimento do mercado que considerava apropriado para a iniciativa local e no qual não existia maior concorrência das multinacionais”.

“Os resultados alcançados até agora – prossegue o relatório do BID – em volume de produção, variedade de produtos e de mais modelos criados (ou adaptados) no país e o grau de integração nacional são realmente impressionantes”. Ao fazer a comparação entre os países latino-americanos, o documento do BID destaca que o Brasil produzia já em 1986 seis vezes mais do que a Argentina tenciona produzir em 1992, absorve total dez vezes maior de mão-de-obra e vinte vezes maior do emprego em pesquisa e desenvolvimento na área da informática, enquanto em relação ao México empregamos onze mil e quatrocentos profissionais de nível universitário para apenas quinhentos do país irmão.

Os Estados Unidos jamais admitiram tal ousadia em área tão sensível para seus interesses. Era preciso liquidar a reserva do mercado, o que se fez inicialmente pelo contrabando, até que em 1991 o próprio congresso Nacional, sucumbindo a pressões de Collor e Bush aprovou a Lei que põe na encruzilhada o futuro da informática nacional. Diga-se de passagem, aliás, que o desejo do governo e de boa parte do Congresso era liquidar definitivamente com a indústria nacional do setor, não alcançando tal intento graças à atuação de um grupo de parlamentares que impôs limites à legislação aprovada, principalmente de proteção a produção e pesquisa no país.

Como a Usiminas deixa de ser estatal brasileira e torna-se uma estatal japonesa

Este ano o governo enviou Projeto de Lei ao Congresso Nacional reconhecendo Patentes em diversas áreas, cuja aprovação pode comprometer setores decisivos da pesquisa no país e abrir um mercado de bilhões de dólares ao monopólio de grandes empresas estrangeiras.

O caso das Patentes configura outro escândalo de manipulação e jogo bruto do imperialismo e do governo Collor contra as aspirações do povo brasileiro. As multinacionais, principalmente do setor farmacêutico, que já dominam 85% do mercado nacional desejam através das patentes aumentar ainda mais a espoliação sobre o país. A primeira consequência, naturalmente, seria o imediato encarecimento do preço dos medicamentos.

O Brasil registrou um milhão de casos de malária em 1989 e seis milhões de mal de chagas. Treze milhões de leishmaniose em 1990, vinte milhões de esquistossomose, seiscentos mil de lepra. As multinacionais importam 70% dos fármacos e não investem no Brasil em pesquisa e desenvolvimento.
Em memorando enviado ao INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) em 1990, a Associação das Indústrias de Papel e Celulose pedia providências ao governo para o caso das retaliações norte-americanas que já davam prejuízo de centenas de milhões de dólares no setor. O memorando reivindicava do governo brasileiro urgência na mudança da Lei sobre Patentes e dizia o motivo: a retaliação era fruto da pressão dos laboratórios farmacêuticos norte-americanos que se sentiam prejudicados pelas normas vigentes sobre patentes no Brasil.

É muito provável que antes de chegar ao Congresso Nacional, a proposta do governo tenha sido discutida com o lobby das multinacionais de medicamentos que acompanha cada passo do debate sobre a Lei nas Comissões da Câmara, tendo sempre por perto um ou mais funcionários da Embaixada dos EUA.

Depondo na Comissão Especial da Câmara dos Deputados que analisa o caso das Patentes, o empresário Laerte Setúbal defendeu a adoção de mudanças na legislação a partir do argumento de que no ano de dois mil o comércio mundial compreenderá 95% de serviços e apenas 5% de mercadorias, quando hoje é 47% de serviços e 53% de mercadorias, e já foi 5% de serviços e 95% de mercadorias no início do século. Questionado se esta não seria a razão para a mudança proposta ser colocada em dúvida, Setúbal respondeu que não se tratava de uma questão de razão, mas de força no cenário mundial. Cinicamente o empresário concluiu com a fábula do lobo e do cordeiro, na qual o primeiro sempre encontra um motivo para devorar o segundo.

A mudança na Lei da Informática, a pressão para alterar a legislação sobre as patentes, a exigência da quebra do monopólio estatal do petróleo estabelecido na Constituição indicam uma intensificação na agressividade da política imperialista. É cada vez maior a subordinação de nossa ordem jurídica aos interesses internacionais. Informática, patentes, monopólio do petróleo caíram como raio em céu azul no Congresso Nacional ditados por vontade estranha às preocupações do povo brasileiro.

Hoje não restam mais dúvidas de que a Usiminas deixou de ser uma estatal brasileira para se transformar numa estatal japonesa. A transferência da forma como se realizou contrariou até as normas de conduta do aprendiz de capitalista Paulo Honório, personagem do romance São Bernardo de Graciliano Ramos que fala de coisas certas na vida que dão prejuízo e de coisas erradas que dão lucro. Collor e Modiano fizeram com a Usiminas a coisa errada que dá prejuízo. Terminado o leilão, pouco mais de dois salários-mínimos entraram em dinheiro vivo nos cofres do governo, o resto foi moeda podre na negociata do século.

Aquilo de que se desconfiava antes da venda da estatal comprovou-se em seguida. Era irrefutável que a Nippon Steel não só acertara o acordo de acionistas para a compra das empresas, como adquirira controle sobre a sua diretoria.

A privatização das subsidiárias da Petrobras – Petrofértil e Petroquisa – obedece ao mesmo tempo receituário: privatização combinada com desnacionalização. A tragédia dessa história é que longe de aproximar o Brasil do Primeiro Mundo, como demagogicamente apregoa o presidente da República, a venda das empresas retira o Brasil do mercado internacional, no qual atua com marca própria. A partir do momento em que os monopólios internacionais controlem nossa indústria petroquímica, adeus mercado internacional. Depois desse momento nossa presença se subordinará às necessidades e condições impostas por quem detém não apenas o mercado, mas também as empresas que eram nossas.

Os rumos para a privatização da Petroquisa e Petrofértil cumprem à risca os conselhos do consórcio suíço-norte-americano CS/First Boston em documento intitulado “Petrobras – Strategy for Privatization”, que circulou amplamente no Congresso depois de vazar de órgãos governamentais. O CS/First Boston oferece o organograma completo para o esquartejamento da Petrobras.

Doutrina Macnamara transforma Forças Armadas da América Latina em milícias

Como numa guerra o inimigo faz um movimento em pinça. O primeiro movimento atinge o parque produtivo estatal, desindustrializa, privatiza e desnacionaliza, liquidando a capacidade de ataque do adversário. O outro movimento abre o mercado, entra com produtos e serviços, e a defesa está destruída.

A imagem acima, porém, não substitui, mas pressupõe, uma doutrina militar para a nova ordem mundial. Dela se encarregou o ex-secretário do Banco Mundial, Robert Macnamara em trabalho intitulado “O Mundo do pós-guerra fria e suas implicações para as despesas militarem nos países em desenvolvimento”. Aliás, Macnamara fez ampla exposição de sua doutrina em entrevista concedeu à revista Veja este ano. A doutrina consiste na substituição das Forças Armadas Nacionais por milícias adestradas para tarefas internas, mas sem vocação para o exercício da defesa do país em caso de agressão externa. Segundo esta teoria, as Forças Armadas da América Latina atuariam no combate ao narcotráfico, na defesa da ecologia e na repressão aos conflitos sociais. Um Exército internacional sob o controle da ONU (do tipo que interveio no Iraque) cuidaria da segurança entre as nações.

O FMI e o Banco Mundial são utilizados como instrumento de pressão para que se promovam cortes nos orçamentos militares nos países em desenvolvimento. O ex-presidente norte-americano Jimmy Carter já sabia em 1976 as razões da preocupação com os exércitos do terceiro mundo: “é muito provável que num futuro próximo o problema da paz e da guerra estará mais ligado aos problemas econômicos entre Norte-Sul, do que aos problemas de segurança militar entre Leste-Oeste, que dominaram as relações internacionais desde a Segunda Guerra”.

O Brasil merece consideração especial no mundo redividido. Nossa economia não pode ser comparada à economia chilena ou mesmo argentina. Temos um parque industrial razoavelmente diversificado e competimos com a indústria norte-americana em áreas específicas do mercado internacional. Além disso, o Brasil tem quase 150 milhões de habitantes, vastos recursos minerais e um imenso território. As Forças Armadas brasileiras são quase auto-suficientes em armamentos exigidos num conflito regular. O país comporta elementos de intranquilidade para os que querem reinar como senhores absolutos do planeta.

Em defesa dos nossos índios vêm os que cultivam entre seus heróis Búfalo Bill e o general Custer, exterminadores de índios em sua própria terra. Os mesmos que empestearam as florestas do Vietnã com agente laranja surgem, hipócritas, defensores de nossas matas. Causas tão nobres repudiam os serviços de tão maus advogados.

A última passagem do diretor gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI) pelo Brasil revelou o grau de cumplicidade do governo e dos políticos das classes dominantes diante da ação devastadora promovida pela orientação do Fundo no país. Antes mesmo de chegar Michel Camdessus anunciava em Montevidéu que o Brasil adotaria o Plano Cavallo, referência ao ministro da Economia Argentino, Domingo Cavallo, carrasco dos trabalhadores, pai do plano que dolarizou a economia do país, liquidou com a legislação sindical e trabalhista e colocou a pá de cal na incipiente indústria da nação vizinha.
Pois bem. Chegando ao Brasil Camdessus comportou-se como verdadeiro xerife em terra sem lei. Jantando com líderes partidários do Congresso Nacional o interventor do FMI na economia brasileira cobrou dos parlamentares a aprovação da Reforma Tributária que fornecerá em 1992, uma receita líquida de doze bilhões de dólares para os banqueiros sedentos de sangue, enquanto o país prevê crescimento zero, arrocho salarial, desemprego e recessão.

Do Brasil Camdessus voou para Cartagena em avião da Força Aérea Brasileira. Ao saber que encontraria o presidente brasileiro na Colômbia, suprema humilhação, Camdessus mandou vir de Washington e fez incorporar à Delegação o chefe da Divisão do Atlântico Sul do FMI, José Fajgenbaum, o mesmo que meses antes Collor literalmente expulsara do país por fazer exigências descabidas de mudança em nossa Constituição. Camdessus fez Collor receber Fajgenbaum e este, caprichoso, anotou palavra por palavra o que disse na conversa o presidente brasileiro. Collor sofre do que Frantz Fanon classificou de complexo de rejeição dos colonizados. Fajgenbaum que o diga.

General que se rende não redige a carta de rendição. O FMI ditou a carta para Collor

Em Cartagena, Collor fez de conta que entregava a Camdessus a Carta de Intenções ao FMI. General que se rende não redige declaração de rendição. Camdessus levou a Carta a Collor e este simplesmente comprometeu-se a mergulhar o país na recessão por mais dois anos, arrochar os salários dos trabalhadores, realizar um superávit primário de 3% – volume de recursos que deverá sobrar da arrecadação antes do pagamento dos juros externos e internos. Isso equivale a comprimir três tipos de despesas essenciais: o pagamento dos salários do funcionalismo, os gastos de custeio da máquina pública e os novos investimentos estatais.

A propósito, a Gazeta Mercantil noticiava em 31-10-1991: “exportações para a América Latina dão força extra à economia dos EUA”. Dias antes a mesma descoberta fora revelada pelo The New York Times, ou seja, os EUA estavam exportando sua recessão para os recém-abertos mercados latino-americanos, inclusive o brasileiro.

Quando desembarcou no Brasil, no dia 22 de outubro passado, o chanceler alemão Helmut Khol trazia em sua agenda as tradicionais exigências dos credores brasileiros e a pressão das indústrias farmacêuticas alemãs pela modificação do nosso Código de Propriedade Industrial, leia-se Lei das Patentes.

Dias após a visita de Khol, o FMI realizou sua Assembléia Geral em Bangcoc, na Tailândia. Na reunião, a poderosa Alemanha foi acusada dos mesmos “crimes” imputados aos eternos réus do Terceiro Mundo. Os auditores do Fundo denunciaram os alemães por manterem elevado seu déficit orçamentário, reajustarem salários sem correspondente aumento da produtividade, subsidiarem estatais falidas, facilitando a alta inflacionária. Nem tudo o que vale para Brasília, Buenos Aires, Bagdá ou Manila é aceito em Washington, Berlim e Tóquio. Os pastores do mundo se unem para tosquiar ovelhas, mas brigam ao repartir a lã.

Na Alemanha, carros desfilam com adesivos denunciando os japoneses por tomarem empregos de trabalhadores alemães exportando seus automóveis. Em Washington, em 1989, já se achava o perigo japonês maior que o soviético. Cada vez mais setores da sociedade norte-americana recriminam os japoneses acusados de falsos, aéticos e pretendentes a donos do mundo.

Tóquio dá o troco. Shintaro Ishirara, ilustre membro da Dieta (Parlamento) e destacada figura do Partido Liberal Democrata (no governo do Japão) escreve um livro – O Japão que sabe dizer não – para desancar os EUA por terem jogado a bomba atômica sobre os japoneses e exercerem uma liderança artificial no mundo, a qual, no entender de Ishirara cabe aos japoneses.

Akio Morita, o magnata da Sony, conta em sua autobiografia uma fábula escandalosa para descrever o possível desfecho da guerra comercial travada entre EUA e Japão. Dois caçadores – um japonês e um americano – encontram na floresta um leão faminto. O japonês imediatamente sentou no chão e começou a calçar seus sapatos de corrida. “Se você pensa”, disse o americano, “que pode correr mais que um leão faminto, você é um bobão”. “Eu não preciso correr mais que um leão faminto”, respondeu o japonês. “Só preciso correr mais do que você”. E ainda há entre nós estúpidos e ingênuos que se imaginam carregados nas costas por caçadores americanos e japoneses.

“O seu futuro é duvidoso. Eu vejo grana, eu vejo dor”, como diz Cazuza

Os defensores da Nova Ordem não contavam, porém, encontrar reforços de última hora. De dentro das correntes progressistas surgem vozes entoando cantos de louvor ao mercado e ao lucro. Os neoliberais batem palmas e pedem bis. O deputado José Genoíno vai à Folha de S. Paulo e declara rompido seu caso mal resolvido com o marxismo. Depois de perambular pelos descaminhos de uma falsa ortodoxia Genoíno decide repousar à sombra do neoliberalismo mais vulgar, como se uma direita neoliberal exigisse como contraponto uma esquerda neoliberal.

Na sua ofensiva o neoliberalismo captura parcelas da esquerda para o centro e empurra contingentes do centro para a direita. O ex-presidente da UNE, José Serra, aparece e reaparece como prefeito de banqueiros e potentados para dirigir a economia do país. O canto do economista e deputado tucano encanta as platéias empresariais e recebe flertes de outros tantos cristãos novos do capitalismo. A Social-democracia tardia do PSDB (honrosas exceções sejam feitas) perdeu-se adolescente nos braços da grande burguesia, longe da radicalidade reformista das massas que sua matriz européia tão bem expressou e manipulou no começo do século.

No Brasil e no mundo a Nova Ordem transpira terror e ódio. Suas expressões mais recentes são o massacre de milhares de iraquianos pela tecnologia da morte, a guerra fratricida da Iugoslávia e a onda neonazista que vem da Europa. As gerações nanicas de famintos nordestinos, o extermínio de crianças e a prostituição de quinhentos mil menores descrevem a face nacional desse horror.

Os africanos, escravos de quantas gerações vagando perdidos no continente tórrido; povos árabes caminham na miséria sobre petróleo, a maior riqueza da terra; na América Latina, afunda na pobreza o continente que cobriu de ouro e prata o velho mundo; por toda parte, proletários no sentido lato padecendo a fome, a angústia e o desespero. Há lugar para eles no mercado? Não – dirão os mercadores – há muito nos proibiaram de comprar e vender gente.

Os oprimidos só encontrarão esperança na subversão dessa ordem perversa. Os grilhões que prendem os “condenados da terra” serão partidos pela união e luta dos que não suportam mais viver despojados de direitos e liberdade. O povo brasileiro faz parte desse imenso exército internacional que aspira a um mundo livre e justo.

* Jornalista, deputado federal pelo PCdoB – SP.

Bibliografia
1- Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Progresso Sócio-Econômico na América Latina, Relatório de 1988, Parte especial: Ciência e Tecnologia.
2- ASSMAN, Hugo, SANTOS, Theotonio, CHOMSKY, Noam; A Trilateral Nova Fase do Capitalismo Mundial, Vozes.
3- ISHIRARA, Shintaro. O Japão Que Sabe Dizer Não. Siciliano.
4- MORITA, Akio. Made in Japan. Livraria Cultura Editora.
5- RIBEIRO, Darcy. Segunda Fala ao Senado.
6- Jornais: Gazeta Mercantil, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo.
7- Documento: Em defesa da nação brasileira aviltada pelo governo Collor – Partido Comunista do Brasil.

EDIÇÃO 24, FEV/MAR/ABR, 1992, PÁGINAS 4, 5, 6, 7, 8