“Chegariam a uma terra desconhecida e civilizada, ficariam presos nela. E o sertão continuaria a mandar gente para lá. O sertão mandaria para as cidades homens fortes, brutos, como Fabiano, Sinha Vitória e os dois meninos”.

Estas duas frases encerram Vidas Secas. O ponto final da epopéia de Fabiano e os seus é a vida nova, desconhecida e civilizada, nas cidades industriais do Sul do Brasil. Graciliano Ramos registrou, assim, uma virada de página na trajetória dos sertanejos que fugiam no latifúndio e da vida miserável a ele ligada.

A voragem capitalista, que nas últimas décadas mudou radicalmente a face do país, levou milhões de brasileiros a seguirem o caminho de Fabiano rumo às cidades. A história desse êxodo, que já dura meio século, é a história de miríades de fabianos. História que, até agora, passou praticamente ao largo da inspiração de romancistas capazes de dar-lhe expressão artística.

Vidas Secas foi publicado em 1937, e foram necessárias quase seis décadas para que outro romance, enxuto como ele, escrito também por um jornalista, mostrasse a luta desses homens fortes e brutos que vieram para a cidade, deram a ela o melhor de seu esforço, mas receberam tão pouco em troca.
Graciliano Ramos conduziu Fabiano do sertão até a porta da cidade, onde a história continuou. Tiziu, de Roniwalter Jatobá, registra o drama de porta adentro. É a história de Agostinho Xavier, o Tiziu, que sonhava com a cidade grande e trocou Bananeiras, no sertão baiano, pela vida de operário em São Paulo, onde sonhava agora com Bananeiras.

Mineiro de Campanário, criado em Campo Formoso, sertão baiano, onde foi motorista de caminhão, Roniwalter Jatobá veio para São Paulo em 1970. Foi operário na Nitroquímica, na Zona Leste. Depois foi metalúrgico na Karman-Ghia, em São Bernardo do Campo. Tornou-se jornalista e escritor aí pelo final dos anos 1970; militou na imprensa alternativa (Movimento, Escrita, Retrato do Brasil) e na grande imprensa. Publicou quase uma dezena de livros: Ciriaco Martins e outras Histórias (1977), Crônicas da Vida Operária (finalista do prêmio Casa das Américas, em 1978), Filhos do Medo (1979), Sabor de Química – Crônicas nordestinas (em 1981), Pássaro selvagem (1985), Sabor de química (1991), já em 3ª edição, e agora Tziu (1994).

Todos com um tema permanente, constante: a vida operária da periferia de São Paulo, desses homens que vieram atrás de um sonho. Tziu é a história dessa migração, que vai dos tempos do “milagre brasileiro” à crise dos anos 1980.

“Deixei Bananeiras na madrugada ainda escura de 8 de fevereiro de 1966”, lembra Agostinho. Veio para são Paulo de pau-de-arara e de trem, foi morar com um conterrâneo, na Zona Leste, empregou-se na Nitroquímica.

Aqui, o sonho sucumbiu à realidade da fábrica. A vida de operário é de casa para o trabalho, e do trabalho para casa, entra ano, sai ano. E, no fim, quando perde o emprego, sai com uma mão na frente outra atrás, como quando começou. O sonho, em São Paulo, era Bananeiras, era a vida que ficou para trás, mãe e irmã, um dia voltar… Sonho que durou três décadas, de quem não queria ficar preso nesta cidade grande, onde era pouco mais do que um estranho.

Como a de tantos outros brasileiros, a história de Agostinho é a crônica dessa perda dupla. Não conquistou São Paulo, e perdeu Bananeiras. O capital domina aqui e lá, e o destino do trabalhador é vagar entre esses mundos diferentes, mas complementares.