A dissecação do neoliberalismo e seus efeitos sobre sociedades como a nossa ainda não tem um apito final. Parece que quanto mais se pesquisa e estuda a realidade presente, mais se torna necessário aprofundar para se entender esse jogo – talvez o mais difícil da História.

Com o espírito de aprofundar este debate, foi realizado em julho de 1997 o seminário internacional Globalização, neo1iberalismo e privatizações: quem decide o jogo? na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre. O evento aconteceu após um amplo envolvimento da sociedade local: instituições políticas, intelectuais, acadêmicas, sindicais, empresariais, militares, camponesas, estudantis e outras.

Os debates apresentaram estudiosos do Brasil, Argentina, Chile e México, e os textos foram reunidos no livro Globalização, neoliberalismo, privatizações: quem decide o jogo?, organizado por Raul Carrion e Paulo Vizentini que apresentam e introduzem, respectivamente, a publicação.

A obra agrupa os autores e seus textos em quatro capítulos: “A globalização, o neoliberalismo e o sistema financeiro internacional”; “A experiência neoliberal na Inglaterra, Chile, Argentina e México”; “Privatizações, Estado mínimo e projeto neoliberal no Brasil”; e “Políticas agrária e agrícola na globalização”.

O primeiro capítulo (“A globalização, o neoliberalismo e o sistema financeiro internacional”) reúne textos de Luís Fernandes, Eduardo Maldonado Filho, Luiz Gonzaga Beluzzo, Márcio Pochmann e Roberto Feletti. Esta primeira parte agrupa as abordagens mais teóricas. Elas revelam a globalização neoliberal como a internacionalização contemporânea do capital, que se caracteriza por uma hegemonia sem precedentes do capital financeiro e especulativo sobre o capital produtivo, e pela crescente submissão, a ele, da maioria dos estados e nações do mundo. Capital que, ao mesmo tempo que se internacionaliza e desconhece “pátria”, continua entrincheirado em seus estados nacionais, colocando-os ao serviço de sua expansão.

O segundo capítulo (“A experiência da Inglaterra, Chile, Argentina e México”) reúne textos de Luiz Dario Ribeiro Hugo Fazio, José Cademártori, Miguel Solis, Claudio Lozano e Ignácio Sosa. Esta Segunda parte faz um estudo comparativo das experiências precursoras do neoliberalismo em nosso continente – o Chile, a Argentina, o México – e da Inglaterra “thatcheriana”, desvelando e desmitificando a realidade desses países e confrontando-a com o discurso hegemônico.

O terceiro capítulo (“Privatizações, Estado mínimo e projeto neoliberal no Brasil”) congrega textos de Carlos Schmidt, Bautista Vidal, Altino Brasil, Henyo Barreto, Marcos Dantas, Dércio Munhoz e Jandira Feghali. Nesta unidade é analisado o processo de privatização em curso no setor produtivo brasileiro nas áreas da mineração, petróleo, energia, petroquímica, siderurgia e telecomunicações. As reformas da previdência social, administrativa e a situação da saúde também são enfocadas sob o figurino neoliberal do “Estado mínimo” e suas consequências para o futuro da nação.

O último capítulo (“Políticas agrária e agrícola na globalização”) congrega textos de João Pedro Stédile, José Adelmar Batista, Mário Bertani e Ivaldo Gehlen, enfocando a temática diante dos efeitos da globalização e a liberalização das importações no Brasil. Pode-se dizer que algumas abordagens – certas caracterizações de nosso processo de desenvolvimento e a defesa do modelo da agricultura familiar, por exemplo – apresentam, no mínimo, um caráter polêmico.

Para Raul Carrion, membro da comissão organizadora do seminário e apresentador do livro, "no campo teórico, em que pese os enfoques diferenciados, ficou claro que a atual 'globalização neoliberal' – que nos é apresentada como algo neutro, inevitável, decorrente do próprio progresso tecnológico – nada mais é do que a internacionalização do capital sob uma das suas possíveis formas – talvez a mais perversa. Que a 'globalização', longe de ser uma grande novidade, é uma tendência presente no capitalismo desde o início, que foi exacerbada em sua etapa imperialista e hoje assume proporções inéditas".

Alguns textos do livro estão em espanhol-língua de origem de seus autores. Provavelmente foram assim editadas para dar um caráter latino-americano à obra. Apesar disso, no geral, a publicação permite uma leitura interessante – além do motivo de enfocar o tema do momento – por seu aspecto interdisciplinar e variação de temas e estilos dos autores.

Os produtores do seminário e do livro merecem saudação especial pela amplitude e qualidade alcançadas. A obra auxilia o estudo e debate sobre esses difíceis tempos, e é uma boa contribuição para o acervo bibliográfico – ainda reduzido, apesar dos muitos esforços – que se contrapõe à avalanche neoliberal e sua insaciável vontade de parar a História.

As teses neoliberais, momentaneamente, estão 'frente do placar político e econômico no mundo todo. Mas as nações, os trabalhadores, os intelectuais progressistas e amplos setores que se opõem aos interesses do capital financeiro especulativo continuam acumulando forças e lutando para virar este jogo.

Edvar Luiz Bonotto

EDIÇÃO 50, AGO/SET/OUT, 1998, PÁGINAS 88