A autobiografia de Mandela é antes de tudo um relato histórico da luta dos negros e do povo sul-africano para construir uma pátria livre e democrática – tarefa incompleta ainda hoje, como ele mesmo relata no final do livro, quando diz: "já percorri esse longo caminho da liberdade. Procurei não vacilar e dei muitos passos em falso no percurso. No entanto, descobri que depois de subir num monte alto a gente apenas verifica que há muitos a escalar".

Mandela nasceu numa pequena aldeia, em Umtata, capital do Transkei, segundo ele, "um distrito minúsculo e afastado dos grandes acontecimentos". Recebe de seu pai o nome de Rolihlahla (encrenqueiro). Sempre fez questão de preservar sua identidade racial e cultural. Recebe o nome inglês de Nelson, no primeiro dia na escola, costume entre os africanos por influência britânica. Enfrenta toda a dificuldade das demais crianças no ensino fundamental. Como todo jovem aspira a um futuro promissor, mas vai compreendendo ser impossível alcançar isso num país extremamente racista – onde as elites dominantes impõe seu regime de exploração e opressão. Por ter sido "adotado" por uma família que, embora negra, gozava de alguns privilégios por sua posição hierárquica na comunidade tribal, consegue estudar direito. Em Joanesburgo luta com enormes dificuldades para exercer a profissão. No início, acredita ser possível fazer justiça e prosperar socialmente, mas vai compreendendo que "ser africano na África do Sul significa ser politizado desde o dia em que se nasce, tenha-se ou não consciência disso. Uma criança africana nasce em um hospital só para africanos, é levada para casa num ônibus só para africanos, mora em área só para africanos e freqüenta escolas só para africanos, se é que freqüenta alguma".

Aos poucos vai compreendendo não restar outro caminho aos negros a não ser a luta para derrotar o regime opressor. Participa de mobilizações, conhece Walter Sisulu, dirigente do Congresso Nacional Africano (CNA) e passa a integrar a organização. Conclui ser o único instrumento para se conseguir mudar a África do Sul – esperança para as aspirações dos negros. Posteriormente participa da fundação da Liga da Juventude, por discordar da posição legalista e imobilista do CNA, naquele momento. Mas a Liga tem uma postura limitada. "Nosso grito de guerra era o nacionalismo africano e nosso credo consistia em criar uma nação a partir das tribos, derrubar a supremacia dos brancos e estabelecer uma forma de governo verdadeiramente democrática". Acreditava que a libertação nacional dos africanos seria conseguida pelos próprios africanos.

A Liga estava extremamente precavida contra o comunismo, mas contribui, juntamente com os comunistas e indianos, para mudar os rumos do CNA, que na Conferência anual de 1949 muda sua direção e aprova um programa e convoca o povo à conquista de direitos políticos por meio de greves, desobediência civil e não cooperação, e sugere a convocação de um dia nacional de suspensão do trabalho e de protesto. Mesmo com o avanço da luta de massas, Mandela continuou cético em relação à aliança com os comunistas e indianos. Por orientação destes últimos é convocada uma greve geral para o 10 de maio. Mandela se opõe e apresenta queixa em reunião executiva do CNA, mas depois a retira.

Devido ao empenho dos comunista na luta, sua oposição foi se desfazendo. Moses Kotane, secretário geral do Partido Comunista freqüentava sua casa e em várias ocasiões lhe dizia "todos estamos lutando contra o mesmo inimigo no contexto do nacionalismo africano". Mandela sentiu então a necessidade de conhecer a teoria marxista. "O materialismo dialético parecia oferecer uma luz para a noite escura da opressão racial e um instrumento capaz de dar um fim à opressão ( … ) se quiséssemos que a luta tivesse êxito, precisaríamos transcender às cores ( … ) a idéia de que o valor dos bens tinha por base a quantidade de trabalho gasto para obtê-Ios parecia adequada à África do Sul". A partir daí, Mandela muda radicalmente sua postura e, muito embora não tenha assumido publicamente sua filiação ao Partido, trabalha sob sua direção e nunca deixou de ressaltar sua imprescindível contribuição.

Nos primeiros momento da luta pela libertação, o CNA adota a forma de resistência pacífica, devido às condições objetivas e à necessidade do acúmulo de força. Mandela é preso e, com seus companheiros, faz da defesa um libelo contra os exploradores, obtendo grande vitória com sua absolvição.

Chega o momento em que a luta pacífica já não corresponde mais às necessidades. Os opressores recrudescem mais sua ação, chegando a colocar o CNA na ilegalidade e Mandela passa a organizar a resistência armada, com o exército popular (MK), que vai desempenhar importante papel. Já na clandestinidade, estuda clássicos da arte militar.

Em 1962 percorre vários países africanos para conseguir apoio político e material e é preso no retorno à África do Sul. Começa a enfrentar um dos mais longos períodos de prisão e, durante o processo, ocorre uma ofensiva da repressão em que são presos vários membros do MK e seu nome é ligado à resistência armada. Condenado à prisão perpétua, cumpre pena na ilha Roblen, mas em momento algum perde a perspectiva da luta. Faz da prisão um local de resistência – participa de greves de fome e outras formas, e chega a organizar um curso de formação.

As classes dominantes não conseguem mais impor sua vontade, a luta recrudesce e, em 1985 o então presidente Bhota oferece a liberdade sob condições a Mandela. Em discurso lido por sua filha num comício ele diz: "Sou membro do CNA e continuarei a sê-Io. Estou surpreso com as condições que o governo quer impor. Não sou violento. Lutamos armados somente quando todas as outras formas de resistência já não nos estavam mais abertas. Diga ele que quer desmantelar o apartheid, que revogue as proibições impostas ao CNA, que liberte os presos, banidos e
exilados porque se opuseram ao apartheid, que garanta liberdade de atividade política de modo que o povo possa decidir quem vai governá-Io. Tenho apreço por minha liberdade, mas tenho apreço ainda maior pela de vocês".

Após muitos acontecimentos, Mandela conclui ser hora de negociar. Fazia 3/4 de século que combatiam o governo da minoria branca e 20 anos de luta armada. O inimigo era forte e resoluto, mas não conseguia derrotar o povo e estava na contramão da história; o CNA estava certo, mas não tinha forças para impor uma derrota aos opressores. Continuar a luta armada significava mais mortes e continuar feridas que impossibilitavam construir uma nação.

As negociações constituíram um processo longo e difícil, mas finalmente chegou-se à libertação de Mandela e às eleições que deram a vitória ao CNA e puseram fim ao apartheid – não sem antes do duro golpe do assassinato de Chris Hani, secretário geral do Partido Comunista e herói do povo sul-africano.

É importante frisar que os reacionários e racistas da África do Sul sempre tiveram o apoio do imperialismo e que a vitória de Mandela e do povo sul-africano possui um grande significado para a luta dos povos do mundo inteiro.