A 3ª CÚPULA DAS AMÉRICAS, realizada em Quebec, no mês passado, ocorreu no cenário rotineiro das reuniões dos poderosos do mundo: isolada por uma cerca de aço, de três metros de altura e quatro quilômetros de comprimento, e protegida por uma força policial militar de centenas de soldados para manter afastados as mais de 50 mil pessoas que pretendiam manifestar sua oposição as decisões que seriam tomadas naquele bunker. Mais de 400 pessoas foram presas. E, numa inversão completa de perspectiva, o presidente Fernando Henrique Cardoso qualificou de “fascistas” justamente aqueles que pretendiam manifestar sua oposição e que foram impedidos de fazê-lo pela ação policial!

Aqueles manifestantes tinham o que fazer lá. O assunto debatido pelos chefes de Estado dos países americanos (com exceção de Cuba, impedida de participar do conclave), se implementado, vai refletir diretamente na vida dos povos da América – a criação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA).
Há um braço de ferro entre os governos brasileiros e norte-americano a respeito da data e das condições de sua implantação. Os norte-americanos insistem em 2005, e o governo brasileiro fala em prazos maiores; os norte-americanos falam em abertura dos mercados, mas calam-se sobre a abertura de seus próprios mercados. No documento final da 3ª cúpula fala-se em reduzir a pobreza na região pela metade até o ano de 2015, com base na agricultura e no agro-comércio, deixando claro o sentido do “século das Américas” proclamado por Bush na sua campanha eleitoral e reafirmando naquele encontro: reservar os mercados latino-americanos ás multinacionais ianques, impedindo a industrialização da região e criando obstáculos para aquelas já existentes e que podem competir com os fabricantes do EUA, e reciclando suas economias para atividades agrícolas.

Este é também o sentido da possibilidade que as multinacionais terão, de acordo com a nova redação, de processar os governos dos países onde o acordo não estiver sendo comprido ou suas sucursais forem prejudicadas por manifestações populares que atingirem suas propriedades.
“Século das Américas” , como a Doutrina Monroe, significa a intenção de preservar o quintal latino-americano dos EUA, e hoje, a ALCA é o principal instrumento para alcançar este objetivo, a América para os americanos… do norte.

O governo brasileiro manifesta uma certa resistência contra as pretensões norte-americanas, movida pelos interesses da grande burguesia brasileira, que teria dificuldade em adaptar-se e enfrentar a concorrência norte-americana. Contudo, mesmo sob esse aspecto, Fernando Henrique Cardoso vacila. Embora tenha anunciado uma cúpula interna para discutir o assunto, seu governo reprime o livre debate da ALCA. No começo de abril, a maior autoridade do Ministério das Relações Exteriores sobre a questão, o embaixador Samuel Ribeiro Guimarães, foi demitido da diretoria do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais depois de cometer o pecado de manifestar, publicamente, sua oposição veemente ao ALCA, denunciando a renúncia à soberania do país e à autonomia do Estado para aplicar medidas de defesa econômica e de promoção do desenvolvimento que aquele acordo significará.

Símbolo da globalização neoliberal, a ALCA é a extensão ao território das Américas das mesmas condições que submetem o México e o Canadá ao espaço econômico dos EUA: multinacionais americanas vão ao México em busca de mão de obra barata, que exploram as condições subumanas nos chamados sweat shops, oficinas de suor. Este é o setor industrial que no México, cresce a um ritmo muito mais acelerado que o conjunto da industria, diz o jornalista uruguaio Eduardo Galeano.

Comissão Editorial

EDIÇÃO 61, Mai/Jun/Jul, 2001, PÁGINAS 3