– Dona Marinalva, venha cá.

      Dona Marinalva não era propriamente dona, no sentido clássico de senhora, proprietária de sesmarias, dominadora de horizontes. Seu chefe chamava-a de dona pelo hábito que todos os chefes têm de chamarem assim suas secretárias, sejam as ditas moças, velhas ou maduras.

      Marinalva não gostava de seu nome. Preferia que a chamassem de Mari. Essa coisa pretensamente poética de marina branca, desvendando-se ao amanhecer, não a convencia nem um pouco. Seu pai, funcionário público, achou de cometer literatices no nome dos filhos: Marinalva, Antuérpio, Miríade e Antares. No final, ela foi a mais sortuda dos quatro, louvado seja deus.

      Também não gostava do chefe. Primeiro, que a chamava pelo nome e ainda acrescentava aquele dona, inadequado para seus 33 anos. Segundo, porque chamava daquele jeito, com aquele autoritário venha cá. Nada de por favor, faz favor, por gentileza, etc.

      – Dona Marinalva?

      – Um momento, seu Lécio.

      Seu Lécio era na verdade Lindalécio Gomes de Moraes, assim mesmo sonoro e com e. Tinha muito orgulho de seu nome e detestava que o chamassem de Lécio. Sua genitora, Altamiranda de Jesus Gomes de Moraes, tinha sido uma excelente doceira e zelosa mãe solteira. Sem irmãos, Lindalécio teve de um tudo que uma doceira podia oferecer a um filho. Formou-se técnico em contabilidade e hoje é despachante na zona sul da cidade.

      Sorte? Essa palavra não constava de seu vocabulário. Tudo o que tinha, era graças a seu esforço e talento – e à sua santa mãezinha, que deus a tenha.

      – Dona Marinalva!

      – Já vou!

      Foi. Levou o indefectível caderninho de anotar bobagens. Sim, porque aquele homem – dizia ela a Creuza, sua manicure – de chefe, só tinha o título, pois só falava bobagens, não determinava nada, só gastava seu tempo. E ela anotava. Quer dizer, fazia que anotava. Às vezes fazia desenhos, conta das dívidas, jogo da velha ou a lista de tarefas para o dia. Não raras eram as vezes em que ficava diante de seu Lécio, absorta, balançando afirmativamente a cabeça.

      – Entendeu tudo, dona Marinalva?

      – Hein?

      – Entendeu tudo?

      – Tudo anotado, seu Lécio.

      – Dona Marinalva, quantas vezes eu já falei que meu nome é Lindalécio, Lindalécio Gomes de Moraes?

     – …

      – É tão difícil lembrar isso? É tão complicado chamar alguém pelo próprio nome? Se ainda fosse um nome feio, vá lá! Mas um nome como esse? Vamos lá, tente comigo: Lin-dalé-cio. Vamos!

      Marinalva olhou fundo o rosto redondo de seu interlocutor: pele oleosa, bigode escovinha, careca riscada por tiras de cabelos engomadas a gel. Olhou em torno: móveis antigos, escuros, carpete verde abacate, gasto e encardido, estofados puídos. De volta ao rosto do chefe, sustentou seus olhos verdes, intrigados. Lembrou do salário, das extras não pagas, das meias desfiadas naquele maldito arame de sua cadeira, do computador sem memória, lento, lento…

      Levantou-se de um salto e, encarando o chefe, disparou:

      – Meu nome é Mari, senhor Lindalécio. Mari.

      – Dona Marinalva? Dona Marinalva, aonde vai? Dona Marinalva!… Dona Marinalva, volte aqui!… Dona… Pra onde é que ela tá indo, seu Otávio?

      – Parece que pra rua, seu Lécio… Parece que pra rua.