Meu canto não é mais canto
por não estar na boca dos homens.

Ele é geografia que se tece
por entre usinas e corporações;

é arquitetura
que se ergue nas torres sem pudor
ou retinas de consciência.

É sinfonia que se rege
por pistões, robôs
e hortaliças minerais;
pronto e inacabado
a cada férrea manhã
de tungstênio.

Meu canto é férrea manhã
de tungstênio
e fuligem opaca
a tingir de terror
tuas manhãs e o café sobre a mesa.

É flora e fauna
de esquisita natureza:
é o carro
é o pão
é o salário
e o não salário.

É paço e aço
nas tardes de cimento
e alumínio…

Mas acima de tudo
é canto:
de um número
de operários
que de mim fazem
besta e fera
a devorar e sepultar
os sonhos e a sorte
de uma multidão enraivecida.