O filho de doze anos vira-se para o pai, num destes belos dias de sol, dias que nos inspira a tudo, inclusive a tentar dialogar com certas pessoas, e diz:

      – Pai! Quero fazer balé, tocar piano e ser um grande enfermeiro quando crescer.

      O pai, que por um momento achou que o filho tirava-uma-com-sua-cara, olhou fixamente o filho e disparou:

      – Viado!

      – Huumm!?

      – Isto é coisa de viado! Homem-que-é-homem na sua idade tá é com os outros moleques jogando bola.

      – Mais pai! Eu gosto é de ficar com as meninas. Tem a Carlinha que estuda comigo…

      E o pai quase gritando:

      – Estudar com mulher!? Você vai ficar afeminado!

      Depois deste dia foi daí para pior. O garoto que poderia ter sido um grande bailarino, ou um habilidoso pianista, ou até mesmo um enfermeiro profissional, foi se desgostando. Seu pai, preocupado com o futuro másculo do filho, lhe repreendia a todo o momento. Corrigia o que em sua cabeça era um desvio de masculinidade.

      – Aonde você vai?

      – Vou à casa da vovó, tá!

      – Que tá o que rapaz! Que vovó que nada!

      E num tom mais calmo.

      – Olha filho, tem coisas que homem-que-é-homem não fala. Tá, em fim de frase?! Vovó?! E completou. Você deve dizer: "Aí pai, vou até a casa da minha vó. Falou!?".

      O garoto encolheu os ombros e foi. Foi para a casa da vovó, pois sempre se referiu a sua avó desta maneira.

      – Mãe não quero comer hoje estou enjoado.

      E o pai aos gritos:

      – ENJOADO MENINO!? ISTO É COISA DE VIADO!

      E o garoto consigo mesmo: "Está cada vez mais reduzido o vocabulário do homem-que-é-homem. Qualquer dia não vamos mais falar. Só rosnar, ou relinchar, pelo que se vê.

      Os anos passaram e, de tanto o pai insistir, o garoto começou a sair com os moleques da rua. Saia mais e mais. Quase não tinha tempo para estudar em casa. Deixou de lado suas amigas. Começou a faltar na escola.

     De tanto sair começou a dormir fora. Um dia apareceu fumando e seu pai, orgulhoso com os avanços do filho, lhe deu um pacote de cigarros. O filho de aprendiz de homem-que-é-homem passou a ensinar. De cigarros evoluiu para algo que dava mais liga. De dançarino passou a corredor, não de olimpíadas, mas da polícia. De pianista a pianinho, pois para falar com malandro mais velho tem que falar mansinho. Para enfermeiro até que ele servia, pois conhecia a anatomia humana perfeitamente, afinal, até para se matar alguém tem que conhecer um pouco de medicina.

      O pai, vendo o filho cada vez mais macho, falando nas gírias, vestido como um verdadeiro homem-que-é-homem, o apresentava para seus amigos todo orgulhoso.

      Mas tanto fez o garoto, que um dia se descuidou (hoje já um homem, só não se sabe se realmente já era um homem-que-é-homem). E como todos aqueles que se descuidam, foi direto para a prisão. Metido dentro daqueles muros, e na falta de mulheres-que-são-mulheres, muitos homens-que-são-homens, precisam satisfazer outros homens-que-são-homens. Como nosso garoto era novato, delicado e estava a ponto de morre de medo, preferiu morrer de amor.

      Hoje ele não toca piano, não é enfermeiro, não dança. Mas é viado.